Nos últimos anos, o Softbank se tornou o maior investidor institucional em empresas de growth na América Latina, com cheques milionários e um ritmo impressionante para investir em mais de 70 empresas.

Mas, em 2022, o fundo tirou o pé do acelerador em meio a problemas globais com o Vision Fund, o fundo de US$ 100 bilhões levantado por Masayoshi Son, e a derrocada das ativos de tecnologia na bolsa, que atingiu o coração do grupo japonês.

A América Latina, que ganhou dois fundos que somados tinham US$ 8 bilhões para investimento, se tornou também um ponto de interrogação na estratégia do Softbank, diante da saída de quase todo o time que começou a investir na região.

Pela primeira vez, o Softbank fala abertamente sobre seus planos para a região em uma entrevista exclusiva ao NeoFeed com os dois managing partners atuais do fundo: Alex Szapiro e Juan Franck.

Na conversa que você lê abaixo, a mensagem é de que o Softbank segue apostando na região, mas agora com um ritmo mais lento e com critérios mais rigorosos para avaliar as empresas para as quais vai fazer os seus cheques.

Novos investimentos não estão descartados – há um pipeline de até 70 empresas sendo avaliadas –, mas a tendência é se concentrar em follow-ons para as empresas do portfólio.

Dos US$ 8 bilhões que tem para investir, o Softbank já comprometeu US$ 7,6 bilhões. Restam, portando, apenas US$ 400 milhões. Mas, por fazer parte do Vision Fund, é possível acessar até US$ 2 bilhões para novos investimentos.

Questionado se irá usar esses recursos, Szapiro respondeu: “A gente faz a conta de que o capital está disponível para a América Latina e quais são as possibilidades. Então, de novo, vou voltar ao meu ponto anterior. A barra é diferente do que a gente viveu em 2020 e 2021.”

A seguir, os principais trechos da entrevista:

O Softbank vai reduzir os investimentos na América Latina e se concentrar na gestão do portfólio atual?
Alex Szapiro
- A resposta é simples: não. Se você até olhar um pouco, a gente inclusive já fez alguns deals e tem outras coisas para serem anunciadas, não especificamente só em follow-ons. A gente liderou um round de US$ 100 milhões na Habi agora em junho. Teve outro round de US$ 150 milhões com a Nowports, que foi anunciado em maio. E teve uma rodada de US$ 100 milhões com a Solfácil em maio e outro com a Trela, um round menor de US$ 25 milhões, que foi anunciado em março. Além disso, nós temos, semanalmente, o nosso comitê de investimento. O nosso deal flow é de mais de 70 empresas novas que estamos avaliando.

Mas os investimentos do Softbank estão menores este ano.
É lógico. E não é uma coisa específica do Softbank. É uma coisa específica de todo mundo. O ritmo de investimento em novas empresas diminuiu bastante. Acho que a barra é diferente de quando a gente olhava em 2020 e 2021: do ponto de vista do negócio, dos unit economics e do time. E especificamente para o nosso segmento tem outro ponto. Muitas empresas que estavam naquela fase de early para growth também estão ajustando um pouco. Em vez de crescer 50%, 60%, 70% ao ano, elas agora estão fazendo suas lições de casa para estarem prontas para o próximo estágio que é séria B e C.

"O ritmo de investimento em novas empresas diminuiu bastante. Acho que a barra é diferente de quando a gente olhava em 2020 e 2021"

Mas vocês vão parar de fazer novos investimentos?
A resposta é claramente não. Mas é lógico que os follow-ons acabam transparecendo muito mais que os investimentos novos porque são empresas que a gente já conhece e sabemos quem são fundadores. Já estamos com eles há bastante tempo. E, efetivamente, há uma tendência a dar continuidade. Mas continuamos fazendo as duas coisas (novos investimentos e follow-ons).

O Softbank tem dois fundos na América Latina: um de US$ 5 bilhões e outro de US$ 3 bilhões. Quanto capital vocês ainda têm para alocar na região?
Se você olhar do ponto de vista de capital compromissado, estamos falando de US$ 7,6 bilhões. Esse valor não é obrigatoriamente que a gente já alocou, mas o que tem já de compromisso – isso significa até alguns deals que não saíram publicamente ainda. Além disso, fizemos uma mudança de estratégia. E isso significa que existe um acesso a um pool de capital para América Latina que vem do Vision Fund (de US$ 2 bilhões). Isso nos dá mais flexibilidade, porque não precisa levantar um fundo específico para a América Latina.

