O Brasil tem se beneficiado de um cenário favorável para atrair investimentos. O dólar em baixa, restrições geopolíticas em outros países e o tamanho da economia tornam o país um destino atrativo para recursos externos.
Apesar disso, um fator tem impedido os investidores de adotarem uma postura mais otimista em relação à economia brasileira, segundo Alexandre de Ázara, economista-chefe do UBS BB: as eleições. Mais especificamente, as dúvidas sobre a política fiscal que será adotada após o pleito marcado para os dias 4 e 25 de outubro de 2026.
“O que vemos é um fluxo contínuo, moderado e positivo para o País, mas é preciso resolver essa incerteza [eleições] para que o fluxo aumente”, diz Ázara, em entrevista ao NeoFeed. “Infelizmente, essa indefinição ainda vai levar tempo para ser superada.”
Ao mesmo tempo, os investidores estrangeiros têm uma certeza. “Não é a natureza do governo que importa, mas sim a natureza do ajuste fiscal”, afirma Ázara, destacando que a incerteza eleitoral ofusca o atrativo dos valuations historicamente baixos da Bolsa.
Essas percepções surgiram em seu mais recente encontro com investidores. Anualmente, Ázara participa de cinco roadshows com clientes do UBS de fora do Brasil — três na América do Norte e dois na Europa. O mais recente ocorreu entre os dias 13 e 24 de outubro, nos Estados Unidos e no Canadá, com o economista acompanhando também a reunião anual do Fundo Monetário Internacional (FMI).
Nas reuniões com clientes dessa última viagem, que contaram com a presença de grandes corretoras e fundos de pensão, ele notou que a eleição presidencial começou a aparecer nas conversas — algo que não ocorria nos encontros anteriores.
Apesar do cenário ainda incerto, a preocupação com a política fiscal e seus impactos sobre os investimentos passou a ser discutida. A avaliação predominante é de que uma vitória da centro-direita seria preferível, por representar maior propensão à realização dos ajustes necessários nas contas públicas.
O banco estima que o Brasil precisa de um ajuste fiscal da ordem de 1,5% do PIB no resultado primário para começar a estabilizar a dívida. Se o PT sinalizar esse compromisso, os estrangeiros não devem se opor.
A indefinição sobre o cenário político e fiscal ocorre em um momento em que a economia e a inflação estão desacelerando, abrindo espaço para um possível afrouxamento monetário. O UBS BB projeta que o PIB fechará o ano em 1,8%, desaceleração em relação aos 3,4% registrados no ano anterior.
A inflação deve encerrar 2025 com alta de 4,6%, abaixo dos 4,8% de 2024. Para a Selic, a expectativa é que os cortes comecem em abril, com a taxa encerrando 2026 em 12% ao ano — podendo ser menor, dependendo de quem assumir o Palácio do Planalto e da postura adotada.
Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista:
Como está o Brasil em relação a outros mercados?
Nas reuniões que fazemos, antes de falarmos do Brasil, sempre iniciamos com uma análise global. E algo que chamou atenção, tanto no FMI quanto nos encontros com clientes, é que o grande tema mundial tem sido a força do dólar.
Qual é a visão do estrangeiro sobre o País?
Antes do tarifaço, a tese era de que o dólar estava forte. Com a imposição das tarifas, houve redução dos investimentos nos Estados Unidos, o que aumentou o fluxo para o ouro e moedas emergentes. Nesse cenário, o Brasil se beneficiou. Mas a grande questão agora é a eleição.
"Se um governo de centro-esquerda vencer — especialmente o PT — há risco de irresponsabilidade fiscal ou ausência de uma trajetória sustentável para a relação dívida/PIB"
Como os estrangeiros estão enxergando a eleição?
Os clientes acreditam que, se um governo de centro-esquerda vencer — especialmente o PT — há risco de irresponsabilidade fiscal ou ausência de uma trajetória sustentável para a relação dívida/PIB. Se não houver um novo arcabouço fiscal institucional, o cenário é pessimista.
Há preferência por uma vitória da direita?
Uma vitória da centro-direita, ainda que não seja um Bolsonaro, é vista como mais favorável, com expectativa de ajuste fiscal, um cenário otimista para o Brasil.
O que os investidores estão observando neste momento?
A preocupação de curto prazo é com a desaceleração da economia brasileira e com os juros. No ano passado, o PIB foi de 3,4% e vem desacelerando. A percepção de queda na atividade é clara. Muitos acreditam que já é possível cortar os juros, diante da desaceleração da inflação. O cenário está dentro do esperado pelo BC, que não tem pressa.
"O questionamento dos investidores é se o corte não está atrasado. Eu respondo que não, pois o BC quer ancorar as expectativas de inflação, que se descolaram da meta"
Eles cobram corte de juros?
