Apesar da guerra tarifária do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, o superávit comercial da China ultrapassou US$ 1 trilhão pela primeira vez - causando calafrios em vários países, assustados com a invasão de produtos chineses.
De acordo com dados divulgados pela administração alfandegária chinesa na segunda-feira, 8 de dezembro, o superávit do país asiático foi de US$ 1,076 trilhão no ano encerrado em novembro – resultado que abrange bens, mas não serviços.
O superávit comercial em novembro, de US$ 111,68 bilhões, foi o terceiro maior da China já registrado em um único mês. O superávit total nos primeiros 11 meses do ano representa um aumento de 21,7% em relação ao mesmo período do ano passado.
O valor recorde foi obtido mesmo com as exportações da China para os EUA despencando nos últimos meses, em meio a uma redução das tensões comerciais entre os dois países, que concordaram com uma trégua de um ano em outubro.
O governo chinês apostou em três movimentos para neutralizar o impacto do tarifaço de Trump. Um deles foi redirecionar as exportações para outras regiões, inundando o Sudeste Asiático, África, Europa e América Latina com produtos chineses, de carros elétricos, caminhões, bicicletas a painéis solares, baterias de armazenamento e produtos eletrônicos.
Com isso, as exportações chinesas para os Estados Unidos caíram quase 20%. Mas a China reduziu suas compras de soja americana e outros produtos em proporção quase igual, continuando a vender três vezes mais para os Estados Unidos do que compra.
Outro movimento foi consolidar uma iniciativa adotada durante o primeiro mandato de Trump, o chamado transbordo, pela qual as empresas chinesas transferem a montagem final de seus produtos para o Sudeste Asiático, México e África, que então enviam os produtos acabados para os EUA. Isso permitiu que elas contornassem parcialmente as tarifas impostas por Trump sobre produtos provenientes diretamente da China.
A desvalorização do yuan, a moeda chinesa, um movimento discreto e em curso há alguns anos, acabou contribuindo para o resultado recorde e também para a conquista de novos mercados – o que está gerando um impacto negativo nas indústrias dos países que recebem a enxurrada de produtos exportados pela China.
Montadoras e outras empresas exportadoras em potências tradicionais da indústria, como Alemanha, Japão e Coreia do Sul, estão perdendo clientes para concorrentes chineses. Fábricas em países em desenvolvimento, como Indonésia e África do Sul, tiveram que reduzir a produção ou até mesmo fechar as portas, lutando para competir com os baixos preços da China.
Para se ter uma ideia, a China agora vende para a União Europeia mais do que o dobro do que compra. O superávit comercial da China com a região aumentou consideravelmente este ano.
“Com o yuan desvalorizado em 30% em relação ao euro, possivelmente mais, será extremamente difícil, senão impossível, competir com os fabricantes chineses, mesmo que a Europa faça tudo o que precisa em termos de desregulamentação, redução dos preços da energia e estabelecimento de um verdadeiro mercado unificado”, advertiu Jens Eskelund, presidente da Câmara de Comércio da União Europeia na China.
O lado B do superávit
O superávit comercial da China em bens manufaturados já é maior, em proporção à sua economia, do que o dos Estados Unidos nos anos imediatamente posteriores à Segunda Guerra Mundial, quando a maioria das outras nações manufatureiras estava em ruínas.
Esse salto nas exportações facilitado pela desvalorização do yuan, por sua vez, também está causando impacto na economia chinesa. Os preços têm caído na China, enquanto têm subido nos Estados Unidos e na Europa.
Um número crescente de economistas e líderes empresariais, incluindo ex-altos funcionários do próprio banco central da China, estão pedindo ao governo do país asiático que permita a valorização do yuan em relação ao dólar e a outras moedas.
Para a China, uma moeda mais forte tornaria a importação de produtos como gasolina, vinhos franceses ou cosméticos japoneses mais barata. A economia nessas compras deixaria as famílias chinesas com mais dinheiro para gastar em bens e serviços chineses, como refeições em restaurantes, ingressos para shows e carros elétricos.
Revitalizar o consumo na China é um dos principais objetivos do presidente Xi Jinping. Mas fazer isso permitindo a valorização do yuan também terá custos para a China. Entre eles, prejudicaria os exportadores chineses. Além de reduzir a oferta de emprego na indústria chinesa, um yuan mais forte poderia diminuir o ritmo com que outros países transferem a produção industrial para a China.
O governo chinês, por enquanto, não pretende mudar o atual cenário. Na semana passada, durante encontro com o presidente francês Emmanuel Macron, o líder chinês deixou claro que o país asiático pretende preservar seu superávit comercial pressionando outros países a não erguerem barreiras comerciais.
"O protecionismo não pode resolver os problemas causados pela reestruturação industrial global, mas apenas piorará o ambiente internacional para o comércio", advertiu Xi. Alguns economistas chineses, no entanto, afirmam que a China terá de aceitar, um dia, um superávit comercial menor para ajudar seus consumidores, que há muito sofrem.
“Para que a China expanda a demanda interna, é necessário minimizar o superávit comercial e, no futuro, poderá até precisar considerar a manutenção de um déficit comercial”, disse no mês passado Zhang Jun, reitor da Faculdade de Economia da Universidade de Fudan, em Xangai.