Se você tem US$ 7,6 bilhões compromissados, sobram, então, US$ 400 milhões para investir?
Perfeito.

Então, quer dizer que praticamente acabou?
Você está falando dos dois fundos. Eu estou falando dos dois fundos mais do capital que a gente tem acesso a um pool muito maior.

Em que estágio está o pool de US$ 2 bilhões adicionais que foram anunciados para a América Latina? Eles vão ser investidos na região?
Essa não é a pergunta que a gente faz. O pool está lá. A pergunta que a gente faz é: quais são as oportunidades de investimento para os recursos? E as oportunidades vão nas duas frentes: nos follow-ons e no que a gente continua originando dentro do nosso pipeline. A gente não faz essa conta de termos de alocar os US$ 2 bilhões. A gente faz a conta de que o capital está disponível para a América Latina e quais são as possibilidades. Então, de novo, vou voltar ao meu ponto anterior. A barra é diferente do que a gente viveu em 2020 e 2021. Estamos sendo mais criteriosos do ponto de vista de como a gente aloca esse capital.

Você disse há pouco que a barra é diferente e que o Softbank está mais criterioso hoje. O que mudou?
Acredito que o que mudou foram os múltiplos dos mercados públicos. E estamos vendo efetivamente esse ajuste acontecer, com o passar do tempo, nos mercados privados. Tem outra coisa: o mercado foi muito mais competitivo. Havia alguns fundos, chamados de fundos turistas, atuando na região e que não têm o know how da América Latina. Quando teve essa competitividade dos últimos 18 meses e 24 meses, muitos desses fundos que não conheciam a região vieram para cá. Da mesma maneira que muitos desses fundos já foram embora. É um mercado que vai se ajustar.

Juan Franck - Acho que o Softbank na América Latina está em uma posição muito privilegiada, porque tem capital e liquidez para trabalhar. E o cenário competitivo em relação a outros fundos de investimento mudou drasticamente em relação ao ano passado. Nós já estamos comprometidos, como Alex estava dizendo, com US$ 7,6 bilhões. E temos um compromisso de longo prazo na região. E estamos apenas no começo. Porque quando você compara a penetração de crédito, comércio eletrônico e o acesso à saúde e educação na região, os problemas são muito grandes. Eles ainda precisam ser resolvidos e podem ser resolvidos pela tecnologia. E temos o capital para colocar, o que cria um cenário de investimento muito atraente. Agora, é verdade que o investimento em relação ao ano passado foi reduzido em todo o mundo e na América Latina também. Estamos sendo extremamente disciplinados tanto para novos investimentos quanto para os follow-ons. O que é interessante é que as empresas do portfólio estão bem capitalizadas e estão vendo oportunidades interessantes de fusões e aquisições.

Há exemplos de M&As recentes no portfólio do Softbank?
Alex Szapiro - Sim, há vários. O recém-anúncio de CRM&Bonus (comprou a Zipper) e de unico (adquiriu a MakroSystems). Esses são casos que fizeram M&A porque tinham capital em caixa. Mas a gente tem outras conversas em que o commitment do capital do follow-on é baseado em um novo M&A.

Você citou que algumas empresas do portfólio estão fazendo aquisições. Por outro lado, algumas empresas do portfólio estão realizando demissões. Esse é um sinal de que elas estão enfrentando problemas?
É um sinal de muitas coisas e cada caso é um caso. Vou citar alguns números aqui: tem empresas que no ano passado saíram de 350 para 2 mil funcionários. E o que acontece quando você faz isso? Um monte de erros. E sendo muito franco. Nós, do lado dos investidores, também somos culpados por essa pressa. Temos de fazer o nosso mea culpa. Muitas dessas empresas aceleraram demais e há uma dor com isso. Esse é um caso.

