Os CEOs das maiores empresas de petróleo do mundo aproveitaram um evento do setor, em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes, nesta segunda-feira, 2 de outubro, para se defender das críticas de que estão abandonando as promessas de investir na transição energética após os lucros anuais recordes registrados nos últimos meses com a venda de petróleo.

Mas, ao fim do primeiro dia da Conferência Internacional de Petróleo de Abu Dhabi (ADIPEC, nas iniciais em inglês), a impressão que ficou é que a estratégia não só fracassou como passou a ideia de que o esforço de combater o aquecimento global está longe de atingir um consenso.

Em meio a críticas aos ambientalistas e um esforço de dar um tom positivo sobre a situação atual da indústria dos combustíveis fósseis, os principais executivos das gigantes do petróleo abusaram da ironia e reclamaram do que chamam de perseguição de ONGs e órgãos multilaterais.

Tengku Muhammad Taufik, CEO da Petronas - grupo da empresa estatal de energia da Malásia-, mostrou como a mensagem do setor precisa ser melhor trabalhada. Taufic iniciou sua participação num dos painéis com um alerta: “É preciso avançar e nos preparar para os sistemas descarbonizados do futuro.”

Mas até chegar à conclusão de que “o caminho é difícil, que exige racionalidade e decisões difíceis”, recorreu a uma linha de argumentação pouco usual. Citou um velho ditado – “Se você quer deixar todo mundo feliz, venda sorvete” – para arrematar: “Não estamos no ramo de sorvetes e, pelo que eu saiba, há pessoas que são intolerantes à lactose.”

Vicki Hollub, CEO da americana Occidental Petroleum, também usou sua participação no painel para afirmar que estes eram “tempos realmente emocionantes” para a indústria de petróleo e gás, sugerindo que o grande desafio para as empresas de combustíveis fósseis era trabalhar duro para reconquistar a confiança da sociedade. Mas acabou expondo o rancor de muitos executivos do setor com as críticas.

“Não vejo onde estamos hoje como algo que vai acabar com a nossa indústria, embora haja alguns por aí que querem que ela desapareça”, disse Hollub. “Tal como fizemos no passado, encontraremos formas de inovar nesta situação em que nos encontramos.”

Setor na defensiva

Parte do clima azedo dos executivos das petroleiras no evento de Abu Dhabi reflete uma série de acontecimentos que colocaram na defensiva a indústria do setor. Primeiro, a queda do preço do barril do petróleo durante a pandemia, em virtude da paralisação econômica global.

Para tentar evitar um prejuízo maior, os países da Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) reagiram ao excesso de oferta anunciando várias reduções de produção, numa tentativa de melhorar o preço do barril.

A cotação do petróleo Brent começou a subir junto com a retomada econômica pós-pandemia. Muitas petroleiras registraram no ano passado lucros recordes, o que levou os acionistas das gigantes do setor a pressionar os executivos a deixarem de lado os planos de investimento de transição para energias renováveis.

Mais recentemente dois episódios jogaram mais pressão para as petroleiras. Um relatório da ONU publicado no mês passado confirmou que o mundo está longe de cumprir as metas de longo prazo do Acordo de Paris de 2015.

De acordo com o relatório, o planeta aqueceu cerca de 1,1 grau Celsius após mais de um século de queima de combustíveis fósseis -- e é este aumento de temperatura que está alimentando uma série de fenômenos climáticos extremos em todo o mundo.

Dias depois, o turco Fatih Birol, diretor-executivo da Agência Internacional de Energia (AIE), surpreendeu ao anunciar que a era dos combustíveis fósseis deve começar a acabar antes de 2030 e não depois, como se esperava. O “princípio do fim”, segundo ele, se deve ao aumento da produção de energia solar, eólica e nuclear, com os carros elétricos (especialmente os chineses) dominando o mercado automotivo mundial.

Coube a Wael Sawan, CEO da gigante petrolífera britânica Shell, passar uma mensagem mais otimista, ao afirmar que vivemos “o pior e o melhor dos tempos”. Sawan referiu-se ao pior dos tempos ao lamentar “o debate cada vez mais polarizado, em vez de realmente convergir, dado que estamos tentando resolver, sem dúvida, o maior problema do mundo neste momento”.

Mas, num aceno aos críticos do setor, Sawan exaltou como “o melhor dos tempos”, o aumento significativo tanto na energia de baixo carbono como na energia convencional: “Não estamos nem perto de onde precisamos estar, mas, ao mesmo tempo, não devemos perder a esperança.”