Quando estava à frente da 99, o empreendedor Paulo Veras queria trocar de apartamento e se deu conta que todo o seu patrimônio estava em ações da startup de transporte, que se tornou, em 2018, o primeiro unicórnio brasileiro, como são chamadas as empresas avaliadas em mais de US$ 1 bilhão.

A solução foi fazer uma pequena secundária, quando vendeu uma fatia de suas ações em uma rodada de capital para que tivesse dinheiro. “Essa é uma dor comum de muitos empreendedores. Em especial, aqueles que são empreendedores de primeira viagem”, diz Veras, ao NeoFeed.

Agora, Veras é um dos investidores por trás da Beacon, uma fintech que se define como um private banking para fundadores de startups (ou uma wealthtech), uma gestora de patrimônio que pretende resolver a questão de liquidez e de diversificação e que estará focada em um público bem específico.

Além de Veras, embarcaram na ideia Marcelo Lombardo (Omie); Sergio Furio (Creditas); Tiago Dalvi (Olist); Roberto Dagnoni (2TM/Mercado Bitcoin); Ricardo Salem (Flash) e Maria Teresa Fornea (Bcredi) – no total, são mais de 50 investidores-anjos.

O fundo SaaSholic, de Diego Gomes, o fundador da Rock Content, Gustavo Souza e William Cordeiro, liderou uma rodada de R$ 10 milhões, no ano passado, que contou também com o Green Rock, o family office especializado da família fundadora do Salomão Zoppi, e a AJL Par, de Tiago Lafer.

Fundada por Igor Piquet, ex-managing partner do Scale-Up Ventures, o fundo da Endeavor para investir em startups early stage, e Ricardo Duarte, ex-Provence Partners, a Beacon estava em “stealth mode” desde o ano passado.

O sigilo durante todo esse tempo é que Piquet e Duarte estavam em conversas para criar o primeiro “equity pool” da América Latina, um fundo de investimento que conta com uma fatia das participações acionárias que os fundadores têm de suas empresas.

O primeiro “equity pool” da Beacon conta com 90 fundadores de 37 startups. Participam empreendedores de empresas como Warren, Omie, Conta Simples, Kovi, Musa, Logcomex, Rocket.Chat, Dolado, Cayena, Isa Lab, Sami, entre outras. As participações que fazem parte do fundo estão avaliadas em R$ 72 milhões.

“O equity pool vai diversificar o patrimônio dos empreendedores”, afirma Piquet, ao NeoFeed. “Eles ficam de sete a dez anos construindo um negócio e suas famílias têm todo o patrimônio alocado em apenas um ativo de alto risco.”

A ideia dos fundadores da Beacon é, além de diversificar o risco desses empreendedores, conectar o “equity pool” a algum produto que providencia liquidez. “Não adianta ser rico no papel e não poder usufruir do que construíram”, diz Duarte. “Equity constrói riqueza, mas não paga boleto.”

Para participar do equity pool, as startups passaram por uma due diligence da Beacon e precisavam ter recebido uma rodada de um fundo de venture capital nos últimos 12 meses – aliás, a marcação de valor foi feita com base na última captação.

Cada fundador participou em média com um aporte (em participação acionária) na casa dos US$ 500 mil. O percentual da fatia que entrou no fundo não pode ser superior a 5% (para evitar desalinhamento e garantir que o objetivo principal do empreendedor seja o de crescer a sua própria empresa).

“É como se o fundador estivesse investindo o seu capital em uma gestora de venture capital de ponta”, diz Veras. “Só que em vez de dinheiro, investe ações. É bastante inovador.”

Um dos desafios da Beacon foi “passar por cima” dos termos legais que todo fundador tem em relação a sua participação na empresa. É comum, quando for vender, ter de oferecer primeiro as ações aos sócios atuais. Além disso, nenhum investidor gosta de ver um fundador vendendo ações da empresa.

“Resolve investir capital na Beacon, quando eles resolveram esse ponto e convenceram que poderia se algo bom para os founders”, diz Marcelo Lombardo, CEO e fundador da Omie, ao NeoFeed. “Aí o negócio se tornou algo que pode ser muito bacana como business

No total, a Beacon negociou com 50 gestoras de venture capital. Eles tiveram que ser consultados e concordarem que os fundadores oferecessem uma fatia das ações no fundo. Entre eles, Valor Capital, Monashees, Kaszek, A16z, Astella, Atlantico, Maya e Alexia.

O plano da Beacon, agora, é começar a “captação” de um segundo fundo, chegando a 200 empreendedores e R$ 150 milhões em ativos sob gestão em participação acionárias das startups.

O modelo de remuneração é de um venture capital tradicional, em que as gestoras cobram uma taxa de administração e um carry, uma espécie de taxa de performance. Em eventos de liquidez das startups, o dinheiro será distribuído aos cotistas. Não há prazo para encerrar o “equity pool”.

Ao mesmo tempo, a ideia é avançar em serviços de private banking para os fundadores tech, como consultorias e assessorias para planejamento jurídico patrimonial com a estruturação de holdings familiares para facilitar a gestão e proteger o patrimônio dos fundadores.

A Beacon entrará também no planejamento financeiro da pessoa física. Mas, neste caso, o plano da startup não é criar seus próprios produtos de investimentos, mas sim orientar os founders. “Não tem como brigar com o que o mercado já oferece”, diz Duarte.

A ideia de criar a Beacon surgiu da percepção de Duarte e Piquet de que o mercado financeiro cada vez mais voltava sua atenção com produtos financeiros para as startups. Mas só para a pessoa jurídica.

Os fundadores, pessoa física, só atraiam a atenção dos bancos em momentos de liquidez, quando acontecia uma rodada secundária, em uma venda para um estratégico ou em um IPO.

“A Beacon é uma iniciativa que fortalece o ecossistema de tecnologia brasileiro, aumentando as conexões entre os founders e estimulando o sucesso comum”, diz ao NeoFeed Furio, que é um dos investidores-anjo mais ativo do Brasil.

Durante o boom de investimentos em venture capital, nos anos 2020 e 2021, se tornou bem comum fundadores fazerem secundárias, mesmo em rodadas mais iniciais – a partir da séria A.

Mas com a retração dos investimentos, o mercado secou. Agora, as secundárias acontecem, com mais frequências em rodadas de growth, a partir da série C.

Nos Estados Unidos, há diversas plataformas que vendem participações de empresas privadas. Trata-se de um mercado secundário bem desenvolvido. No Brasil, isso é raro. Uma lacuna que a Beacon quer, agora, fechar.