A tensão que levou a disparada do dólar (alta de mais de 18% em 2024) e que está fazendo a bolsa de valores andar de lado (o índice Ibovespa desvaloriza-se quase 4% em 2024) está deixando empresários e o mercado financeiro cada vez mais pessimista com a economia brasileira.
O motivo para esse pessimismo tem uma razão clara para Ricardo Lacerda, fundador e CEO do banco BR Partners: os sinais de que o governo federal não tem disposição de fazer um ajuste fiscal que sinalize ao mercado que não haverá descontrole da dívida pública, que está perto da casa de 80% do PIB.
“Acredito que o que mais está pegando é uma determinação do presidente (Lula) de não cortar gastos. Ele está deixando muito claro e muito transparente que não é um objetivo do governo cortar gastos”, afirma Lacerda, em entrevista ao NeoFeed.
E, pior, Lacerda enxerga cada vez mais semelhanças entre o governo Lula 3 e o Dilma 2, quando decisões econômicas desastrosas levaram o país a uma das piores recessões de sua história recente.
“Estamos nos aproximando cada vez mais dos cenários negativos da era Dilma”, diz Lacerda. "Não há a possibilidade de haver uma prosperidade econômica sem um equilíbrio de contas. A gente sabe muito bem como é que essa história termina: ou com inflação, ou com recessão, ou com uma combinação das duas coisas."
Nesta entrevista, Lacerda traça um cenário preocupante para a economia brasileira, diz que vê como quase heroico o trabalho que Fernando Haddad, ministro da Fazenda, está tentando fazer contra a vontade do seu partido e contra vontade do governo, avalia que a janela de IPOs está fechada por muito tempo no Brasil e analisa o impacto da eleição de Donald Trump para o Brasil.
Confira, a seguir, os principais trechos:
O dólar está perto de seis reais e a bolsa está patinando. Por que os investidores estão de mau humor?
Acredito que os investidores estão de mau humor, substancialmente, em função do risco fiscal que o Brasil está enfrentando já há algum tempo, mas que tem se aprofundado nesse governo. Primeiro, você teve a eliminação do teto de gastos, que acho que foi uma medida muito nociva para o equilíbrio fiscal. E a substituição por um arcabouço fiscal que, na verdade, não decolou. E não decolou porque não teve credibilidade suficiente para demonstrar que não vai haver, digamos assim, um risco de descontrole fiscal.
"Você teve a eliminação do teto de gastos, que acho que foi uma medida muito nociva para o equilíbrio fiscal. E a substituição por um arcabouço fiscal que, na verdade, não decolou"
Algum outro ponto?
Olhando para frente e independentemente de aspectos técnicos do arcabouço que são até inteligentes e poderiam ter funcionado, acredito que o que mais está pegando é uma determinação do presidente (Lula) de não cortar gastos. Ele está deixando muito claro e muito transparente que não é um objetivo do governo cortar gastos. E seja num governo, numa empresa ou numa família não existe equilíbrio econômico-financeiro sem cortar gastos. Isso é uma coisa básica. Qualquer um que precise equilibrar as suas contas precisa também trazer um componente de redução de despesas, de redução de gastos. E o presidente tem relutado muito com isso. E isso está gerando uma desconfiança muito grande por parte do mercado financeiro.
O presidente Lula disse que vai vencer o “mercado financeiro” e que o setor “fala bobagem todo dia”. E partidos de esquerda, inclusive o PT, assinaram um manifesto contra o ajuste fiscal. Qual é o papel do governo nesse clima pessimista que está se criando?
Primeiro, tem que se entender que o mercado financeiro é um termômetro. É um reflexo daquilo que acontece na economia e nos agentes econômicos de um país. Não existe esse ente, o mercado financeiro, que alguém vai vencer ou perder para ele. O mercado financeiro representa a poupança das economias de todos nós. Acredito que essa questão, por exemplo, de ter um abaixo assinado contra o ajuste fiscal é uma coisa, não diria inusitada, porque partidos de esquerda são capazes de qualquer coisa, em qualquer lugar do mundo. Mas é um contrassenso, na minha opinião. Você ter um abaixo assinado contra alguma coisa que é em benefício de toda a sociedade. Não há a possibilidade de haver uma prosperidade econômica sem um equilíbrio de contas. A gente sabe muito bem como é que essa história termina: ou com inflação, ou com recessão, ou com uma combinação das duas coisas. E infelizmente aqui não vai ser diferente. Está tudo caminhando para um cenário macroeconômico muito negativo.
