Os vinhos supertoscanos sempre foram considerados rebeldes, com reconhecida qualidade, mas que não se enquadravam em nenhuma categoria especial. Afinal, os seus produtores resolveram subverter as tradicionais denominações de origem (D.O.) toscanas.

A resposta veio dos críticos, que, na década de 1980, passaram a chamá-los de supertoscanos. O nome, com forte apelo comercial e com aval dos próprios produtores, foi bem recebido pelo mercado. E, mesmo com os altos valores pedidos nas garrafas (principalmente para vinhos sem D.O.), a demanda foi elevada.

Como qualquer onda bem-sucedida, mas não regulamentada, muitos vinhos sem tanta vocação para a qualidade começaram a se intitular supertoscanos, tornando a “categoria" um campo minado para o consumidor.

Agora, os vinhos supertoscanos estão ganhando um selo de qualidade para separar o joio do trigo. Em dezembro de 2021, foi criada a primeira associação dos vinhos supertoscanos, a Historical Supertuscans.

A iniciativa conta com 16 vinícolas pesos-pesados da zona do Chianti Classico e tem despertado a atenção do mundo do vinho, seja pela funcionalidade de filtrar quais são as referências da categoria ou pela polêmica criada com as tradicionais denominações de origem (D.O.) toscanas.

Para integrar o exclusivo grupo, as uvas devem ser cultivadas dentro da zona do Chianti Classico (a faixa de terra entre Florença e Siena, considerada a mais nobre de Chianti). O vinho deve ser também reconhecido pela mídia como supertoscano.

Outro critério é de que o vinho deve ter sido produzido anteriormente à safra 1994, ano da criação da Indicação Geogáfica Toscana, quando muitos vinhos puderam adotar a fórmula do supertoscano, mas sem os riscos de ser um mero “vino da tavola”, classificação qualitativa mais baixa para vinhos italianos.

Alguns dos rótulos mais cobiçados entre os tintos italianos, como Tignanello (Antinori - cerca de R$ 1.500 a safra 2017, diversas lojas on-line), Le Pergole Torte (Montevertine), Cepparello (Isole e Olena - R$ 1.269,90 a safra 2017, na Decanter) ou L’Apparita (Castello di Ama - R$ 2.623,00 a safra 2016, na Mistral), nasceram do inconformismo das vinícolas com as limitantes e restritivas regras das denominações de origem toscanas a partir do final da década de 1960.

O Cepparello, da Isole e Olena

“Hoje existem milhares de vinhos que se denominam supertoscanos, não apenas em Bolgheri ou no Chianti Classico. Vemos com bons olhos a tentava de regulamentar e aprimorar a classificação de vinhos da Toscana”, diz Luca Alves, embaixador global para o Consorzio Vino Chianti (associação fundada em 1927 que reúne mais de 3 mil vinícolas de 7 sub-regiões de Chianti). “O termo carece de alguma organização, de fato”.

Mas a tentativa de regular os supertoscanos já nasce cercada de polêmica. Alguns dos famosos “Aias" (Sassicaia, Ornellaia ou Lupicaia) não participam do Historical Supertuscan, pois estão na costa toscana, fora da zona do Chianti Classico.

O presidente das importadoras Mistral e Vinci, Ciro Lilla, afirma que “para o mercado brasileiro fica difícil explicar uma associação de supertoscanos sem Sassicaia, o maior símbolo quando se pensa em supertoscanos”.

Suas empresas representam com exclusividade quatro das 16 vinícolas do grupo (Ama, Felsina, Coltibuono e Castellina). “Por hora, acredito que o tema pode mais confundir o consumidor que ajudá-lo" disse Lilla, ao NeoFeed.

Como contraponto, Alexandre Bronzatto, degustador do Gambero Rosso, principal guia de vinhos italianos, aponta que “a criação do Historical Supertuscans representa uma ideia semelhante àquela que deu origem ao próprio Chianti Classico, na década de 1930”.

Na época, produtores situados na zona histórica do vinho Chianti, criaram o Chianti Classico para se diferenciar dos vinhos de outras zonas, mas que também tinham o direito de serem nomeados Chianti.

"Assim como a ideia de Chianti Classico surgiu para proteger e valorizar os produtores de Chianti situados na região em que historicamente se produzia tal vinho, o surgimento dos Historical Supertuscans é também uma forma de proteger e valorizar alguns produtores de uma categoria ampla”, afirma Bronzatto.

