Enquanto a Reforma Tributária vai avançando no Congresso pelo lado de bens e serviços, o governo federal começa a apresentar projetos pelo lado da renda e patrimônio, focando nos chamados “super-ricos”. E o que se vê neste primeiro momento é que o tema deve avançar lentamente, sem grandes vitórias para o Planalto.

Na segunda-feira, 28 de agosto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou uma Medida Provisória (MP) que prevê cobrança sobre sobre rendimentos de fundos exclusivos, ou fechados, e enviou ao Congresso um Projeto de Lei (PL) para tributar o capital aplicado offshores e trusts de residentes brasileiros.

Defendidos como formas de deixar o sistema tributário mais isonômico, menos regressivo e com novas fontes de arrecadação, os textos não devem ter vida fácil. Em meio a um Congresso com parlamentares de perfil conservador e o risco de judicialização de alguns pontos, a expectativa de especialistas ouvidos pelo NeoFeed é de tramitações lentas e mudanças nas propostas que podem levar a um resultado aquém do que o governo espera.

A MP assinada por Lula prevê a cobrança de 15% a 22,5% sobre rendimentos de fundos exclusivos, aqueles em que há um único cotista. A proposta, que ganhou o apelido de “MP dos Super-ricos”, determina que a cobrança será realizada duas vezes ao ano, no formato conhecido como “come-cotas”, diferentemente do que ocorre atualmente, em que a tributação é realizada apenas no resgate.

Já o PL das offshores e trusts estabelece a tributação anual de rendimentos de capital aplicado no exterior, com alíquotas progressivas de zero a 22,5%. As regras atualmente estabelecem que o capital investido no exterior é tributado apenas quando resgatado e remetido ao Brasil.

Os cálculos do governo apontam que a “MP dos Super-ricos” pode resultar em uma arrecadação de cerca de R$ 24 bilhões entre 2023 e 2026, enquanto o PL das offshores e trusts tem potencial de arrecadação da ordem de R$ 21 bilhões entre 2024 e 2026. A expectativa é de que esses valores abram caminho para compensar a decisão de ampliar a faixa de isenção de Imposto de Renda (IR) para quem ganha até R$ 2.640 por mês, dos atuais R$ 1.903.

Esses números, porém, dependem da manutenção dos textos como eles foram escritos pela equipe econômica, algo visto como difícil pelos especialistas.

No caso da MP dos fundos exclusivos, tributaristas já levantaram como ponto polêmico e passível de questionamentos na Justiça o fato de ele taxar o estoque de rendimentos, tudo o que foi acumulado desde a constituição do fundo até o final deste ano.

Para Richard Dotoli, sócio da área tributária da banca Costa Tavares Paes, essa possibilidade representa uma fonte de insegurança jurídica, considerando que muda regras estabelecidas no passado no meio do caminho. “Vejo com muita preocupação quando qualquer governo busca alterar regras para investimentos, é ruim institucionalmente, porque acaba afastando quem quer fazer investimentos no país”, afirma ele.

Dotoli também questiona os efeitos fiscais da medida. Ainda que possa gerar uma forte arrecadação em um primeiro momento, o efeito da tributação dos estoques deve se esvair ao longo do tempo. E os investidores devem se movimentar em busca de aplicações isentas ou com impostos menores. “O investidor vai se adaptar ou vai procurar outros regimes de tributação de investimentos”, afirma o tributarista.

Um ponto considerado preocupante na MP por Ricardo Bolan, sócio tributário do Lefosse Advogados, é que ela não exclui fundos de investimento de baixíssima liquidez, como é o caso de Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDCs) fechados. “Se esse ponto não for corrigido, deve gerar um desincentivo a investimentos nesses fundos e, por consequência, uma diminuição das fontes de financiamento das empresas brasileiras”, diz ele em nota.

O texto do PL das offshores e trusts também não escapa de críticas. Entre os pontos destacados por Bruno Habib, sócio da área tributária do Veirano Advogados, está o fato de o texto não ter tratado de forma específica da não tributação de ganhos não realizados. O governo colocou uma alternativa que permite ao investidor optar por declarar os ativos como se fossem detidos pela offshore, passando a oferecer somente os ganhos efetivamente realizados à tributação.

“Isso pode ser explorado por algum contribuinte que eventualmente não faça esta opção, opte por continuar com offshore, com todos os efeitos fiscais, e questione algum ganho não realizado de longo prazo, como um ganho de venture capital”, diz Habib.

O sócio do Veirano destaca também um trecho que abre caminho para a tributação de ganhos com variação cambial, algo que o próprio presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), disse que não pode constar num texto que trate da taxação de offshores.

Jogo duro no Congresso

Se os textos da MP e do PL já estão passando pelo escrutínio dos tributaristas, e começam a ganhar algumas críticas e sugestões de alteração, a expectativa é a de que eles também não sejam completamente bem recebidos no Congresso.

“Essa é uma agenda mais identificada com a esquerda e o perfil do Congresso é de centro-direita”, diz Rafael Cortez, cientista político e sócio da Tendências Consultoria. “E é uma agenda que mobiliza os grupos econômicos que têm voz com as lideranças, o que aumenta os riscos.”

Os primeiros sinais de dificuldades já começaram a aparecer. Em encontro com investidores promovido pelo Santander Brasil, na semana passada, o relator da Reforma Tributária na Câmara, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), se mostrou reticente em avaliar questões relacionadas à tributação de renda e patrimônio neste momento.

Aliado de Lira, ele disse que o tema da taxação de fundos exclusivos, do jeito que estava sendo conduzido até aquele momento, resultava na migração de recursos para fora do País. “O Congresso é a favor da justiça tributária, é o pensamento da maioria dos líderes, mas isso deve ser feito de forma inteligente”, afirmou.

Além da questão ideológica, o projeto também entra na disputa de poder entre Executivo e Legislativo, quando partidos do chamado Centrão buscam mais espaço no governo.

Para Cortez, o sucesso dependerá também do Planalto fazer concessões a esses grupos, com mobilização de cargos e nacos do Orçamento. Junto com o apelo do discurso de taxar os super-ricos, o governo Lula pode conseguir, no fim, passar os projetos. “Acho que o governo não vai ser derrotado, mas terá de aceitar textos menos ambiciosos”, afirma.