Você disse que o arcabouço não decolou. Ele é natimorto?
Não acho que é natimorto. Acho que seria até injusto com alguns economistas bem-intencionados e inteligentes que fizeram parte da concepção do arcabouço. Mas existem algumas falhas. Primeiro, a questão da ausência de um programa maior de gastos e também da dependência de que o equilíbrio viria apenas com crescimento econômico mais forte, coisa que não é muito típica de um ajuste. Mas tinha alguns elementos ali até positivos.
Acredito que a responsabilidade é realmente do presidente da República e do governo, que tem dado sinais extremamente claros de que não vai cortar gastos, não quer cortar gastos. E entra em guerra com qualquer um que proponha um equilíbrio fiscal mais forte. O presidente, obviamente, foi eleito legitimamente. Ele é quem tem o controle disso, mas ele vai ter que pagar o preço também dessa postura de ser completamente contra o ajuste fiscal e contra a redução de gastos.
"Acredito que a responsabilidade é realmente do presidente da República e do governo, que tem dado sinais extremamente claros de que não vai cortar gastos, não quer cortar gastos"
O mercado fez várias contas de quanto o governo pode cortar. Em alguns relatórios, a conta varia entre R$ 40 bilhões e R$ 60 bilhões. Nas suas contas, onde pode se cortar custos?
As contas demonstram que pelo menos entre R$ 30 bilhões e R$ 40 bilhões seriam viáveis para uma redução de gastos. Mas fugindo um pouco da discussão mais técnica, se é R$ 27 bilhões, R$ 30 bilhões, R$ 40 bilhões e R$ 60 bilhões, o que eu acho é que precisaria haver uma demonstração clara de uma preocupação com o equilíbrio fiscal a longo prazo.
Ninguém está falando para tirar benefícios das pessoas mais pobres ou de cortar o Bolsa Família, ou de cortar o orçamento de saúde. Obviamente, há muito desperdício. Há uma série de incentivos que podem ser cortados, que deveriam ser cortados, que estão trazendo toda essa distorção. Mas precisa ter uma disposição de fazer isso, de equilibrar as contas públicas. Ninguém está falando em gerar superávit primário amanhã. Estamos falando em olhar o horizonte de cinco, de dez, de 15, de 20 anos e ter um plano crível para que o déficit público não entre numa situação de total descontrole, que é uma preocupação que o mercado tem hoje.
E não temos visto essa disposição. A gente tem visto uma guerra do presidente da República com o seu ministro, uma guerra dele com o Banco Central, uma guerra dele com o mercado financeiro. Mas um plano de governo, uma disposição para realmente fazer um ajuste de contas, não temos visto.
Você citou o ministro da Fazenda. Como você enxerga o trabalho do Fernando Haddad até agora?
Vejo como quase heroico o que ele está tentando fazer contra a vontade do seu partido e contra vontade do governo. Mas ninguém consegue fazer nada sozinho. O ministro tem uma percepção muito clara do que esse eventual desequilíbrio fiscal pode levar. Acho que ele está tentando consertar. Acho que ele tem tentado fazer uma interação com os agentes econômicos, com o mercado, com seus colegas ministros. Mas o fato é que esse governo é focado na ideia de que não precisa ter ajuste fiscal. Então, é uma luta inglória o que o ministro está passando. Acho que a gente tem que reconhecer muito o trabalho dele, mas infelizmente precisaria ter um comprometimento do próprio presidente da República.
"Vejo como quase heroico o que ele (Fernando Haddad) está tentando fazer contra a vontade do seu partido e contra vontade do governo. Mas ninguém consegue fazer nada sozinho"
Com a vitória do Trump, o dólar vai ficar mais forte globalmente e o aumento das tarifas alfandegárias, como o presidente eleito propôs na sua campanha, deve gerar mais inflação ao redor do mundo, inclusive no próprio Estados Unidos. Qual o impacto disso para o Brasil?
