O espanhol Sergio Furio tem uma agenda agitada e cheia de compromissos. Afinal, comanda a Creditas, uma das principais fintechs do mercado brasileiro, avaliada em US$ 4,8 bilhões, fundada por ele em 2012.

Mas, nessa rotina maluca, Furio arruma tempo para se dedicar a um “hobby” inusitado: investir em startups como investidor-anjo. E, sem alarde, construiu um portfólio de aproximadamente 100 startups, uma carteira maior do que a maioria das gestoras de venture capital do mercado brasileiro.

“Não gasto muito tempo avaliando uma oportunidade. Pergunto três coisas que são relevantes e tomo a decisão”, diz Furio, ao NeoFeed. “É um hobby que tem intersecção muito forte entre o que gosto no trabalho e na minha vida pessoal.”

A avaliação de Furio antes de investir é simples. Primeiro, ele analisa o time por trás da startup. Depois, avalia a margem e o mercado em que a empresa vai atuar. E, por fim, observa quem são os outros investidores que estão apostando na ideia. Com base nisso, decide se vai ou não assinar um cheque que tem um tíquete médio de US$ 15 mil.

Furio não está sozinho nesse “hobby”. Cada vez mais empreendedores que estão à frente de suas empresas usam uma parcela de seus recursos – e do pouco tempo disponível – para se tornar investidores-anjo - ou seriam "empreendedores-anjo"?

O  colombiano David Vélez, fundador do Nubank, por exemplo, já montou um portfólio de aproximadamente 30 startups. O CEO e fundador do Méliuz, Israel Salmen, tem 15 empresas nas quais investe diretamente na sua carteira.

Rodrigo Dantas, fundador da Vindi, em conjunto com Paulo Silveira, do grupo Alura, e Lincoln Ando, da idwall, criou a Lab Capital para organizar as 40 startups nas quais o trio de empreendedores já investiu como anjos desde 2016. Atenção: eles não são e nem querem ser um fundo de venture capital.

O que está por trás do movimento desses superCEOs que ainda estão no dia a dia das empresas que fundaram e que contam com pouco, ou quase nenhum, tempo para ficar lado a lado das empresas nas quais investem?

É, na verdade, uma soma de diversos fatores, que envolve um sentimento de “give back” ao ecossistema de empreendedorismo brasileiro com a possibilidade de se conectar a empreendedores brilhantes e a novas ideias.

E last but not least, o retorno financeiro – embora este motivo esteja longe de ser o principal motivador para investir em startups, segundo todos os empreendedores com os quais o NeoFeed conversou.

“Preciso me manter atualizado e ver o que está acontecendo”, afirma Dantas, cuja a empresa de pagamentos Vindi foi comprada pela Locaweb por R$ 180 milhões em outubro de 2020 – ele ainda está tocando a companhia sob o novo dono. “Vou fazer cheques para absorver o que está acontecendo na raiz, na garagem.”

Rápidos no cheque

Os aportes desses empreendedores não seguem as regras tradicionais dos fundos de venture capital, que muitas vezes fazem uma longa corte ao empreendedor até assinar um cheque de investimento, incluindo uma due dilligence mais aprofundada.

Não há uma busca ativa para encontrar uma startup onde colocar o dinheiro e os negócios chegam, muitas vezes, em estágio bem inicial. “Geralmente, só invisto quando a oportunidade vem de algum amigo ou de uma pessoa recomendada”, diz Vélez, ao NeoFeed.

O portfólio de Vélez inclui as healthtechs Alice e Pipo Saúde, a insurtech Justus (que tem também Furio na base de acionistas) e a Zak, que combina sistemas de gestão e produtos financeiros para restaurantes. “Ajudo informalmente em estratégia, fundraising e recrutamento”, afirma Vélez. “Mas o meu envolvimento é pouco dado meu foco no Nubank.”

É a mesma tática de Furio, que diz que as chances de uma startup receber um investimento “são maximizadas” quando chega via indicação de pessoas de sua confiança. “Eles sempre me enviam coisas que fazem sentido”, afirma o fundador da Creditas.

Nos últimos 12 meses, Furio investiu em 16 startups de diversos setores e países. A lista inclui Idilika, Kamino, Zmatch, Vila Carnauba, Gringo, Clara, Kokomo, Vendah, D1T, Zazuu, RespondeAi/Drive, Ribbon, Autocheck (África), Boompay (EUA), Mundi Trade (México) e Migrante (Chile).

O fundador da Creditas também é um ativo investidor de diversos fundos de venture capital. Entre eles, estão Canary, Maya Capital, Kaszek, QED, Quona e Big Bets. Furio é ainda sócio de um fundo espanhol, o Actyus, do banco Andbnk, no qual ele gasta mais tempo e energia indicando startups para serem avaliadas.

O fundador e CEO do Méliuz, Israel Salmen, prefere outra estratégia. Ele investe em diversos fundos de venture capital do mercado brasileiro, como Canary, monashees, Big Bets e Atlantico. Além disso, participa de algumas rodadas em conjunto com essas gestoras.

“Quando há espaço na rodada para aportar uma quantia adicional e, caso eu goste dos empreendedores e possa colaborar pois entendo de tecnologia e formação de times, eu participo”, afirma Salmen, que não divulga o nome das startups nas quais investe. “É algo que não leva tempo.”

