Depois de desembolsar bilhões de dólares em empresas de tecnologia e de se consolidar como o maior protagonista entre os fundos de venture capital, o Softbank e sua estratégia ambiciosa entraram na berlinda no segundo semestre de 2019.
O estopim para que a empresa entrasse em xeque veio com o IPO frustrado do WeWork, uma das estrelas do seu portfólio. De lá para cá, o drama do fundo japonês ganhou novos capítulos, com o reforço da Covid-19. Mas é justamente no mundo pós-pandemia que o Softbank enxerga um caminho para que a startup de escritórios compartilhados reverta sua trajetória de perdas.
“Eu acredito que não teremos mais empresas com enormes sedes corporativas”, disse Marcelo Claure, diretor de operações do Softbank e responsável pelos investimentos na América Latina, durante a terceira edição do painel virtual do Brazil At Silicon Valley. “Mas elas vão precisar de escritórios menores. E isso favorece o WeWork.”
Braço direito de Masayoshi Son, o boliviano Claure ganhou a confiança do fundador e CEO do Softbank a partir de 2014, quando ele assumiu a Sprint, operadora controlada pelo grupo e que estava à beira da falência, e liderou sua fusão com rival T-Mobile, em um negócio de US$ 26,5 bilhões, fechado em 2019.
Com esse status, ele foi o homem escolhido para comandar a recuperação do WeWork. E, durante o painel, ele destacou que os primeiros resultados de um plano de cinco anos começam a aparecer. “Nós dissemos que chegaríamos a US$ 1 bilhão de receita no segundo trimestre e superamos essa meta no primeiro trimestre”, afirmou Claure. “Estamos crescendo em meio à crise.”
Segundo uma reportagem do site americano Business Insider, publicada em 14 de março e que cita um e-mail interno da startup, o WeWork alcançou uma receita de US$ 1,1 bilhão entre janeiro e março, um crescimento de 45% sobre igual período em 2019.
Apesar do avanço, o número mostra uma desaceleração quando comparado ao ano passado, período em que a empresa dobrou sua receita em todos os trimestres. Em outra frente, a empresa informou um salto de 49% em locações, puxado, em boa parte, por empresas com mais de 500 funcionários.
“Há uma demanda enorme das grandes empresas e estamos redesenhando o produto para esse novo momento”, disse Claure. Segundo o executivo, um dos pontos percebidos é o fato de que essas companhias estão buscando compromissos mais flexíveis.
“Elas não querem contratos de longo prazo, porque não sabem quantos funcionários terão e se eles vão preferir trabalhar de casa ou do escritório”, ressaltou Claure, que acredita em um modelo híbrido, ao menos até que se desenvolva uma vacina.
“As empresas não querem contratos de longo prazo, porque não sabem quantos funcionários terão e se eles vão preferir trabalhar de casa ou do escritório”
O peso do WeWork para o Softbank fica explícito no resultado divulgado pela companhia japonesa na segunda-feira, 18 de maio. O grupo reportou um prejuízo de US$ 13 bilhões em 2019, puxado, especialmente, por uma perda de US$ 18 bilhões no Vision Fund, seu veículo de investimentos em tecnologia.
Desse montante de US$ 18 bilhões, cerca de US$ 10 bilhões foram relacionados a perdas com o WeWork e com a Uber, outro destaque do portfólio do fundo, que também vive maus lençóis desde seu IPO, em maio de 2019, e que vê seu desafio ser agravado com o coronavírus.
“Tivemos um ano difícil, mas acho que depois da crise, à medida que o mundo voltar, nossos investimentos serão excepcionais e temos empresas que irão muito bem”, afirmou Claure. “O importante é que nosso compromisso não mudou. Estamos nisso pelo longo prazo.”
Apesar do otimismo de Claure, o fundador do Softbank, Masayoshi Son, não parece tão convencido assim que vai conseguir recuperar o WeWork,
"Foi tolo de minha parte investir no WeWork. Eu estava errado", disse Son, em anúncio de resultados do SoftBank, no qual ele se comparou a Jesus Cristo, quando falou com os analistas.
No balanço, o WeWork, que já chegou a valer US$ 47 bilhões, sendo a startup mais valiosa dos Estados Unidos, foi avaliada em US$ 2,9 bilhões.
Na contramão
Enquanto o WeWork e Uber buscam um roteiro mais favorável, Claure, responsável pela criação do braço do Vision Fund para a América Latina, em 2019, destacou que as startups brasileiras desse portfólio estão mostrando um desempenho excepcional na crise. Ele também reforçou o impacto do Softbank na região. “Não só investimos muito, como forçamos outros a investir”, disse.
Do fundo de US$ 5 bilhões, o Softbank já desembolsou US$ 1,8 bilhão, dos quais, US$ 1,4 bilhão foram destinados ao Brasil. Entre as investidas locais, figuram unicórnios como Gympass, Loggi e QuintoAndar, além de nomes como Vtex, Banco Inter e Olist.
Segundo o executivo, a capacidade do empreendedor é um dos fatores de maior peso na assinatura de um cheque pelo Softbank, juntamente com o problema resolvido pela startup e o mercado no qual ela está inserida.
“E o empreendedor latino-americano é tão bom ou até melhor que muitos outros no mundo”, disse. “Tenho certeza que muitos deles serão líderes globais no futuro.”
“O empreendedor latino-americano é tão bom ou até melhor que muitos outros no mundo”
Para Claure, nesse futuro, a tecnologia terá um papel ainda mais relevante. “O maior exemplo é a forma como os chineses estão contendo a pandemia, com inteligência artificial, modos preditivos, localização e dados”, afirmou.
Em sua avaliação, a combinação desses recursos irá ajudar a prever outras crises e desastres naturais. “E a maior revolução virá da inteligência artificial, que vai impactar todas as indústrias.”
Em contrapartida, ele observou que setores como turismo, entretenimento e esportes serão forçados a se adaptar e passar por uma transformação profunda. Mas ressaltou que muitas dessas mudanças não podem ser atribuídas unicamente à crise.
“Todos nós sabíamos, por exemplo, que a Amazon iria eliminar o varejo tradicional”, afirmou, destacando o impacto da digitalização em qualquer setor. “O que a crise fez foi acelerar esse processo. Os mais fortes vão se fortalecer e os mais fracos vão entrar em colapso rapidamente.”
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