O ex-presidente do Banco Central Roberto Campos Neto participou nesta quinta-feira, 4 de setembro, do Fronteiras do Investimento – primeiro evento produzido pelo Nubank desde que o economista assumiu a cadeira de vice-chairman e chefe global de políticas públicas do banco.
Escalado para abrir a programação do dia, com vários painéis voltados para discussões sobre investimentos financeiros, Campos Neto dedicou mais da metade de sua fala para abordar sua visão sobre temas que marcaram sua passagem pelo BC. Em resumo, falou mais como ex-presidente do BC do que como uma nova estrela do Nubank.
No evento, discorreu da importância da autonomia do Banco Central à política monetária dos BCs do mundo decorrente da elevação de gastos e da dívida pública dos países durante a pandemia, passando pelas tarifas do presidente Donald Trump e o provável início do ciclo de queda de juros pelo Federal Reserve (Fed), o banco central dos EUA, já na reunião deste mês.
Apenas na parte final da apresentação o ex-presidente do BC se aprofundou sobre o tema da inovação financeira, citando a evolução do Open Finance e da tokenização no Brasil, e as possibilidades abertas com uso de ferramentas de inteligência artificial, temas mais afeitos à plateia de investidores e especialistas no sistema financeiro.
Para não criar polêmica num evento do banco onde atua, evitou temas espinhosos, como a política fiscal do governo Luiz Inácio Lula da Silva – diferentemente de sua participação em outro evento, do Grupo Esfera. Há duas semanas, ele sugeriu que a melhor alternativa para Brasil reduzir os juros é se o governo federal anunciasse um choque fiscal positivo. Sem isso, assegurou, o País dificilmente conseguirá baixar os juros abaixo de 11%.
Até pelo momento turbulento, a primeira pergunta do dia fazia uma menção indireta à incrível reviravolta num tema que estava dado como enterrado: a discussão sobre a autonomia do BC, que voltou à tona após o Centrão ameaçar aprovar um projeto de lei que altera a lei da independência do BC, permitindo ao Congresso exonerar presidente e diretores do banco em casos de “desempenho insuficiente”.
A ameaça, vista como retaliação ao veto da nova gestão do BC à compra de um pedaço do Banco Master pelo Banco de Brasília, controlado pelo governo do Distrito Federal, sequer foi citada por Campos Neto (e tampouco na pergunta, que versava sobre a importância da independência do BC).
O ex-presidente reafirmou seu apoio à independência do Banco Central, destacando que a autonomia proporciona menor custo para atingir metas em política monetária, aumenta a credibilidade e fortalece o canal de política monetária: “Ataques à autonomia enfraquecem esse canal, exigindo movimentos maiores nos juros para atingir os mesmos objetivos, o que é pior para todos.”
Inovações do BC
Até ao abordar os temas mais correlatos aos investimentos financeiros, como as inovações no setor, Campos Neto citou o Banco Central como percursor.
Lembrou que o plano de inovação financeira do BC tem quatro blocos: bancarização e conexão das pessoas via pagamentos instantâneos (Pix); pagamentos transfronteiriços mais baratos e eficientes (conexão internacional dos pagamentos instantâneos); e o Open Finance, que, sendo amplo e bem feito com qualidade de dados, visa remover a assimetria de informação, gerando segmentação e mais oportunidades para novos entrantes. Também citou a tokenização da intermediação financeira, com o dinheiro se tornando mais programável.
Perguntado sobre uso de inteligência artificial (IA) em investimentos e os desafios regulatórios decorrentes do uso dessa nova ferramenta, Campos Neto finalmente começou a falar na língua da plateia.
Segundo ele, modelos autônomos de agent AI estão começando a ser eficientes na interação com clientes como consultores, mas ainda no início, pois as pessoas ainda preferem interagir com humanos. “IA preditiva pode ajudar na prevenção de fraudes, riscos e estresse financeiro, melhorando a segurança do sistema financeiro”, observou.
Em sua visão, o maior desafio regulatório está nos modelos de deep learning, onde há dificuldade de entender como as decisões são tomadas, principalmente quando IA tem acesso à execução e movimentação de dinheiro dos clientes e investimentos entre contas.
“Bancos centrais têm restrições quanto a isso em fóruns internacionais, mas a tendência é de crescimento do uso de IA em advisory e segurança financeira”, acrescentou Campos Neto, que conquistou de vez a plateia ou expor sua visão de futuro no mundo dos investimentos.
“O processo de transformação será muito mais exponencial do que no passado, impulsionado por mais abertura e capacidade de processamento de dados, e mais investimento em inteligência artificial”, afirmou. “É importante que as pessoas entendam que esse processo tem um início lento, mas atinge um crescimento exponencial na curva, e o momento atual é o início dessa fase bastante exponencial e transformativa.”