Na segunda-feira, 1º de maio, empresários e pessoas ligadas ao mercado financeiro amanheceram perplexos. No dia anterior, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou a medida provisória que estabelece as novas regras de tributação para ativos no exterior. O clima em grupos de trocas de mensagem era de incompreensão com o que estava sendo chamado de "canetada na calada da noite".
Esse movimento ocorre em um período de crescente internacionalização de investimentos por brasileiros. Avenue, XP, C6, BTG, Inter entre outras plataformas estão abrindo as portas de ativos estrangeiros, principalmente dos Estados Unidos, para o investidor local de classe média.
A MP 1.171 estabelece uma faixa de isenção para o pequeno investidor. Rendimentos que não ultrapassam R$ 6 mil (pouco mais de US$ 1.150 na cotação atual do dólar) não pagam imposto.
Mas, acima desse montante, o imposto passa a ser progressivo de 15% até R$ 50 mil (cerca de US$ 9.600) e de 22,5% acima de R$ 50 mil (mais de US$ 9.600). Fazem parte desse "pacote", além dos investimentos em ações e fundos, royalties, juros, dividendos, participações societárias, aluguéis e qualquer outro tipo de ganho de capital.
Os fundos de investimento seguem uma regra de tributação específica e essa nova regra vai compensar a tributação que já é feita lá fora.
Segundo o Banco Central, no fim do ano passado havia US$ 18,4 bilhões de capital brasileiro em ativos internacionais. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que o governo espera aumentar a arrecadação em até R$ 13,5 bilhões em três anos com as mudanças das regras dos rendimentos no exterior.
Nesse sentido, o que o governo está propondo é uma reorganização tributária. É uma tentativa de igualar as regras de investimento offshore de países desenvolvidos. Além disso, o ajuste deve passar a ser anual e encerrar a obrigatoriedade de preencher e pagar o carnê-leão mensalmente.
"Há muita incerteza ainda, mas é uma MP para gente com mais patrimônio, que na prática diferia 100% e recolhia muito pouco imposto. Agora, passará a recolher", diz o sócio de uma corretora que começou a analisar o texto na segunda com a equipe de advogados.
Porém, o governo também está de olho nos investidores que têm patrimônio alocado em paraísos fiscais. Pelas contas da Fazenda, mais de R$ 1 trilhão em ativos de pessoas físicas no exterior que recebem rendas passivas. O alvo são os trustee, veículos de investimentos administrado por terceiros em locais com isenção de impostos que remetem os lucros para o País.
"Chama a atenção que, diferentemente das tentativas anteriores de tributar os lucros de controladas no exterior por pessoas físicas, desta vez a MP amplia o escopo para incluir, além de entidades localizadas em paraísos fiscais ou beneficiárias de regime fiscal privilegiado, aquelas que apurem renda passiva acima de 20% da renda total", afirma Rubens Boicenco, advogado tributarista do CSA Advogados.
E como fica a reforma tributária?
O que mais surpreendeu o setor privado foi a forma como a MP foi assinada pelo presidente da República. A expectativa era que esse texto viria junto com a Reforma Tributária. Dessa maneira, há um temor de que o Governo Federal considere difícil aprovar a Reforma completa.
"Parece que o Lula entendeu que a Reforma tributária subiu no telhado", diz um executivo do mercado financeiro.
O próximo passo dessa MP é conseguir a aprovação do Congresso. É bom lembrar que em maio de 2022 o então ministro da Economia, Paulo Guedes, tentou pautar a tributação de offshores, mas que, segundo ele, sofria um enorme lobby contrário do sistema financeiro.
"A proposta que tem a minha assinatura tem a tributação offshore. Podemos fazer uma versão ais enxuta, tributando os super-ricos e reduzindo o imposto sobre as empresas", disse Guedes em várias ocasiões.
"O governo está achando que está com a pauta do Congresso na mão, mas eles esqueceram que o Arthur Lira (presidente da Câmara) já tinha dito que não aceitaria aumento de carga tributária", diz o advogado tributarista Pedro Casquet.
Mas, mesmo que a MP não seja aprovada, o governo está colocando o texto de tal forma que só permitirá a regularização dos ativos no exterior que constam na declaração de imposto de renda deste ano.
Só com esse movimento de regularização dos ativos no exterior, o objetivo é arrecadar R$ 3,25 bilhões neste ano.