Dantas, por sua vez, lança mão de seus contatos no mundo do empreendedorismo e do podcast “Like a Boss”, que apresenta com Silveira, para estabelecer um “deal flow” (aliás, Lab Capital são as iniciais do nome do podcast). Neste ano, ele já recebeu mais de 30 “decks”, como são chamadas as apresentações dos empreendedores para “vender” a startup aos investidores.

O primeiro investimento de Dantas como anjo foi na idwall, de Ando, em 2016. O critério? Conhecer e gostar do empreendedor. “Pensei na época que estava dando um carro popular na mão de uma pessoa e não tinha nenhuma garantia de que ele iria voltar”, afirma. “Mas foi o mesmo que investir em um MBA. Aprendi muito.”

Hoje, a portfólio do trio de empreendedores conta com nomes como Conta Simples, Gupy, Pipefy, Zenklub, Medway e o site de notícias sobre o ecossistema de startups Startups.com.br. “O nosso playbook é pegar no PPT”, afirma Dantas. “Quero encontrar outras Conta Simples ou idwall.”

Fora da caixa

As startups fora da curva que os empreendedores investem têm o objetivo também de jogá-los para fora da caixa. Em outras palavras, expandir as fronteiras para além das quatro paredes de suas startups. “Esses investimentos ajudam a gente a abrir a cabeça e a ter humildade para aprender com os outros”, diz Salmen, do Méliuz, que também é mentor da Endeavor.

Observe o exemplo de Dantas, que investiu na WallJobs, um mural em que empresas anunciam suas vagas e candidatos publicam seus currículos. Parece um ideia do século passado. Mas a startup desenvolveu uma estratégia para atrair clientes via WhatsApp e Telegram. “Tomei uma aula de growth. Só isso vale o investimento”, diz o fundador da Vindi.

Em algumas situações, o portfólio acaba tendo sinergias com a startup que o empreendedor fundou. A Creditas, por exemplo, comprou, em 2019, a Creditoo, uma das empresas que Furio investia. Com o negócio, entrou na área de crédito consignado. A Yuca, que também faz parte do portfólio do Furio e atua no mercado imobiliário, já recebeu um aporte da Creditas, em 2019.

“É uma forma também desses empreendedores conhecerem novos setores e gente nova que está fazendo coisas novas”, afirma Renato Mendes, professor do Insper e sócio da consultoria de F5 Business Growth. “Daqui a pouco, eles não são mais o status quo e vão ter novas startups ‘disruptando’ o setor deles.”

Apesar dessa troca de experiências, não espere que os CEOs gastem muitas horas se dedicando às startups do portfólio. Todos deixam claro que o foco são as empresas que comandam. As interações acontecem, na maioria das vezes, via WhatsApp. “A minha função é não atrapalhar e não ficar exigindo relatórios”, diz Dantas. “E estar disponível para perguntas aleatórias.”

O retorno financeiro não é o objetivo final. Mas, claro, ninguém está rasgando dinheiro, embora saibam que o investimento é de alto risco. Dantas já teve seis saídas com retornos significativos. Em uma delas conseguiu ganhar 100 vezes o capital investido. Em outra, 85 vezes. O nome das startups não são revelados por conta de contratos de confidencialidade.

Salmen também já deixou dois investimentos. Um deles é a plataforma de e-commerce Bagy, comprada pela Locaweb em julho do ano passado. Outro foi a venda da Mobills para a Toro, do grupo Santander. Nesta última, Salmen era advisory e sócio da companhia. O fundador do Méliuz afirma que teve bons retornos financeiros com essas vendas.

De empreendedor a empreendedor

Em 2020 (dado mais atual), os investimentos-anjos somaram R$ 800 milhões, uma queda de 20%, segundo dados da Anjo do Brasil, entidade que fomenta o empreendedorismo no País. No ano passado, a expectativa é que voltasse a um patamar de R$ 1 bilhão.

Esse é um ecossistema formado por diversos grupos, que reúne de empreendedores a executivos que querem investir em startups, como BR Angels, GV Angels, Gávea Angels, Insper Angels, Poli Angels, entre tantos outros nomes que atuam no Brasil.

Muitos empreendedores, depois que vendem suas startups, resolvem também criar o seu próprio fundo de venture capital, deixando de investir com anjos. É o caso de Romero Rodrigues e Rodrigo Borges, ex-fundadores do Buscapé, que estão à frente da Headline e da Domo, respectivamente.

Outros exemplos de empreendedores que seguiram esse caminho são o americano Brian Requarth, fundador da VivaReal, que também tem um portfólio de centenas de empresas como anjo, mas criou o Latitud Fund no ano passado.

Diego Gomes, CEO da Rock Content, investe também como anjo desde 2013, mas profissionalizou os aportes com a criação da SaaSHolic, uma gestora que já captou dois fundos – o mais recente tinha meta de chegar a US$ 10 milhões.

E, por fim, Bruno Yoshimura, que fundou a Kekanto e a Delivery Direto, e atualmente é uma das pessoas à frente da ONEVC, gestora que tem investimentos na fintech Swap, na agtech TerraMagna e na empresa de mensagens Rocket.Chat.