No último dia útil de 2025, o Relatório Focus não trouxe notícias animadoras para 2025. A pesquisa do Banco Central (BC) com economistas e analistas de mercado mostrou novamente deterioração das expectativas para a economia, especialmente para a inflação, que vem mostrando um movimento semelhante ao visto na época do impeachment de Dilma Rousseff.
Mesmo com os juros em patamares mais restritivos, a desancoragem das expectativas não cessou. Pela 11ª semana consecutiva, o mercado revisou para cima a expectativa para o IPCA, desta vez para 4,96%, acima do intervalo de tolerância estabelecido pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), cujo teto é 4,50%.
Outros indicadores também demonstraram piora no último Relatório Focus de 2024. A projeção para o câmbio avançou pela 9ª semana seguida, com o mercado projetando o dólar em R$ 5,96. O PIB de 2025 foi revisado para baixo, para 2,01%, o que representa uma forte desaceleração ante o esperado para este ano, de alta de 3,5%.
A última vez em que as expectativas de inflação subiram tão rapidamente sem que houvesse um episódio extraordinário pesando a economia (como foi o caso do período pós-pandemia) foi em 2015, segundo levantamento feito pela Avantgarde Asset Management a pedido do NeoFeed.
Do início de 2014 ao fim de 2015, as expectativas inflacionárias cresceram 16,62%. E no decorrer de 2024, elas já aumentaram 5,66%, de acordo com o levantamento.
Naquela ocasião, o País passava por uma forte turbulência econômica, fruto de políticas econômicas do governo Dilma, com aumento tanto dos gastos como da transferência de renda às famílias.
Tal qual ocorreu no passado, o crescimento com base em estímulos à demanda agregada, principalmente via a política fiscal, segue influenciando a piora das expectativas de inflação, resultando numa crise de confiança da sociedade com o governo.
“Atualmente vive-se um momento muito parecido, com aumento dos gastos públicos, relação dívida/PIB estando em seu maior nível histórico, economia aquecida, acima do PIB potencial, e um governo que estremece ao ouvir a frase ‘corte de gastos’”, diz Daniel Brito Campesi, economista da Avantgarde.
Segundo ele, as expectativas inflacionárias cresceram acentuadamente ao longo de 2024, sugerindo que os agentes já conhecem as consequências das políticas que o governo atual vem implementando, depois da experiência do governo Dilma.
Para Caio Megale, economista-chefe da XP, outros dois fenômenos também têm puxado para cima as expectativas de inflação, além do impulso fiscal. Um deles é o preço da carne, que em novembro registrou a maior alta mensal em quatro anos.
A perspectiva é de que a proteína continue se valorizando diante da combinação de menor disponibilidade de bois para abate, seca e queimadas prejudicando o pasto, aumento das exportações e aumento da renda elevando a demanda.
O segundo ponto é a expectativa de que o segundo governo do presidente Donald Trump enfrente um pouco mais de inflação, por conta da promessa de aumento das tarifas de importação. Uma das consequências seria o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) desacelerar ou paralisar os cortes de juros, pressionando o câmbio.
“Quando eu olho os fundamentos da inflação, todos eles me dizem que a inflação deveria subir, e ela está subindo, já está em 5% em 12 meses, e acho que ela deve subir mais”, diz Megale.
Ele diz que a projeção da XP para o IPCA de 2025 está numa faixa de 5,5% a 6%. Ele vê outros economistas caminhando para a mesma direção, o que pode inclusive ter reflexos sobre as expectativas para 2026, atualmente apontando para uma inflação de 4,01% – a XP projeta um IPCA em 4,5%.
“O Focus normalmente anda devagar, são muitas casas, que revisam suas projeções em semanas diferentes, gerando um relatório que demora muito para refletir o aumento das expectativas. Mas está ficando claro que a mudança de fundamentos que ocorreu em 2024 está se refletindo em projeções maiores para 2025 em diante”, diz Megale.
Para Brito, apesar das semelhanças com 2015, um fator deve ajudar o Brasil a não ver uma repetição do passado, que é a independência do BC, um contraponto ao governo.
“Não veremos presidente opinando na decisão da Selic para controlar a demanda agregada pelo lado monetário e não veremos mais a conversa de que um pouco mais de inflação pode ser benéfico para o crescimento econômico, como foi postulado por gurus da economia a cerca de quase uma década atrás”, afirma o economista da Avantgarde.