A primeira cutucada nos supertoscanos veio, justamente, do Consorzio do Chianti Classico. O atual presidente Giovanni Manetti aproveitou recente destaque do primeiro Chianti Classico Gran Selezione a receber 100 pontos de um crítico internacional (Ricasoli Ceniprimo 2018) para comentar que a categoria Gran Selezione pode desbancar os supertoscanos que têm como base a Sangiovese.

Criado em 2013, o Gran Selezione é o nível mais alto para um Chianti Classico e deve obedecer rigorosos critérios mínimos como utilizar uvas de cultivo próprio, estágio de 30 meses ou mais na vinícola antes de sair ao mercado, além de aprovação por comitê de degustação.

A questão por trás da polêmica é que pelos parâmetros de produção, um vinho, e normalmente o de maior prestígio das vinícolas, pode se enquadrar nas duas associações, ficando a critério do produtor submeter seu grande vinho à chancela que achar mais adequado. Uma verdadeira guerra de prestígio entre as associações pode nascer daí.

A origem dos supertoscanos

Enzo Morganti, da vinícola San Felice, é considerado o precursor dos supertoscanos. O enólogo comprou uma propriedade na parte sul da sub-região do Chianti Classico em 1968 e descontente com as então vigentes regras da D. O. Chianti Classico, que prescrevia o uso de variedades brancas como Trebbiano e Malvasia, com as tintas Sangiovese, Colorino e Canaiolo, decidiu abrir mão de um vinho com o selo de origem para engarrafar o que considerava o melhor para os tintos da região.

Assim nasceu na safra 1968, o Vigorello de San Felice, um 100% Sangiovese. Na época, Morganti estava convicto que a qualidade deveria ser a protagonista em Vigorello, independentemente de ter de classificá-lo como “vino da tavola”.

A criação do “Comitato Historical Supertuscans” é a primeira iniciativa para trazer alguma segurança de volta aos supertoscanos

No mesmo ano, mas na costa toscana e por outras motivações, nascia outro ícone supertoscano, o Sassicaia (R$ 6.542 a safra 2017, na Ravin). Três anos depois do lançamento de Vigorello, também na zona do Chianti Classico, surgia o Tignanello, da poderosa Antinori.

A história de um dos mais cobiçados supertoscanos retrata a evolução dos estilos e normativas do vinho toscano. Em sua primeira edição, em 1970, Tignanello era um Chianti Classico Riserva, seguindo a fórmula prescrita na D.O. e incluindo pequeno percentual de variedades brancas com a predominante Sangiovese.

Na safra seguinte, em 1971, influenciado pela consultoria de Émile Peynaud, professor de enologia de Bordeaux e considerado o pai da enologia moderna, Tignanello focou na Sangiovese e abriu mão da chancela de Chianti Classico. Após 1974, o Tignanello recebeu a Cabernet Sauvignon na mescla com a Sangiovese – receita que segue até hoje.

A criação do “Comitato Historical Supertuscans” é a primeira iniciativa para trazer alguma segurança de volta aos supertoscanos. Abaixo, conheça quais são as 16 vinícolas, com a indicação do vinho e, quando comercializados no Brasil, com o preço e o importador:

- San Felice (Vigorello - R$ 890 a safra 2013, na Império du Vin),

- Antinori (Tignanello),

- Montevertine (Le Pergole Torte),

- Castello di Monsanto (Fabrizio Bianchi),

- Castellare di Castellina (I Sodi di San Niccolò - R$ 1.081 a safra 2016, na Vinci),

- Isole e Olena (Cepparello),

- Badia a Coltibuono (Sangioveto - R$ 798 a safra 2013, na Mistral),

- Querciabella (Camartina),

- Castello di Fonterutoli (Concerto),

- A&G Folonari (Cabreo),

- Riecine (La Gioia - R$ 772 a safra 2016, na Italy Import),

- Felsina (Fontalloro),

- Castello di Volpaia (Balifico - R$ 859,29 a safra 2015, na Premium Wines),

- Castello di Ama (L’Apparita),

- Castello di Albola (Acciaiolo),

- e Brancaia (Il Blu - R$ 1.132 a safra 2016, na Grand Cru).