Quando, em 2014, li o livro “Exponential Organizations”, de Salim Ismail e Yuri van Geest, isso me marcou muito. Cada capítulo despertou um insight instigante. Me chamou atenção como uma inovação surge e provoca mudanças inesperadas em diversos setores da sociedade, cria novos negócios e até mesmo muda hábitos do nosso dia a dia.

Atualmente, em apenas um minuto, quase quatro milhões de buscas são efetuadas no Google e mais de um milhão de usuários faz login no Facebook. O Instagram criou uma nova indústria, a de “influencers”. Mais de 200 milhões de usuários no Instagram tem mais de 50 mil seguidores. Cerca de 0,6 dos usuários tem mais de 10 milhões de seguidores, mas na escala massiva do Instagram este percentual equivale a mais de 6 milhões de Insta-celebridades!

Estes números mostram a dimensão da velocidade com que as informações e conteúdos circulam na internet. Portanto, as estratégias para enfrentar esse desafio não são as mesmas com as quais as empresas estão acostumadas a lidar. Muitas das empresas tradicionais não conseguem entender as mudanças, se apegam aos seus modelos de negócio tradicionais, tentando resistir usando as velhas armas que conhecem, ignorando as novas armas que entraram no jogo.

O lançamento do iPhone há pouco mais de dez anos é um exemplo icônico. Destruiu negócios como a indústria de GPS, filmadoras e câmeras fotográficas. Desmontou empresas extremamente bem conceituadas e líderes de mercado como Nokia, Motorola e BlackBerry, quebrou as pernas da indústria de PCs, revolucionou a indústria de software com os apps e permitiu a criação de novos negócios como o Waze, Uber e o Airbnb. E já visualizamos um futuro pós-smartphone, em que as novas plataformas, como assistentes virtuais inteligentes, podem mudar por completo a forma como as pessoas se conectam.

A evolução exponencial da tecnologia e seus impactos não consegue ser absorvida em uma organização que pensa linearmente. É fato que muitas organizações, grandes e matriciais, respondem lentamente às mudanças no cenário tecnológico. Mesmo empresas criadas na era da internet sucumbem quando não acompanham as mudanças. O exemplo do Yahoo é sintomático. Mas os impactos vão além das mudanças organizacionais. Nossos pressupostos sobre o funcionamento das próprias economias em que as empresas estão inseridas já são questionados pela tecnologia exponencial.

Alguns pilares que consolidaram a economia na sociedade industrial estão claramente em xeque. Como a tecnologia está capacitando a todos nós, as pessoas começam a desempenhar o papel que antes só as empresas costumavam fazer. A pandemia do Covid acelerou esse processo. Trouxe o futuro para o hoje. A internet está alimentando a chamada nano-economia, onde freelancers encontram trabalho através de plataformas digitais, dispensando a necessidade de trabalharem apenas para empresas.

O efeito democratizador da tecnologia da informação também está permitindo que empresas pequenas, com equipes pequenas, tenham um impacto excepcional. Por exemplo, o Slack, que foi criado por uma equipe de 12 desenvolvedores de software, ou o Instagram, que quando foi comprado pelo Facebook tinha uma equipe de apenas 13 pessoas.

O efeito democratizador da tecnologia da informação também está permitindo que empresas pequenas, com equipes pequenas, tenham um impacto excepcional

Além disso, tecnologia está mudando a dinâmica do conceito de propriedade, desde carros a casas até furadeiras, dando às pessoas mais opções. É o conceito de “usar” e não “ter”. A economia do compartilhar significa que você pode alugar qualquer coisa, seja o quarto de outra pessoa, escritório, equipamento agrícola ou capacidade computacional, durante o tempo que precisar. Na verdade, não queremos uma máquina de lavar, mas sim a roupa lavada.

Os serviços como Uber tornam mais fácil não precisar ter um carro. Eu mesmo já não tenho carro próprio. O usava menos de 3% do tempo e me sai mais barato utilizar Uber. O artigo “The End of Car Ownership” mostra que é uma tendência, que será acelerada com a chegada dos veículos autônomos. O conceito do “everything as a service” já é uma realidade.

A dinâmica da produção também está em transformação. O Airbnb é a maior empresa de hospedagem e não possui hotéis. Os custos de produção estão diminuindo e o denominador comum é que as plataformas digitais estão permitindo que pessoas e empresas compartilhem coisas, serviços e tempo que têm em excesso e que não estão sendo utilizados.

Isso nos leva a questionar se as coisas que consideramos essenciais para o nosso negócio, à luz das mudanças exponenciais, ainda continuam necessárias ou mesmo se ainda continuam relevantes. Esses fatores mudam os modelos de negócio. Praticamente desde o início dos negócios, a interseção da oferta e da demanda é que determinava o preço. Mas com o custo marginal da oferta e de criação de mais uma unidade do produto ou serviço caindo exponencialmente, tendendo a zero, as empresas podem mudar suas ofertas, e até cobrar dinamicamente seus produtos ou serviços.

Esse novo cenário muda por completo o ambiente de negócios. Muitas das empresas que entraram na lista S&P 500 nos últimos são modelos de negócio baseados em plataformas e não mais empresas tradicionais de produtos ou serviços. Recomendo, para uma maior compreensão do conceito, a leitura do artigo “ The emporium strikes back: Platforms are the future—but not for everyone”, publicado pela revista britânica The Economist.

Este cenário nos mostra nitidamente que estamos imersos em um ambiente de negócios cada vez mais volátil, incerto, ambíguo e complexo. Desenhar estratégias torna-se cada vez mais desafiador e necessitamos identificar três “tipping points” interdependentes, que, quando ocorrem, provocam a disrupção: a tecnológica, a cultural e a regulatória.