Quais os outros casos?
Há casos de empresas que, basicamente, estão ajustando projetos e expansões. E querem focar só no que é core. E entregar, talvez, um crescimento um pouco mais lento, mas com um unit economics que faça mais sentido. Tem “n” casos de ajustes. O empreendedor quer ter certeza de que tem acesso ao capital, mas ele quer evitar um down round. Para evitar um down round, ele posterga o runway (o tempo em que pode manter a operação sem um novo aporte). O que estamos vendo é que muitos desses ajustes não são por uma só razão. É uma combinação de várias: cresci muito rápido, contratei rápido, contratei errado, estou ajustando o meu negócio, estou fazendo menos coisas e estou buscando unit economics (melhores). Tenho escutado de muitos empreendedores que querem estender o runway deles até o segundo semestre de 2023 ou começo de 2024.

"Mas, desde que entrei aqui, escuto isso, de inflar o mercado. Não vou falar que a gente é perfeito, que a gente não erra. Longe disso."

Muitas fontes do mercado com as quais conversei me disseram que o Softbank inflou muito os valuations e fez diligências muito rápidas na hora de tomar a decisão de investimento. Então, há empresas no portfólio com valuations muito altos e que hoje, se buscarem capital, vão ter de sofrer um down round. Como vocês avaliam a questão do valuation: o Softbank inflou demais a avaliação de seus ativos?
Me sinto muito seguro de que temos um processo bem sólido no nosso comitê de investimento. A apresentação de uma empresa no nosso comitê de investimento tem de 80 a 100 páginas. Analisamos desde a capacidade do empreendedor e o negócio em suas várias frentes, como cash flow e os múltiplos, e comparamos com outros múltiplos. Entre começar a falar com a empresa e investir, demora de semanas a meses. Me sinto seguro de que o processo aqui é sistemático. Mas, desde que entrei aqui, escuto isso, de inflar o mercado. Não vou falar que a gente é perfeito, que a gente não erra. Longe disso. Mas me sinto muito tranquilo com os mecanismos que usamos, com os processos e com o time.

Juan Franck - Este ano sempre dissemos que não seríamos os mais rápidos ou aqueles que pagariam a maior avaliação. Porque trazemos muito mais do que apenas capital. Estar na região não é só relativo a capital. Queremos ajudar os empreendedores a navegar no novo normal. E é aí que acho que nossa proposta de valor é realmente diferenciada. Temos profissionais com perfil de investimento em nossa equipe. Mas temos também monte de expertise operacional. E essa é uma experiência que é extremamente valorizada hoje. Porque os empreendedores estão tentando se ajustar para gerenciar sua equipe e expandir os negócios em um novo ambiente. E temos especialistas em RH, em marketing, em vendas, em tecnologia.

Muitas fontes com as quais eu conversei, Szapiro, me disseram que o seu expertise é de operações e não de investimentos. Vocês estão procurando outro managing partner para a América Latina?
Alex Szapiro - Esse é o pedigree do nosso fundo: juntar capacidade de investimento com capacidade de operação. E, da mesma maneira que tenho aprendido muito sobre investimento, o time aqui tem aprendido muito sobre operações. Vamos ao comitê de investimento e as grandes discussões que temos não é só um Excel, é efetivamente qual é a viabilidade de um negócio. Estamos, na verdade, procurando pessoas. E isso é bom sinal. Rumor é difícil, cada um tem o seu interesse. A boa notícia é que gosto muito do “walk the talk”. Vamos fazer e vamos entregar e as pessoas vão poder ver isso.

Vocês consideraram bom ou ruim o fundo da América Latina migrar para debaixo do Vision Fund, o fundo global?
Eu considerei bom. Temos o melhor dos dois mundos. A parte de backoffice é suportada pelo Vision Fund, mas, com toda as mudanças que aconteceram, continuamos com uma independência na região. Inclusive, do ponto de vista do comitê de investimento.

Juan Franck - Acho fantástico ter uma plataforma global. Há muitos negócios na América Latina que estão crescendo e são comparáveis ​​a negócios que já cresceram em outras partes do mundo, como EUA, China, Índia. Esse canal de comunicação está aberto para ajudar nossos empreendedores e nossa equipe de investimentos. Vamos aprender com outras partes do mundo o que funcionou e o que não funcionou.

Apesar de ter um comitê de investimento na América Latina, a palavra final é sempre do Masayoshi Son, o fundador do Softbank?
Alex Szapiro - A palavra final é do comitê de investimento.

E Masayoshi Son participa da decisão?
Não.