O impacto é, na teoria, bastante negativo, mas vamos precisar ver exatamente em que extensão o novo governo dos Estados Unidos vai implementar essas políticas. A questão do combate à imigração legal e das tarifas são elementos inflacionários para a própria economia americana. Com inflação mais alta nos Estados Unidos, você vai ter juros mais altos nos Estados Unidos. Com juros mais altos, você vai ter também dólar mais forte. E isso vai impactar negativamente o Brasil. Mas acho que vamos precisar ver realmente a extensão daquilo que ele vai conseguir implementar em termos de tarifas e de políticas de imigração, entre outras coisas, como a questão de redução de impostos, que podem sim ter um impacto inflacionário. E o Brasil sofre o efeito colateral disso.
Por conta disso, o ajuste fiscal se torna ainda mais urgente no Brasil?
Acredito que torna muito mais urgente fazer esse ajuste no Brasil. Mas acredito que o que está tornando mais urgente fazer esse ajuste no Brasil é enxergar uma NTN-B longa perto de 7%. A gente viu isso a última vez no Brasil no desastre econômico da era Dilma. E, infelizmente, o governo Lula 3, a despeito de tudo o que ele coloca que fez no primeiro mandato e no segundo mandato - ele realmente tomou medidas ali que foram bastante positivas economicamente e que levaram um cenário fiscal muito melhor. Mas isso hoje não está acontecendo. Então, estamos nos aproximando cada vez mais dos cenários negativos de 2015 e 2016 da era Dilma.
O investidor estrangeiro retirou até agora quase R$ 31 bilhões da B3. O que explica esse movimento?
Temos de reconhecer que o primeiro elemento fundamental para isso é o nível da taxa de juros nos Estados Unidos, que se tornou muito mais atraente. Obviamente, a taxa de juro americana é o que precifica todos os mercados ao redor do mundo. Então, com os juros mais altos nos Estados Unidos, há mais oportunidades para esses investidores lá. E isso drena recursos de vários países, incluindo o Brasil.
O segundo ponto é que eu acredito que o Brasil perdeu importância no cenário econômico internacional. Você teve muito investidor ao longo das últimas décadas que perdeu dinheiro no Brasil, sejam empresas, fundos de private equity e outros investidores que compraram ativos em privatização. E aí, por uma questão de diferentes fatores, acabaram se desinteressando e se movendo para outros mercados.
E também diria que esse debate, essa dificuldade de a gente promover um ajuste fiscal. Não tenho mais tanta esperança de um ajuste fiscal a curto prazo. Acho que temos que falar de uma política fiscal responsável, ainda que esse ajuste esteja muito lá na frente, mas algo que seja crível, algo que mostre que nós não vamos ter um descontrole fiscal que pode levar a consequências muito negativas, como descontrole inflacionário, como recessão e uma série de problemas que o Brasil já viveu lá atrás.
No momento que a gente está conversando, não foi anunciada nenhuma medida de corte de custos. E isso explica um pouco da tensão do mercado nessa semana. Você citou que espera algum ajuste. Então, algum ajuste é melhor do que nenhum?
Sem dúvida. Eu acho que é muito melhor algum ajuste do que nenhum. O mercado vai precificar o ajuste, qualquer que seja ele. Se for um ajuste mais ambicioso, mais agressivo, acho que a gente pode ter um benefício muito positivo rapidamente. Se for um ajuste basicamente muito modesto ou que não tenha credibilidade, o mercado também vai precificar pelo outro lado. Está todo mundo de olhos abertos, muito atento para ver para que lado que a política fiscal vai, porque com isso nós vamos também entender qual vai ser a política monetária necessária e como é que esses ativos todos se reprecificam.
"Acho que é muito melhor algum ajuste do que nenhum. O mercado vai precificar o ajuste, qualquer que seja ele"
O último IPO no Brasil foi o do Nubank, em dezembro de 2021. Em dezembro deste ano vai fazer três anos sem nenhuma abertura de capital no Brasil. Quando você acredita que a janela para listar empresas pode se abrir de novo no Brasil?