A tecnológica ocorre de forma exponencial e nos é de difícil compreensão. A mente humana tem dificuldade de entender relações não lineares. Nosso cérebro procura traçar linhas retas simples. Por exemplo, se ando 30 passos, cada um de um metro, andei 30 metros. Se quiser dobrar a distância, simplesmente darei 60 passos. Mas a exponencialidade é diferente. O primeiro passo é de um metro, o segundo de dois metros, o terceiro de quatro metros e assim sucessivamente até o trigésimo, que corresponde a 26 voltas na Terra.

A tecnologia evolui exponencialmente, acelerada por fatores como industrialização (a economia de escala proporcionada pela computação em nuvem permite a uma empresa crescer rapidamente sem demandar investimentos em ativos computacionais), consumerização (cada vez mais as pessoas estão se digitalizando e usando tecnologia como meio básico de comunicação e interação), democratização (o exemplo da fotografia é emblemática, pois hoje via smartphones tiramos milhares de fotos e as compartilhamos de graça) e globalização (podemos estar permanentemente conectados com redes globais de conhecimento ).

A disrupção cultural ocorre quando a tecnológica afeta os limites dos nossos hábitos. O smartphone e o Facebook já fazem parte de nossa vida e compartilhamos coisas que há dez anos atrás eram consideradas estritamente particulares. A mudança cultural não ocorre simultaneamente em todo o planeta. Embora a tecnologia possa ser disseminada rapidamente por todas as sociedades, cada uma a adota de forma diferente.

O autor de ficção científica, Willian Gibson, que escreveu “O Mochileiro das Galáxias” disse “O futuro já está aqui. Só não é muito bem distribuído”. Aliás, a leitura de ficção científica é uma das metodologias que devem ser usadas nos estudos de futuros. A ficção científica não requer profundos fundamentos científicos. Na verdade, a ficção científica envolve especulação e criatividade, duas qualidades que podem permitir que empresas e profissionais permaneçam - ou se tornem - relevantes em nosso mundo em rápida mudança.

Em nosso mundo cada vez mais volátil, incerto, complexo e ambíguo (VUCA), extrapolar o futuro a partir do passado pode ser terrivelmente impreciso. Creio que seja mais valioso dedicar tempo à ficção científica, especulando e pensando criativamente, sem limitações regulatórias ou de restrições tecnológicas do momento, do que em análises com informações do passado, baseadas em algoritmos de regressão.

Em nosso mundo cada vez mais volátil, incerto, complexo e ambíguo (VUCA), extrapolar o futuro a partir do passado pode ser terrivelmente impreciso

Com a ficção, podemos imaginar o imprevisível, enquanto o segundo jamais pensaria, como vivenciamos, em uma pandemia que paralisaria o planeta. Sugiro ler o artigo “How Science Fiction Can Help Chart Your Company's Path Forward” para uma visão melhor da aplicação da ficção (ou antecipação) científica nos planejamentos para o futuro.

A questão regulatória também difere de país para país. A chegada simultânea de diversas tecnologias e novos modelos de negócios perturba o cenário regulatório, que, na maioria das vezes, se mostra incapaz de acompanhar esse ritmo. Por exemplo, a chegada dos drones, do WhatsApp, Uber e dos scooters. Os aparatos regulatórios existentes, quando foram criados, não contemplavam essas inovações. De maneira geral as inovações testam os limites da regulação e acabam as transformando. No final, apesar das reações contrárias, a demanda do mercado acaba vencendo.

Disso tudo fica patente que as empresas não podem se escudar no aparato regulatório, minimizar as mudanças de hábitos da sociedade e muito menos deixarem passar em brancas nuvens as inovações tecnológicas. O exemplo da rápida adoção do mobile banking no Brasil é simbólico. O mobile banking já é o canal preferido dos brasileiros para operações bancárias. Processo que vai se acelerar com a adoção do Pix.

Hoje, o jargão não é mais “vou pegar um táxi”, mas sim “vou pegar um Uber”. O Whatsapp é o meio mais usado de comunicação, mais que voz. Aliás, o uso de voz está sendo a funcionalidade menos usada nos smartphones. Nas três semanas da Olimpíada no Rio de Janeiro, que aconteceu em agosto de 2016, os anfitriões cariocas do Airbnb receberam mais de 85 mil hóspedes do Brasil e do mundo, faturando cerca de R$ 100 milhões. Segundo uma pesquisa do Ministério do Turismo, brasileiros que viajaram para os Jogos  Olímpicos se acomodaram mais em imóveis alugados do que em hotéis. No evento, 21,2% dos brasileiros optaram pelo aluguel de temporada, fatia maior do que a hospedagem tradicional (17,6%).

Nas próximas décadas as empresas vencedoras serão as que constantemente sondarem a fronteira digital. É um alvo móvel e veloz, e estar antenada com as mudanças é essencial para a sobrevivência empresarial. Inovar, a despeito da regulação, não subestimar a evolução exponencial da tecnologia e constantemente sondar a sua aceitação cultural serão as condições que farão a diferença entre ganhar ou perder o jogo digital.

*Cezar Taurion é VP de Inovação da CiaTécnica Consulting, e Partner/Head de Digital Transformation da Kick Corporate Ventures. Membro do conselho de inovação de diversas empresas e mentor e investidor em startups de IA. É autor de nove livros que abordam assuntos como Transformação Digital, Inovação, Big Data e Tecnologias Emergentes. Professor convidado da Fundação Dom Cabral, PUC-RJ e PUC-RS.