Nos últimos anos, o fundo japonês SoftBank despejou bilhões de dólares em startups como Uber, WeWork e Alibaba, tornando-se um dos maiores investidores de venture capital do planeta. E, desde que fincou bandeira na América do Sul com um fundo de US$ 5 bilhões, aportou dinheiro no Rappi, na Loggi, no Gympass. A nova empresa a receber os milhões do grupo do japonês Masayoshi Son é a Creditas, fintech de empréstimo com garantia em imóvel e veículos fundada pelo espanhol Sergio Furio. Ela acaba de anunciar que recebeu um aporte de US$ 231 milhões, liderado pelo SoftBank e acompanhado por fundos Vostok, Santander Innoventures e Amadeus Capital.

Muito mais do que o nicho de mercado no qual a fintech atua, os japoneses estão de olho em algo muito maior: o poder de expansão da companhia. Além do crédito com garantia, a Creditas lançou recentemente um Certificado de Recebíveis Imobiliários (CRI), planeja lançar outros produtos financeiros, estuda criar seguro, serviços de assistência e até virar banco. “Provavelmente, um dia isso vai acontecer. O que as fintechs vão fazendo é complementando o portfólio de produtos à medida que vão maturando produtos específicos. As fintechs que ficarem grandes vão virar banco, não tenho dúvida disso”, diz Sergio Furio, CEO e fundador da Creditas, ao NeoFeed.

A julgar pelo crescimento da fintech, isso não vai demorar para acontecer. Até 2015, a empresa tinha menos de 15 pessoas. Depois disso, vieram os sucessivos aportes – R$ 300 milhões de fundos de venture capital e outros R$ 300 milhões de FDICs – e o crescimento foi exponencial. “De dezembro de 2016 a dezembro de 2018, a Creditas cresceu 35 vezes”, diz Furio. Passou de 60 funcionários para 120. De 120 para 250. De 250 para 500. E, agora, de 500 para 1.000 até o fim do ano. "Com o investimento do Softbank, planejamos acelerar este processo e expandir cada vez mais nosso modelo de negócio."

No dia em que a reportagem visitou a sede da empresa, 50 pessoas dividiam uma sala na qual recebiam aulas sobre a cultura da fintech. Todas aquelas pessoas, sem exceção, começariam a trabalhar na empresa de uma só vez. “Vamos contratar 500 pessoas em 2019”, diz Furio. Isso significa que dobrará de tamanho de um ano para o outro.

Será necessário contratar muita gente mesmo para botar em prática os planos delineados por Furio. Na parte de investimentos, por exemplo, o CRI emitido pela Creditas e distribuído pela XP Investimentos foi tão exitoso que já fez a equipe pensar em outros produtos financeiros para serem distribuídos no mercado. A ideia é que eles forneçam funding para alavancar os empréstimos.

O CRI lançado em janeiro deste ano, que oferecia inflação mais 7,40% de juros ao ano por 15 anos, captou R$ 27 milhões. “Foi uma das operações mais rápidas que já fizemos”, diz Marcelo Ferraz, head de securitização da XP Investimentos. Do total vendido, R$ 22 milhões foram comprados por 69 pessoas físicas e o restante por um fundo imobiliário.

"A gente deveria oferecer seguros e assistência técnica para carros e para imóveis"

“Já estamos analisando internamente o que o investidor busca quando investe em um ativo financeiro. Estamos pensando em outros produtos para oferecer a esse investidor”, diz Furio. E prossegue. “Hoje, a Creditas trabalha com imóveis e veículos como garantia. A gente deveria oferecer seguros para carros e para imóveis, deveríamos oferecer assistência técnica para carros e imóveis.” Há uma avenida livre para que isso aconteça – principalmente para empresas que nasceram nesse novo mundo, sem as amarras do passado.

Há cinco anos, o único jeito de lidar com a classe média era ter uma agência bancária. Mas, de repente, o smartphone decolou e viu sua penetração aumentar de forma avassaladora. De acordo com dados da Anatel, o Brasil ativou um telefone celular 4G por segundo em 2018. Isso representou 27,5 milhões de chips 4G habilitados num total de 130 milhões de aparelhos com conexão da quarta geração. “Hoje, é possível fazer tudo com um aplicativo. A vantagem que os bancos tinham, de ter milhares de agências, de repente sumiu”, diz Furio.

O modelo de negócios mudou rapidamente e isso tirou os bancos mais tradicionais da zona de conforto. “Até aqui, ser banqueiro no Brasil foi relativamente fácil. Agora está ficando difícil”, diz Furio. Apesar de os grandes bancos ainda lucrarem bilhões de reais e, praticamente, comandarem o sistema financeiro nacional, seus executivos têm de lidar com uma mudança de cultura rápida e que pode ser avassaladora para seus negócios.

