Na festa que foram os investimentos de venture capital em startups nos anos 2020 e 2021, o Softbank foi o principal anfitrião. O fundo de Masayoshi Son ajudou no nascimento dos principais unicórnios da América Latina, como são chamadas as empresas que valem mais de US$ 1 bilhão.
São do portfólio do fundo, que criou um veículo específico para investir na América Latina, liderado pelo boliviano Marcelo Claure, startups como Rappi, Kavak, Loggi, QuintoAndar, Mercado Bitcoin, Loggi, unico, Bitso, MadeiraMadeira, Merama, Olist, Creditas, Gympass, entre outros ativos bilionários.
Mas desde a saída de Claure, anunciada no fim de janeiro deste ano, as interrogações sobre o futuro dos investimentos do Softbank na América Latina se avolumaram. As dúvidas só cresceram com a saída de nomes que fizeram parte do time que desbravou a região, como Paulo Passoni e Shu Nyatta.
Nas últimas semanas, o NeoFeed ouviu mais de uma dezena de investidores, empreendedores e pessoas próximas ao Softbank na América Latina para tentar entender o atual estágio da operação na região e identificar os acertos e erros da gestora na região.
Os rumores sobre o fim da operação do Softbank na América Latina são apenas rumores. Mas não espere, a partir de agora, o mesmo apetite do fundo em empresas na América Latina como nos anos 2020 e 2021. A tendência é o Softbank se concentrar em um gerenciamento do portfólio atual, fazendo poucos e pontuais novos investimentos e aportando mais recursos e tempo em follow-ons do próprio portfólio.
“O ritmo de investimento em novas empresas diminuiu bastante. Acho que a barra é diferente de quando a gente olhava em 2020 e 2021: do ponto de vista do negócio, dos unit economics e do time”, diz Alex Szapiro, o managing partner do Softbank para a América Latina, ao NeoFeed.
- Leia a entrevista exclusiva de Alex Szapiro e Juan Franck ao NeoFeed
Para se ter uma dimensão do que diz Szapiro, os investimentos do Softbank na América Latina passaram de US$ 4,31 bilhões nos segundo semestre de 2021, para US$ 1,57 bilhão no primeiro semestre de 2022, segundo dados do Pitchbook, em um relatório cujo título é “O Softbank liderou a ascensão da América Latina e o seu recuo”.
Desde que começou a investir na América Latina, o Softbank colocou a América Latina no mapa do venture capital mundial, chamando a atenção para os bons empreendedores e para os bons negócios da região. A partir de 2019, o fundo esteve envolvido em mais de um terço de todos os negócios por valor na América Latina e foi o investidor líder em 15% dos acordos, de acordo com o PitchBook.
Por outro lado, a voracidade de investir somada a velocidade com que os acordos eram anunciados levaram a uma série de distorções, segundo múltiplas fontes ouvidas pelo NeoFeed. Os erros mais citados: valuations inflados e diligências apressadas e pouco detalhadas.
Um empreendedor que recebeu investimento do Softbank conta que a gestora fazia processos de auditoria rápidos e pouco detalhados. Com outros investidores que ele lidou, diz essa fonte, os processos, às vezes demoravam meses e eram discutidos todos os detalhes do negócio. "Isso gerou a fama de que não eram bons em auditoria", conta.
Na caso dos valuations, segundo os depoimentos ouvidos pelo NeoFeed, o Softbank sempre costumava esticar a corda para cima, trazendo distorções no mercado que são sentidas hoje, em meio a onda de demissões que está acontecendo com as startups. "Eles eram impulsivos", diz um gestor que fez investimentos em conjunto. "Topamos alguns porque achávamos as empresas boas, mas o meu ganho vai ser menor."
A mexicana Kavak, que atua na revenda de carros usados e foi avaliada em US$ 8,7 bilhões, e a colombiana Rappi, um business de delivery que vale US$ 5,25 bilhões, são citadas pelas fontes ouvidas pelo NeoFeed como exemplos de companhias em que o valuation é irreal. "A Kavak é uma loja de carros usados. Eles pagaram muito caro", diz um gestor do mercado.
