Embora tenha frequentado uma escola católica na cidade de La Paz, onde nasceu, o boliviano Marcelo Claure, de 48 anos, não dá sinais de religiosidade. Ele atribui à sorte e ao trabalho duro todas todas as suas conquistas – que não são poucas.

O homem escalado para recuperar a operadora de telefonia móvel Sprint e que arquitetou a fusão com rival T-Mobile foi também responsável pelo fundo de US$ 5 bilhões que o Softbank criou para investir na América Latina.

Agora, Claure precisa aplicar seu talento para salvar a operação de escritórios compartilhados WeWorkPara isso, ele traz na bagagem anos de experiência, que começaram ainda na infância.

Aos 10 anos de idade, Claure negociava as roupas da mãe, em um negócio que durou apenas alguns meses – tempo suficiente para a mãe do menino descobrir que era uma "sócia" desavisada do pequeno empreendedor. 

Claure deixou a Bolívia ainda jovem para estudar nos Estados Unidos. Primeiro, assegurou uma vaga na University of Massachusetts Lowell. Depois, conseguiu transferência para Universidade de Bentley, em Boston, também no estado de Massachusetts, onde se tornou bacharel em economia e finanças, em 1993.

A estreia de Claure no mundo empresarial foi com a seleção de futebol da Bolívia

A estreia de Claure no mundo empresarial foi com a seleção de futebol da Bolívia. Contratado como head das operações da equipe, ele conseguiu, junto aos seus colegas, a façanha de levar o time para a Copa do Mundo de 1994, nos EUA, depois 44 anos sem participar do torneio - a última vez havia sido em 1950, no Brasil.

"Essa experiência me ensinou que uma equipe engajada pode tudo", disse Claure, em abril, no palco do Brazil at Silicon Valley, evento organizado por estudantes e empreendedores brasileiros no Vale do Silício, do qual o NeoFeed participou. Procurado novamente para comentar suas experiências, Claure não retornou à reportagem. 

Com a missão cumprida, o empresário voltou para Boston e traçou seus próximos passos. Entre um tropeço e outro, as contas desafiavam o orçamento apertado, e logo Claure se viu respondendo a um anúncio de uma companhia que prometia US$ 2 mil por milhas aéreas. 

Pouco tempo depois, ele tentou reaver suas preciosas milhas na esperança de visitar a família, na Bolívia. Aquelas mesmas milhas que, dias antes ele vendeu por US$ 2 mil., agora valiam US$ 8 mil – uma alta de 300%. 

Foi assim que Claure começou um pequeno negócios de compra e venda de milhas, desafiando as negativas das companhias aéreas, que repetiam que ele não poderia fazer isso. 

Claure começou um pequeno negócios de compra e venda de milhas

"Aprendi ali que você não precisa fazer o que os outros lhe dizem, não importa o quão poderosos eles sejam. Muitas vezes vivemos limitados pelas fronteiras traçadas por terceiros, diminuindo nosso potencial", afirmou Claure ao site Business Insider

Mas a mudança que transformaria sua vida começou de uma forma inusitada.  Em uma loja de celulares, Claure batalhava pelo menor preço possível por um bom aparelho.

Enrique Darer, o proprietário da então Cellular Solutions, que andava frustrado com a operação, lembra da insistência daquele jovem por uma barganha inédita. "'Por que você não compra essa empresa e aí o celular sai de graça?' E foi o que ele fez", relembrou Darer ao jornal Kansas City

Com uma estratégia agressiva de vendas, que previa um call center ativo na ligação a clientes em potencial, Claure concluía pessoalmente as transações bem sucedidas, entregando os aparelhos com seu próprio carro. As lojas se multiplicaram junto com o sucesso do empresário.

Acompanhar de perto o mercado de telecomunicações permitiu que o boliviano enxergasse as "linhas finas" do setor. Logo percebeu que a Motorola trabalhava com cifras menores no Canadá.

Com a ajuda de um parceiro local, a Bell Canada, ele conseguia vender, nos Estados Unidos, aparelhos Motorola comprados no país vizinho por valores abaixo dos praticados pela própria fabricante. Foi assim que, em 1997, nasceu a Brightstar Corp.  

