Uma mobilização por melhores salários de servidores federais de 11 agências reguladoras conseguiu em um mês duas proezas. Uma delas foi mobilizar boa parte do setor produtivo, alarmado com a possibilidade de uma greve da categoria. A outra foi expor o grau de sucateamento das agências, essenciais para fazer o País andar.

As agências reguladoras são responsáveis por criar leis, formalizar contratos públicos, traçar normas técnicas de produtos, supervisionar concessões e fiscalizar (aplicando multas) se os setores sob sua responsabilidade estão cumprindo as regras, entre outras atribuições. Em resumo, regulam 60% do PIB do País.

Essas 11 agências cuidam de áreas que vão da aviação civil (ANAC) ao saneamento básico (ANA), passando por transportes (ANTT), energia elétrica (Aneel), saúde (ANS), mineração (ANM), portos (Antaq), telecomunicações (Anatel), combustíveis (ANP), saúde suplementar (Anvisa) e até cinema (Ancine).

A princípio, o Sindicato Nacional dos Servidores das Agências Nacionais de Regulação (Sinagências) deu início, no começo do mês passado, a uma mobilização pela valorização e reestruturação das carreiras dos seus 11.360 servidores.

No fim de maio, a categoria rejeitou a proposta do governo de reajuste salarial de 9% em 2024 e 3,5% em 2026. Os servidores pedem a equiparação das tabelas salariais de nível superior com as do ciclo de gestão, além da reorganização da carreira. Mas, além de melhores salários, os servidores das 11 agências exigem medidas do governo para melhorar suas condições de trabalho, incluindo o orçamento dessas autarquias que atuam em regime especial.

Em conjunto, as agências reguladoras arrecadam cerca de R$ 90 bilhões por ano, com multas e tarifas, por exemplo  – entre os órgãos públicos, só perdem para a Receita Federal -, enquanto o orçamento previsto para 2024, cerca de R$ 5 bilhões, insuficiente para atender às necessidades, ainda teve um corte de 20% de contingenciamento.

Para se ter uma ideia do sucateamento, mais de 65% dos cargos do quadro de pessoal das agências estão atualmente desocupados. O último concurso da Aneel – que fiscaliza o setor elétrico, que passou por intensas mudanças nos últimos anos – foi em 2010.

“O quadro de pessoal das agências foi pensado há 25 anos, mas a demanda de trabalho cresceu com o aumento da atividade econômica e, para piorar, perdemos 3.800 servidores desde então”, afirma Fabio Rosa, presidente da Sinagências, lembrando que, apenas nos últimos oito anos, as agências perderam no total um funcionário por dia útil.

“Na Anvisa, que fez um ótimo trabalho na pandemia, temos o equivalente a R$ 20 bilhões de investimentos em medicamentos parados porque não temos especialistas para fazer a análise desses remédios”, acrescenta Rosa.

Operação-padrão

Sem avanço para um acordo, os servidores começaram uma espécie de operação-padrão, que consiste, por exemplo, em liberar uma guia de exportação ou um contrato no último dia do prazo legal.

Foi o suficiente para ligar o sinal de alerta de vários setores da economia, que já contabilizam prejuízos e ficaram preocupados com a possibilidade de paralisação das 11 agências.

O diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), Rodolfo Henrique de Saboia, alertou que uma possível greve da agência poderá afetar operações como a importação de combustíveis e a fiscalização de postos de gasolina.

A indústria farmacêutica também está alarmada com uma paralisação na Anvisa. “Essa greve pode atrasar a entrega de medicamentos e comprometer o abastecimento, além de afetar as sessões de análise de novos medicamentos”, adverte Reginaldo Arcuri, presidente do Grupo FarmaBrasil, que representa 12 indústrias farmacêuticas nacionais.

Para Rodrigo Figueiredo, sócio do escritório RVF Advogados, o descaso com as agências reguladoras por parte dos políticos se deve ao seu levado grau de autonomia. “As agências têm um poder imenso, invadindo competências do governo federal e também do Congresso Nacional”, diz Figueiredo.

Por lei, as agências reguladoras têm autonomia financeira, administrativa e atuam com base em critérios técnicos, sem espaço para oferecer cargos de indicação política – os servidores passam por concurso. “O mandato dos diretores é de cinco anos e não coincidente com a eleição de cargo majoritário, para blindá-los”, afirma Figueiredo.

Segundo ele, quando foram criadas, a partir dos anos 1990, seguindo modelo adotado nos Estados Unidos e outros países, foram alvo de críticas da esquerda, por estarem introduzindo “políticas neoliberais”.

“Essa visão foi abandonada, e hoje a maioria das agências reguladoras é reconhecida pela capacidade técnica e independência do poder político”, diz Figueiredo, acrescentando que o setor acabou fortalecido com a aprovação da Lei 13.848, em 2019, que consolidou sua autonomia administrativa e técnica, além de introduzir melhorias de governança e de transparência, como a realização de audiências públicas.

Não surpreende que o setor produtivo – fiscalizado pelas agências – tenha demonstrado apoio ao movimento. Nos últimos dias, diretores-gerais das agências reguladores (nomeados pelo governo anterior) e sete ministros do atual governo também pediram um rápido desfecho para a crise.