Sobre os valuations inflados e as diligências rápidas, Szapiro diz ao NeoFeed que o Softbank tem um processo bem consolidado e que analisa todos os detalhes dos negócios antes de decidir por um investimento. "Me sinto muito seguro de que temos um processo bem sólido no nosso comitê de investimento. A apresentação de uma empresa no nosso comitê de investimento tem de 80 a 100 páginas", diz ele.
Sobre os valuations, ele acrescenta. "Desde que entrei aqui, escuto isso, de inflar o mercado. Não vou falar que a gente é perfeito, que a gente não erra. Longe disso. Mas me sinto muito tranquilo com os mecanismos que usamos, com os processos e com o time."
Por que isso acontecia, segundo as fontes ouvidas pelo NeoFeed? “O Marcelo (Claure) queria dar relevância para a América Latina”, diz uma fonte que conhece a lógica de investimentos do Softbank. “Tinha uma pressão enorme para não perder unicórnios e a forma de fazer isso é investir em todo mundo. E, neste caso, preço não importa.”
Não eram só unicórnios que podiam fugir. Havia uma pressão grande para anunciar vários investimentos por mês. “A lógica era não perder nenhum deal”, diz outra fonte da área de venture capital. “Eles achavam que a maioria era ‘porrada’”, conclui, referindo-se a crença de que boa parte deles iria performar bem e trazer grandes retornos. Atualmente, o portfólio na América Latina supera as 70 empresas.
Mas o cenário mudou. Desde o ano passado, a correção de valores de ativos tech tem trazido dor de cabeça ao império de Masa, como é conhecido o fundador do Softbank entre as pessoas mais próximas. O Vision Fund, o fundo global do Softbank, registrou um prejuízo de US$ 26,2 bilhões, no primeiro trimestre de 2022. As perdas chegaram US$ 23,1 bilhões nos meses de abril, maio e junho. Na América Latina, o fundo teve uma perda de US$ 205 milhões.
Em entrevista para comentar esses resultados, Son disse que estava “deprimido” com a situação e admitiu que em sua estratégia agressiva de investimentos, com aportes massivos em companhias, deveria ter sido mais seletivo. “Estou envergonhado de mim mesmo por ter ficado tão eufórico pelos grandes lucros do passado”, afirmou.
Por conta disso, o grupo japonês vem se desfazendo de participação em diversas companhias. Entre os desinvestimentos que o Softbank está a venda de quase metade de sua participação na plataforma de e-commerce chinesa Alibaba, no começo do mês, via derivativos. As operações resultaram em cerca de US$ 22 bilhões em recursos. O Softbank vendeu também toda sua fatia na Uber.
Esse cenário, em conjunto com a nova realidade do mercado de venture capital, são os argumentos para justificar a tirada do pé do Softbank em seus investimentos. Isso, de fato, está acontecendo no mundo e na América Latina por conta do bear market que afeta a todos os atores deste mercado.
Mas as fontes que têm uma visão pessimista sobre os próximos passos da Softbank na América Latina gostam de lembrar que sem Claure, Masa não deve focar na região. “Esse era um projeto do Marcelo”, diz um executivo de um fundo de venture capital.
Essa percepção tem feitos que alguns fundos que coinvestiram com o Softbank se movimentem e sondem a companhia de Masa para saber se ele tem interesse em vender suas fatias em algumas empresas da região. Até agora nada evoluiu – e é improvável uma venda de ativos neste momento de baixa nos preços.
A estrutura da região segue ativa, voltada atualmente mais para a parte de operações – uma das áreas da Szapiro, um executivo com passagens por Apple e Amazon, tem larga experiência. Atualmente, são 53 profissionais, quase o mesmo número de um ano atrás.
Segundo apurou o NeoFeed, um managing partner, como foco mais em investimento, está sendo buscado pelo Softbank no mercado com o objetivo de ajudar a fazer a gestão do portfólio e ajudar nos follow-ons. “Temos um compromisso de longo prazo. E estamos apenas começando”, diz Juan Franck.
O Softbank, não há dúvida, colocou a América Latina nos holofotes dos investidores globais. Agora que a festa do venture capital está acabando, será que Masa vai apagar a luz que ajudou a acender?
É uma dúvida que só o tempo responderá com precisão. O certo é que Marcelo Claure, depois que acabar seu período de non-compete, deverá ter o seu próprio fundo de venture capital. E Paulo Passoni e Shu Nyatta vão seguir no mesmo caminho.