Modelo Amazon

Durante décadas prevaleceu o modelo bancário de varejo, no melhor estilo Zara e Walmart, com fortes presenças física e comercial. Agora, o que impera é o modelo Amazon, digital e de muita agilidade e inovação. Há, porém, um gargalo para toda a indústria – desde os grandes bancos às fintechs: a falta de talentos. “O Brasil não gera desenvolvedores de softwares suficiente para atender as demandas que temos”, diz Furio. Justamente por isso, a Creditas também tem feito o movimento de recrutar profissionais de outras nacionalidades. “A nossa preferência ainda é o brasileiro, mas já temos gente de 12 nacionalidades na empresa.”

No fim de março, por exemplo, executivos estiveram nos Estados Unidos e visitaram as universidades Wharton, Harvard, Columbia e MIT para buscar jovens talentos tanto para estágios de verão como para posições fixas. “O que acontece é que os brasileiros não tiveram essa exposição à tecnologia como aconteceu no Vale do Silício”, afirma Furio. “Isso acontece lá há 40 anos, eles começaram em garagens e viraram negócios de US$ 1 trilhão. Isso está acontecendo aqui há apenas cinco anos.” E empresas como a Creditas fazem uso intenso de tecnologia para otimizar seus negócios.

“Brincamos que a Creditas é uma empresa de análise de risco jurídico. Realmente é o mais complexo aqui dentro. Usando a tecnologia, temos que analisar os riscos jurídicos da pessoa física e como isso pode impactar naquela garantia.” Funciona da seguinte forma. Se o cliente tem uma casa que foi comprada há dez anos e quer fazer um empréstimo usando o imóvel como garantia, a Creditas tem de fazer uma espécie de varredura.

“Temos que analisar os seus últimos dez anos, se o cliente paga condomínio, se paga os impostos, se tem ação contra ele, se foi casado no passado e hoje não é, se é empresário, se tem passivos trabalhistas. A análise jurídica precisa ser eficiente e mitigar os riscos.” Ao que parece, tem sido certeira. Furio conta que menos de 1% dos empréstimos concedidos são inadimplentes.

“Até aqui, ser banqueiro no Brasil foi relativamente fácil. Agora está ficando difícil”

A carteira ativa da empresa é de R$ 500 milhões. Um terço dos empréstimos é garantido com imóveis e dois terços são garantidos com veículos. O tíquete médio é de R$ 60 mil e os usuários geralmente recorrem à empresa para refinanciar as dívidas contraídas com os bancos. “Eles estão pagando de 5% a 6% ao mês. Com a gente, eles reduzem drasticamente a taxa de juros e incrementa prazo. Ou seja, a dívida que tem de ser paga em 12 meses pode ser financiada em 15 anos.”

Nos empréstimos que usam o carro como garantia, as taxas médias são de 2,30% ao mês e nos que usam o imóvel, as taxas médias são de 1,28% ao mês. Os grandes bancos ainda não fazem uso desse tipo de produto porque, claramente, dá muito trabalho e é caro lançar mão de um batalhão de advogados para fazer a análise de risco. Além disso, é cômodo manter os empréstimos do modo como estão – rendendo alto. “No caso dos bancos, um empréstimo pessoal, se você conhece o cliente, é mais fácil emprestar.”

Mas o bom e velho “não se mexe em time que está ganhando” pode ser, neste caso, um tiro no pé. “O Brasil tem R$ 1,7 trilhão de dívida. Per capita são R$ 7 mil. É pouco. Imagine se conseguirmos, nos próximos dez anos, com dívida barata e de longo prazo, chegar a R$ 30 mil per capita? Seria quadruplicar o volume de crédito. Nos EUA são R$ 160 mil”, diz Furio. “Queremos que em 10 anos as pessoas nos reconheçam como a empresa que liderou esse movimento do crédito com garantia.”

Um grande passo foi dado no início deste ano quando recebeu do Banco Central a autorização para ser uma Sociedade de Crédito Direto. Ou seja, na prática se tornou uma instituição financeira. Mas que precisa de recurso próprio para emprestar. A julgar pelos aportes mais recentes, isso não será problema. A Creditas já recebeu aportes da Kaszek Ventures, Naspers, Vostok, Quona Capital, QED Investors, entre outros. O dinheiro agora aportado pelo SoftBank servirá para emprestar mais e também ir às compras e abocanhar outros players do mercado.

"Quando olhamos para um investimento, procuramos três coisas: um time fora da curva, um mercado muito grande e um produto excepcional”, diz ao NeoFeed o argentino Santiago Fossati, sócio e responsável pelas operações da Kaszek Ventures no Brasil. “O principal motivo pelo qual investimos na Creditas foi o Sergio Furio. Achamos ele uma pessoa com muito talento, capacidade de execução e visão de longo prazo, trabalhando para construir um produto que pode melhorar significativamente a vida de milhões de brasileiros.”

Marcelo Claure, CEO do SoftBank Latin America Fund, faz coro. "Estamos entusiasmados em trabalhar com a Creditas e em como eles usam tecnologia inovadora para criar ferramentas financeiras responsáveis e acessíveis a mais pessoas do Brasil." O investimento do SoftBank é, de fato, a cereja do bolo que faltava para isso.

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