O questionamento dos investidores é se o corte não está atrasado. Eu respondo que não, pois o BC quer ancorar as expectativas de inflação, que se descolaram da meta. Quando explico isso, eles dizem: “Entendi, quando os juros começarem a cair, será rápido.” Mas aí entram as eleições.
Como assim?
Quando chegarmos a agosto ou setembro, a questão será como estará o cenário eleitoral. A Selic deve cair para 12% em 2026. Dependendo do resultado das eleições, a taxa pode continuar parar ou até acelerar [a queda]. Se houver percepção de vitória da centro-direita com ajuste fiscal, o câmbio pode se valorizar e o BC cortar mais de 50 pontos numa reunião.

E se o ajuste fiscal não vier?
Se não houver ajuste fiscal, voltamos ao cenário de novembro e dezembro do ano passado: câmbio a R$ 6 ou R$ 6,50 e o BC interrompe os cortes. O tamanho total da queda dependerá do resultado da eleição.
Qual é a percepção de uma continuidade do PT e do presidente Lula?
Se o PT estiver na frente e anunciar um ajuste fiscal de 1,5% do PIB — valor que acreditamos necessário para o resultado primário — o mercado pode reagir positivamente, mesmo num quarto mandato de Lula.
Ou seja, eles se importam mais com o fiscal do que com o vencedor?
Não é a natureza do governo que importa, mas sim a credibilidade do ajuste fiscal. Mais do que a eleição, o que os investidores querem saber é se o Brasil tem uma situação fiscal crível.
"Mais do que a eleição, o que os investidores querem saber é se o Brasil tem uma situação fiscal crível"
A eleição é a grande questão para maior fluxo de recursos estrangeiros?
É um paradoxo: ela é importante, no limite é o que mais importa, mas não é possível resolver essa incerteza agora. O investidor diz: “Sou simpático ao Brasil, tenho fluxo para emergentes, quero investir, mas não vou colocar muito, apenas um pouco.”
Neste momento esse fluxo é baixo?
O que vemos é um fluxo contínuo, moderado e positivo para o País, mas que depende da resolução dessa incerteza para se intensificar. E isso levará tempo.
O valuation mais baixo na Bolsa não é capaz de atrair recursos?
Não dá para pensar apenas em valuation, pois há dois cenários. Sem ajuste fiscal, os ativos estão caros. Com ajuste fiscal, estão baratos.
E ninguém sabe em que ponto estamos.
O ponto é que ainda não sabemos qual será o cenário. Há capital concentrado nos EUA, por causa do dólar forte, que quer migrar para emergentes. E o Brasil é um dos principais destinos. O dilema das eleições permanece, mas o fluxo para emergentes deve continuar por um bom tempo.
Diante desse cenário, o que os investidores observam em renda fixa e ações?
Na renda fixa, o foco está nos próximos dois ou três anos de juros — onde estará a taxa pré-fixada. Apenas um cliente olhou para NTNs com juro real de longo prazo, um ativo quase exclusivo dos brasileiros. Eles dizem: “Essa taxa está muito alta, parece boa para aplicar.”
"Em ações, há uma abordagem top-down, mas o destaque tem sido bancos e instituições financeiras"
O câmbio é um atrativo?
No câmbio, o carry do Brasil favorece posições long em reais e short em dólar, mas não em grande escala. Em ações, há uma abordagem top-down, mas o destaque tem sido bancos e instituições financeiras, que tendem a performar melhor num cenário de ajuste fiscal.
Como o Brasil se posiciona na América Latina?
O interesse está concentrado em três países: Brasil, México e Argentina. O Brasil lidera pelo tamanho, seguido pelo México e pela Argentina. No caso argentino, havia receio de Milei não conseguir maioria, mas ele obteve 40%, o que foi visto como vitória importante para as reformas. No México, a preocupação é com a renegociação do USMCA e o impacto de uma possível recessão nos EUA.
Existe um maior otimismo com a Argentina?
A Argentina chama atenção, mas ainda não atrai investimentos. O país ficou fora do radar por um tempo, a conta de capital continua fechada e não conseguiu gerar fluxo até agora. É mais um caso interessante do que uma tese de investimento.
E em relação aos outros emergentes? Há quem diga que a Rússia não é mais "investível", a China enfrenta problemas. Isso melhora a imagem do Brasil?
Sim, essa percepção persiste. A tendência é que isso influencie o universo de investimentos da Europa e dos EUA nos próximos anos. Há incerteza política na Europa e um afastamento entre China e EUA, que pode gerar dois grandes blocos em tecnologia e comércio. Mas, para o Brasil, esse cenário tem impacto limitado.