Em qualquer lugar do mundo, pobre ou rico, democrático ou não, o negócio do livro é caro, difícil. Mas, no fim das contas, pode compensar num plano vamos dizer intelectual, não monetário, quando a obra se torna clássica ou passa a ser útil para fazer avançar o conhecimento, as artes e a cultura. Ele precisa ser subsidiado para sobreviver e cumprir sua missão.

O empresário editorial quase nunca aufere lucro, exceto com best-sellers eventuais. Mesmo assim, precisa se arriscar em lançar um título em que ele apostou e pode dar errado. Precisa lidar com custos que vão do equipamento aos insumos, em geral importado, para não citar toda a produção de um texto. É um processo que envolve editor, preparador de texto, revisor, distribuidor, vendedor e assessor de imprensa. Lançar um livro é uma aventura.

É bom lembrar: ao longo da história, os livros se tornaram alvo preferencial de regimes autoritários. A censura a obras surgiu antes mesmo da invenção da imprensa por Gutenberg e os textos eram divulgados em papiros, códices e incunábulos. Isso porque o seu conteúdo é capaz de modificar a forma de pensar das pessoas, provocar debates, levantar questões e, por conseguinte, alterar a forma de agir e de sentir em sociedade.

Quantos volumes não foram queimados em praças públicas, em verdadeiros autos de fé com o fim de amedrontar a população, como fizeram os nazistas em Berlim, os comunistas com medo de romances que contavam a verdade sobre os Gulags e os militares das repúblicas de banana latino-americanas, entre elas podemos incluir o Brasil?

Não se trata apenas de fazer as cabeças das pessoas. Eles também alegram a vida, divertem, distraem, transportam o leitor para lugares os mais estranhos, inclusive territórios e universos imaginários. Enfim, não vou enumerar os benefícios que eles proporcionam. Tanto saber e tanto prazer assustam aqueles que querem controlar mentes e corpos.

Na semana passada, a equipe do ministro da Economia Paulo Guedes anunciou que irá cortar a isenção de impostos para a produção de livros. Sob o argumento de que “só rico lê”, o governo federal pretende cobrar PIS e Cofins obre a produção dos livros e do papel. Quer substituí-las pela CBS (Contribuição de Bens e Serviços), com uma alíquota de 12%, assim cortando os benefícios do mercado editorial.

O governo ainda afirma que o corte é justificável porque a Receita Federal lançou mão da POF (Pesquisa de Orçamentos Familiares), realizada pelo IBGE em 2019. Segundo ela, as famílias com renda de até dois salários mínimos não consomem livros que não sejam didáticos. Quem lê livros de outro tipo são as famílias “ricas”, ou seja, cuja renda mensal alcança 10 salários mínimos.

Ora, o impacto que uma medida dessas terá sobre o mercado do livro é incalculável, e não em termos de custo final. Os preços evidentemente vão explodir, e o livro, que já é elitista, como concorda Guedes, vai se tornar inalcançável. Os prejuízos para a educação e a cultura? É até ridículo pensar neles.

E o que os empresários vão perder? Bem, com a concorrência dos livros digitais, capitaneada pela Amazon, podem enfrentar uma quebradeira total, como tem acontecido no mundo todo. Os e-books custam 20% a menos que os de papel.

Hoje em dia, além disso, os livros digitais circulam gratuitamente pela internet por meio de sites piratas. Com a pandemia, por exemplo, os estudantes, principalmente os universitários se tornaram grandes usuários de pdfs piratas.

É um processo sem volta, e claro que cobrar imposto de livros de papel vai disparar um tiro de misericórdia na produção de livros tradicionais. Ao mesmo tempo, o governo Bolsonaro se esforça para zerar o imposto sobre as armas.

Armas são "inofensivas". Ensinam mirar, defender, ferir e matar. O efeito é imediato. Livros, por contraste, costumam ser mais perigosos que armas, até porque eles costumam derrotá-las no final.