O cenário fiscal e monetário do Brasil mudou rapidamente e a tendência, até o fim de 2025, passou a ser de inflação em alta, o que pode deixar o Banco Central sem espaço para aprovar novas rodadas de cortes de juros no médio prazo.
O alerta foi feito nesta terça-feira, 14 de maio, por Daniel Weeks, economista-chefe da Safra Asset, e Marcelo Toledo, economista-chefe da Bradesco Asset, que participaram do painel Macroeconomia do TAG Summit 2024, evento organizado pela gestora TAG Investimentos.
Para os dois economistas, a eventual mudança na trajetória de queda de juros no médio prazo é resultado de uma confluência de fatores recentes. O impacto causado pela mudança de meta fiscal do governo, que desancorou as expectativas de inflação, a economia aquecida e os gastos futuros da reconstrução do Rio Grande Sul, atingido por uma enchente recorde, foram citados.
Mas eles também alinharam questões políticas, como a votação dividida na semana passada do Conselho de Política Monetária (Copom), que aprovou uma redução no ritmo de cortes de juros, de 0,50 ponto percentual (pp) para 0,25 pp, e os prováveis efeitos da mudança de direção do BC prevista para o fim do ano, o que deve impactar na política monetária em 2025.
A deterioração do arcabouço fiscal e o “racha” na votação da semana passada do Copom – que dividiu o órgão entre os indicados pelo governo Bolsonaro, com o presidente do BC, Roberto Campos Neto, à frente, de um lado; e de outro os nomeados pelo governo Lula da Silva – foram decisivos na mudança de percepção no cenário.
Weeks adverte que, a despeito de visões diferentes de política monetária entre os dois grupos no Copom e a votação dividida, a tendência de mudança nas decisões do BC tem como pano de fundo razões estruturais – em especial, a inflação.
“Apesar da inflação benigna, até agora, as condições pioraram, com um cenário mais desafiador, incluindo o nível de atividade e de emprego surpreendentes e os custos elevados da tragédia do Rio Grande do Sul, que indicam tendência de inflação mais forte para frente”, afirma o economista da Safra Asset.
Toledo, por sua vez, vê a política fiscal do governo, aliado à atividade econômica aquecida, como elementos-chave para a perspectiva de uma inflação mais elevada a médio prazo, apesar da tendência de queda em termos anuais verificada recentemente.
“A economia estava aquecida mesmo com juros a 13,75%, e ainda estamos mais próximos da expansão econômica do que do desaquecimento”, diz.
Toledo afirma que a atividade forte deverá dar o tom de alta de inflação no médio prazo. “O BC tende a ficar sem espaço para ser agressivo no corte de juros”, prevê.
Ata hawkish
As observações dos dois economistas foram feitas horas depois de o BC divulgar a ata da reunião do Copom da semana passada.
O tom do documento, considerado hawkish (duro), saiu em linha com a expectativa do mercado, indicando que o ciclo de afrouxamento monetário está perto do fim e que o compromisso do Copom é com a meta de inflação, o que justificaria a redução de 0,25 pp da Selic.
Chamou a atenção o fato de os quatro membros do Copom alinhados ao atual governo federal, que votaram pela redução de 0,50 pp, terem compartilhado da percepção de cenário, embora tenham dado maior peso relativo ao custo de oportunidade de não seguir o guidance frente à mudança do cenário desde a última reunião do órgão, em abril.
Para Weeks, o BC brasileiro terá dificuldade para trazer a inflação para meta, por causa da economia aquecida e o mercado de trabalho apertado, desancorando a inflação.
“Não vejo espaço para novas rodadas de queda de juros a partir de 2025”, afirma, apesar da mudança de direção do BC já ter sido consolidada até lá. “Se a inflação subir, o mercado vai pedir para aumentar os juros, e a nova direção do BC tende a reagir mais lentamente”, prevê.
Os dois economistas também comentaram o impacto da tragédia no sul do País na economia. Quanto aos custos para a reconstrução gaúcha, Daniel Weeks prevê um impacto de R$ 30 bilhões a R$ 60 bilhões em gastos do governo para este ano, algo em tono de 0,3% e 0,6% do PIB.
Ele acredita que as quebras de safras terão efeito inflacionário no curto prazo. No longo prazo, o aumento de inflação poderá ser definido pela demanda de bens duráveis e obras de reconstrução, de imóveis a empreendimentos.
Para Marcelo Toledo, ainda é cedo para prever o impacto do PIB, mas espera que seja acima de 1%. “O problema do governo continua o mesmo: a incompatibilidade entre as metas fiscais estipuladas e a trajetória de gastos”, afirma.