As fabricantes apreciavam não ter que lidar com as papeladas e exigências governamentais, e os lojistas reconheciam os benefícios de uma empresa comprometida a repor rapidamente o estoque.

Aos poucos, a Brightstar Corp se tornou uma das maiores distribuidoras de aparelhos celulares do mundo, tendo, ironicamente, a Motorola como um dos principais clientes. 

Em 2013, a empresa de Claure gerava US$ 7 bilhões em receita

Em 2013, a empresa de Claure gerava US$ 7 bilhões em receita e contava com US$ 260 milhões de lucro anual. As cifras impressionantes não escaparam aos olhos do magnata japonês Masayoshi Son, fundador do Softbank, cuja fortuna também provinha do mercado de telecom. 

Son desembolsou, em 2014, US$ 1,6 bilhão para comprar o controle da Brightstar. Claure manteve 47% da empresa, mas acertou que venderia, aos poucos, sua participação.

Embora a empresa ainda esteja no portfólio do Softbank, a aquisição da Brightstar tinha outro propósito: "comprar" o talento do boliviano. Son o queria na direção da Sprint, operadora americana que, em 2013, era o terceiro maior player do mercado. Naquele mesmo ano, o Softbank desembolsou US$ 21,6 bilhões por 72% das ações da Sprint, acreditando que poderia levá-la à liderança do mercado.

Masayoshi Son, do Softbank, confia as missões mais difíceis a Claure

Para tentar atingir essa meta, Claure, que assumiu o comando da operadora em 2014, cortou despesas e reformulou a diretoria da companhia. Seus ajustes reverteram o quadro de queda de consumidores e ainda trouxeram outros 2,1 milhões novos clientes para a marca. 

Kurt Fraschetti, hoje diretor da Circle K, cadeia internacional de lojas de conveniência, foi um dos que quase abandonaram o barco da Sprint. Desapontado com o serviço, ele mandou uma mensagem para o novo CEO sem grandes pretensões.

"Quinze minutos depois a equipe de Claure entrou em contato, por telefone, e solucionou todos os problemas que eu tinha com a operadora", contou Fraschetti  ao NeoFeed. "Nunca tinha visto um nível tão profundo de comprometimento e Claure é a melhor definição de liderança que conheci."

Mas, apesar do esforço de Claure, a situação da Sprint continuou crítica. A dívida de US$ 33 bilhões da empresa resulta em US$ 2,4 bilhões pagos por ano só com os juros, mais do que consegue ganhar com suas operações.

Para piorar o cenário todo, a companhia caiu para a quarta posição no mercado americano. Foi quando o boliviano entendeu quer era preciso estabilizar a Sprint e apelar para uma solução polêmica: a fusão com a a rival T-Mobile. 

Depois de três tentativas e quase um ano de espera, o negócio de US$ 26,5 bilhões foi aprovado na terça-feira, 5 de novembro, pela Federal Communications Commission (FCC), órgão regulador dos EUA.

Juntas, T-Mobile e Sprint têm 120 milhões de clientes ativos e ocupam a terceira posição no mercado. Verizon, com 141 milhões de consumidores, e AT&T, com 150 milhões, completam o pódio.

Juntas, T-Mobile e Sprint têm 120 milhões de clientes ativos e ocupam a terceira posição no mercado

Em 2018, Claure deixou o cargo de CEO para ocupar a posição de chairman da operadora. Paralelo a isso, ele assumia a cadeira de COO do Softbank, que já havia criado o Vision Fund, o maior fundo de investimento de venture capital do mundo, com US$ 100 bilhões para investir em startups ao redor do globo.

Nesse momento, Claure se tornava o braço-direito e homem de confiança de Masayoshi Son, o fundador do Softbank.

Uma de suas primeiras missões foi olhar para a região onde nasceu.  Inconformado com a falta de investimentos na América Latina, o boliviano questionou seu chefe porque o dinheiro que chegava à China, à Índia e outros países e regiões não chegava na América do Sul.

