Foi uma crise no casamento que deu origem à Talkspace. Os fundadores Oren e Roni Frank evitaram uma separação fazendo terapia e perceberam a necessidade de democratizar o acesso aos cuidados com a saúde mental. O casal lançou a startup em 2012 com o objetivo de conectar pacientes a profissionais de saúde em consultas virtuais.
Em 2020, a base de usuários chegou a 46 mil pessoas. Neste ano, a previsão é atingir US$ 125 milhões em faturamento, um crescimento de 69% em relação ao ano passado. O modelo envolve a cobrança de mensalidades para que o usuário tenha acesso a todos os conteúdos e faça as consultas de acordo com sua necessidade.
Agora, Talkspace vai ser a primeira empresa de saúde mental a abrir o capital da Nasdaq através de uma fusão com a Hudson Executive Investment Corp., um special purpose acquisition company. Os SPACs, conhecidos também como “companhias de cheque em branco”, captam recursos nos mercados públicos para fazer uma aquisição. Os investidores apostam sem saber qual companhia será comprada até que a transação seja concretizada. A empresa comprada, então, se torna pública como resultado da fusão.
A abertura do capital da Talkspace deve acontecer ainda no primeiro trimestre deste ano. O valor de mercado estimado é U$ 1,4 bilhão. Antes disso, a startup já havia captado US$ 106 milhões. Na última rodada, em maio de 2019, recebeu um aporte de US$ 50 milhões liderado pelo fundo Revolution Growth.
A Talkspace é um exemplo de startup que está crescendo durante a crise sanitária do novo coronavírus por conta de uma segunda onda que está em curso, mas que não é tão visível quanto a da Covid-19: a "pandemia" de saúde mental.
No Brasil, startups como Zenklub, Vittude e Hisnëk estão também avançando na necessidade, cada vez maior, de as empresas tratarem seus funcionários de crises de ansiedade e de depressão em razão do prolongado home office, entre outras incertezas.
O problema já havia sido identificado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) antes mesmo de a Covid-19 se tornar a principal preocupação do planeta. No início de 2020, um documento divulgado pela organização pedia o comprometimento dos governos mundiais para tratar a depressão.
Dados de 2019 apontavam que 300 milhões de pessoas sofriam de depressão e 260 milhões, de ansiedade. Os dois distúrbios custam à economia US$ 1 trilhão por ano em perda de produtividade, segundo a OMS.
A Covid-19, claro, agravou ainda mais essa crise. Em outubro do ano passado, outro levantamento da OMS indicava que a pandemia havia prejudicado ou interrompido 93% dos serviços de saúde mental do mundo, justamente em um momento em que a demanda por eles cresceu muito.
No Brasil, uma pesquisa feita pelo Instituto de Psicologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) em parceria com a Universidade de Yale mostrou que as ocorrências de ansiedade e estresse apresentaram aumento de 80% por conta da pandemia. As causas são variadas: o medo do vírus, o excesso de trabalho e a perda de entes queridos.
Nesse cenário, os apps que facilitam o acesso a profissionais da saúde mental ganham cada vez mais força – bem como os recursos de fundos de venture capital. No Brasil, um dos principais deles é o Zenklub. A exemplo da Talkspace, a startup surgiu a partir de um problema pessoal.
A mãe do fundador e CEO da Zenklub, Rui Brandão, teve burnout. Ele, embora seja médico, não conseguiu prever que a mãe estava adoecendo. “Naquele momento, ficou claro para mim que não havia um sistema de saúde emocional estruturado no Brasil”, diz Brandão ao NeoFeed.
O Zenklub foi lançado em 2016 por Brandão e por José Simões inicialmente com foco exclusivo no atendimento a pessoas físicas. Nesses quase cinco anos, a empresa entendeu que era preciso oferecer mais do que uma plataforma de contato com psicólogos.
“As pessoas nos procuravam em um momento de dor, mas logo percebiam o benefício de olhar para dentro e passaram a trilhar o que chamamos de jornada de desenvolvimento”, afirma Brandão. Hoje, a startup oferece conteúdos variados e permite aos usuários escolher entre psicólogos, psiquiatras, terapeutas e coachs. “É uma visão bem holística da saúde emocional”, diz o fundador da Zenklub.
O usuário paga uma taxa para acessar a plataforma. A cobrança pode ser feita mensalmente ou em um único pagamento anual de R$ 99. Com esse valor, ele tem todos os conteúdos à disposição. As consultas são cobradas à parte, e os preços estabelecidos pelos profissionais variam de R$ 50 a R$ 200 por 50 minutos de sessão.
Assim como a Talkspace, o Zenklub viu a procura por seus serviços disparar durante a pandemia. O número de clientes aumentou 515%. Desde que surgiu, a startup atendeu 1,5 milhão de pessoas, espalhadas por 980 cidades de 124 países. São mais de 800 profissionais de saúde cadastrados na plataforma e 50 mil consultas realizadas por mês. A empresa não divulga o faturamento, mas afirma que ele cresceu 648%. Para dar conta do crescimento acelerado, a equipe passou de 28 funcionários em janeiro para os atuais 80.