Em um ambiente de juro real próximo a 7% e de você ter uma NTN-B próxima de 7%, você não vai ter IPOs ou operações de ações tão cedo. O investidor, obviamente, está olhando as alternativas. Hoje, ele consegue ter uma Selic de 11,25%, subindo para 12%. Ou você consegue ter produtos de renda fixa que, além dessa Selic, colocam um spread de 1%, 2%, 3%, 4%, 5%. Para que a gente volte a ter IPOs, precisamos ter um nível de juros muito mais baixo do que estamos hoje. Esse juro real tem de voltar para perto de 5% ou inclusive abaixo de 5%. Enquanto, estivermos nesse patamar de 7%, é completamente inviável. Não enxergo, a curto prazo, esse mercado voltando.
O que é curto prazo para você?
Tudo pode mudar muito rápido em função do cenário internacional, se houver um ambiente para redução de juros mais agressivo nos Estados Unidos. Ou se houver um pacote fiscal. Ninguém tem bola de cristal. Mas eu diria que pelo cenário que nós estamos vivendo hoje, eu não consigo ver cenários de IPOs para 2025 ou 2026. Acredito que isso vai ficar para depois das eleições de 2026.
Um mercado que está indo muito bem esse ano é o de crédito privado. Em 2023, tivemos a crise da Americanas e de outras empresas que provocaram um susto gigantesco nos investidores e paralisou o mercado por algum tempo. Você vê hoje um risco de crédito?
O evento de Americanas foi muito traumático porque foi completamente inesperado e envolveu uma fraude de proporções muito grande como a gente nunca tinha visto no Brasil. Foi um choque o que aconteceu. Desde então, tivemos inúmeros eventos de crédito. Temos feito, no BR Partners, muita reestruturação de dívida. Espero uma leve deterioração dos balanços das empresas nos próximos trimestres e, principalmente, daquelas empresas que estão alavancadas. Vamos ter eventos de crédito que vão ter que ser renegociados, reperfilados e reestruturados. Mas acredito que tudo dentro de uma normalidade. Acredito que reperfilmamento e reestruturação de dívida deixaram de ser palavrão no Brasil.
"Infelizmente, até o momento, o Lula 3 é mais parecido com o Dilma 2"
O Lula 3 é mais parecido com Lula 1 ou Lula 2?
Infelizmente, até o momento, ele é mais parecido com o Dilma 2. Vamos reconhecer que o presidente foi eleito legitimamente em função de uma postura muitas vezes radical do governo anterior. Ele trouxe uma certa normalidade institucional para o país, no sentido de que hoje você não tem mais um presidente da República xingando o governador, chamando o ministro do Supremo Tribunal Federal de canalha no meio da rua. Houve uma certa normalização de uma série de coisas. Eu acho que temos de trazer o reconhecimento ao presidente Lula e a outros líderes que têm buscado fortalecer a democracia.
Por outro lado, acredito estamos diante de um governo fraco. O governo é ruim, o governo é inepto. Você não vê nenhuma frente onde o governo esteja realmente fazendo diferença. Algo muito diferente de um governo como Lula 1 onde você tinha um ministério de primeira linha, com nomes como Luiz Fernando Furlan (ministro de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior) e Márcio Thomaz Bastos (ministro da Justiça). Podemos citar vários outros nomes aqui. As próprias lideranças petistas que faziam parte daquele governo, como o Palocci e o José Dirceu, eram elementos de primeira grandeza dentro do partido. E hoje você não vê isso.
Você não tem nenhum ministério brilhante. Você tem um governo que não consegue entregar coisas básicas. Não consegue entregar educação, saúde e segurança pública. Mas, ao mesmo tempo, um presidente que quer ficar dando palpite na Petrobras, na Vale, que nem do governo é mais, no Banco Central, na Eletrobras, que também já não é mais do governo.
Então, ele é presidente da República ou ele gostaria de ser um grande empresário? Ele deveria ser um empresário. A gente quer um Estado empresário? A gente já viu o que o Estado empresário faz com o Brasil. Ele só faz gerar prejuízo, corrupção, inépcia e atraso.
Qual o recado da eleição municipal e dos EUA?
O que as eleições municipais e as eleições nos Estados Unidos mostraram é que a população está mudando. As pessoas talvez não queiram mais tanto assistencialismo, não querem mais governos grandes. As pessoas querem menos governo, querem mais liberdade, querem mais empreendedorismo, querem poder ter o ambiente para prosperar economicamente.