"Ele disse que era longe, que havia a barreira do idioma e que as coisas estavam complicadas, com presidentes sofrendo impeachments e tudo", disse Claure, durante o Brazil at Silicon Valley, neste ano.

Marcelo Claure exibe medalha e bandeira da Bolívia ao completar a maratona de Nova York

Munido de dados e números, o boliviano conseguiu assegurar a criação de um fundo de US$ 5 bilhões para investir em startups na América Latina. A iniciativa, anunciada em março, já deu frutos. De lá pra cá, o Softbank abriu a carteira para investir alto nas brasileiras Creditas, Gympass, QuintoAndar, Banco Inter, Loggi e Olist. Outras tantas iniciativas, como a colombiana Rappi também, conseguiram levantar capital com o fundo japonês.  

Agora, Claure tem uma nova missão dada por Son: restaurar a credibilidade e a saúde financeira da problemática WeWork, um dos maiores investimentos do Softbank.

A empresa de compartilhamento de escritórios teve sua tentativa de IPO frustrada depois que investidores questionaram as perdas milionárias da empresa e as práticas pouco ortodoxas do então CEO Adam Neumann.

Avaliada em US$ 47 bilhões, a companhia fracassou em sua tentativa de abrir o capital e precisou ser resgatada pelo Softbank, que, além dos US$ 10 bilhões que já havia investido, colocou mais recursos na empresa para ela não falir, assumindo seu controle e afastando seu fundador do dia a dia da operação - Neumann saiu de lá, no entanto, com US$ 1,7 bilhão. No final, o valor do WeWork caiu para US$ 8 bilhões.

O trabalho de Claure é consertar as besteiras feitas por Adam Neumann na WeWork

Para colocar a WeWork de volta nos trilhos, Claure confirmou que haverá demissões na empresa, mas não detalhou o número total de vagas que serão fechadas.

Na tentativa de equilibrar o caixa da companhia, o executivo também anunciou a venda de um jatinho particular usado por Neumann. O avião modelo Gulfstream G650 foi adquirido no ano passado por US$60 milhões.

Por fim, o boliviano também anunciou que estuda a venda de três negócios comprados pela WeWork desde 2017: o Meetup, empresa que organiza encontros e eventos, comprada por US$ 200 milhões; a Manage by Q, que trabalha com gerenciamento de escritórios, e que em janeiro era avaliada em US$ 249 milhões; e a Conductor, plataforma de marketing adquirida por US$ 126 milhões.

Enquanto as negociações e outras estratégias não são reveladas, o empresário boliviano segue equilibrando seus desafios profissionais com outros mais passionais. Depois de dedicar meses ao treinamento de corrida, Claure e outros 11 colegas correram a maratona de Nova York. Toda preparação foi divulgada nas redes sociais, onde ele incentivava os amigos e curiosos a contribuírem com uma "vaquinha" milionária para ajudar cinco instituições beneficentes.

Envolto na bandeira da Bolívia, o empresário cruzou a linha de chegada já de olho no próximo desafio: tirar do papel o Miami Beckham United, time de futebol que deve disputar sua primeira partida em 2020.

Claure é sócio majoritário da equipe, que também pertence a David Beckham, Jorge Mas e Masayoshi Son. Para entrar em campo na Flórida, no ano que vem, Claure exercitou seu conhecimento no Club Bolívar, maior time de futebol da Bolívia, do qual também é dono. 

Sem descuidar da retaguarda, o empresário se desdobra para cobrir e acompanhar de perto o crescimento dos seis filhos – sendo os dois mais velhos fruto do primeiro casamento. 

Casado pela segunda vez, dessa vez com Jordan Claure, o patriarca está a um passo de realizar o sonho de ter, no total, sete filhos. 

Enquanto o último rebento não chega, Claure consegue ainda dedicar parte de seu tempo e dinheiro a causas filantrópicas. Em 2005 ele foi um dos fundadores da iniciativa One Laptop Per Child Project, que doou, ao longo de 10 anos, 3 milhões de computadores a crianças em condição de vulnerabilidade social em países emergentes. 

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