Desde 2018, por conta de uma mudança na regulamentação que validou as consultas com psicólogos e outros profissionais feitas a distância, por videochamada, o Zenklub passou a oferecer o serviço também para empresas. Antes, as conversas eram aconselhamentos, mas não tinham validação clínica. Em 2019, eram 12 companhias. Agora, são 200. Entre elas estão Amaro, Elo, Natura e Nubank. “A preocupação com a saúde mental dos funcionários deixou de ser apenas um benefício para integrar a pauta de responsabilidades das empresas”, diz Brandão.
No caso das empresas, o formato é semelhante ao oferecido por serviços como Gympass, que dá acesso a diversas academias de ginástica através de uma assinatura. O colaborador tem direito a um número específico de consultas de acordo com o plano corporativo negociado pela empresa e acesso completo à plataforma.
Nesses quatro anos, a Zenklub recebeu dois aportes. O primeiro, em março de 2019, foi de R$ 2,5 milhões, em investimento semente do Indico Capital Partners, maior fundo privado de venture capital de Portugal. Em maio de 2020 recebeu outros R$ 16,5 milhões em uma rodada liderada novamente pelo Indico. A startup espera captar mais recursos em 2021.
Demanda reprimida
Dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) divulgados em novembro do ano passado indicam que o número de brasileiros que já receberam um diagnóstico de depressão por profissional de saúde mental subiu 34,2% em seis anos, atingindo 16,3 milhões de pessoas com mais de 18 anos.
Embora alarmantes, eles mal começam a dar conta do verdadeiro problema, já que abordam apenas um distúrbio. E não levam em conta todos aqueles que sofrem de algum problema e nunca procuraram ajuda.
"A demanda está reprimida e, a meu ver, o estigma e a desinformação têm grande contribuição", afirma Tatiana Pimenta, fundadora e CEO da Vittude, ao NeoFeed. A empresa foi criada em 2016 por ela e pelo sócio Everton Höpner com o objetivo de fazer a conexão entre profissionais de saúde e clientes interessados em fazer uma consulta, mas que ainda tinham receio de recorrer a um consultório físico.
A startup já levantou R$ 5,2 milhões em duas rodadas de investimento. A primeira, em 2017, liderada pela Vetor Editora, com participação da Ssys Sistemas. A segunda, em novembro de 2019, de R$ 4,5 milhões, foi capitaneada pela Redpoint eventures. No segundo semestre deste ano, a Vittude espera realizar uma nova captação.
"O caminho para ampliar o acesso aos serviços de saúde mental passa pelas parcerias corporativas", afirma a CEO. A estratégia para 2021 é fortalecer esse segmento. Entre os clientes estão 99, Microsoft, SAP e Grupo Boticário.
Além de Vittude e Zenklub, existem outras empresas que abordam o mesmo problema de forma diferente. Esse é o caso da Hisnëk, que surgiu em 2012 como um serviço de assinatura de snacks saudáveis para empresas.
Em 2018, no entanto, a Hisnëk mudou completamente a estratégia ao identificar um número crescente de afastamentos de colaboradores de parceiros corporativos por problemas relacionados à saúde mental.
“No início de 2019, lançamos a primeira versão da Ivi, nossa assistente virtual de saúde e bem-estar com intuito de fazer a prevenção em ambientes corporativos”, conta Carol Dassie, fundadora e CEO da Hisnëk, ao NeoFeed.
O sistema foi desenvolvido com base em protocolos clínicos validados com foco em duas patologias: ansiedade e depressão. A partir de perguntas que o app faz ao usuário, o algoritmo identifica em que estágio desses distúrbios ele se encontra.
Todos os dias, o sistema fornece conteúdos em vídeo e sugestões de atividades para o funcionário. Se percebe que o caso é mais grave, indica uma consulta com um profissional de saúde. O contato é feito fora da plataforma. “Nosso foco é na prevenção”, afirma Dassie. Segundo ela, o formato do app aumenta a adesão à terapia por quem não está acostumado a buscar esse tipo de ajuda.
A Hisnëk também não divulga dados de faturamento, mas diz que registrou um crescimento de 60% em 2020. “Nosso ciclo de vendas encurtou demais. Antes, demorava seis, sete meses para fechar um contrato. Agora, esse tempo foi reduzido para um mês”, diz Dassie. Ambev, Suzano e Pearson já oferecem o serviço para seus funcionários. Já são 80 mil pessoas atendidas pela plataforma.
A empresa já captou R$ 1,7 milhão em duas rodadas de investimento-anjo. Agora, em meados de 2021, a Hisnëk espera abrir uma rodada maior com algum fundo institucional. “2021 é o ano de tracionar”, afirma Dassie.