Gestoras pararam investimentos de crescimento, seguradoras chegaram a suspender aportes e o mercado se prepara para uma batalha jurídica. A disputa sobre o aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) já custa bilhões ao setor financeiro, mesmo sem decisão final do Supremo Tribunal Federal (STF), mas pela incerteza gerada.

A medida, anunciada por decreto em maio de 2025 e derrubada pelo Congresso Nacional em junho, criou um impasse institucional que agora tramita no STF. O governo tentou aumentar o IOF sobre fundos fechados de investimento em direitos creditórios (FIDCs) e sobre aportes acima de R$ 50 mil em planos de previdência privada, o Vida Gerador de Benefício Livre (VGBL).

Nos bastidores, administradoras e gestoras de fundos reorganizam processos, reforçam controles e redesenham estratégias para mitigar riscos. A incerteza regulatória já impacta decisões de investimento de forma concreta. Há inclusive o risco de investir agora sem o vigor da lei e em outra reviravolta ter cobranças retroativas. Indefinições que interferem nos preços dos ativos.

Na gestora de crédito Sparta, com R$ 17 bilhões sob gestão, a ordem é clara: enquanto não for definido o futuro dos FIDCs, não investir. "Vínhamos apimentando o nosso portfólio de crédito com FIDCs, mas paramos. Ninguém pode tomar risco sem entender o quanto está sendo remunerado por ele", afirma Ulisses Nehmi, CEO da Sparta Fundos de Investimento.

A Multiplica, gestora de FIDCs com R$ 16 bilhões sob gestão, vai na mesma linha. E revisou sua meta de crescer entre 40% e 50% no ano devido ao nível de incerteza. "Toda insegurança traz aumento de custo. No crédito, qualquer insegurança é preço. Isso terá que ser repassado de alguma forma", diz Eduardo Barbosa, sócio fundador do Grupo Multiplica.

Preparação para o pior cenário

Roberto Cortese, diretor executivo do Apex Group para a América Latina, uma das principais administradoras independentes de fundos, conta que houve uma "corrida de bastidores" para adaptar sistemas após o decreto. "Antes fomos pegos de surpresa, como não acontecia há 30 anos no Brasil. Agora, caso volte a vigorar, não seremos pegos despreparados", diz ele.

Durante os poucos dias em que o decreto vigorou, empresas tiveram ações de emergência. Algumas seguradoras impediram aportes e, na dúvida sobre o que cobrar, administradoras acabaram cobrando tudo dos investidores.

"Não ficou claro se a tributação recai sobre fundos abertos também, e nem o que acontece com fundos de fundos. Fica sendo bitributado? Tem administradora que na dúvida saiu cobrando tudo, o que de fato penaliza muito", afirma o gestor de uma grande gestora de FIDC.

A mudança de regra imediata e a disputa entre os poderes assusta e afasta o investidor internacional, que não vê estabilidade para investir. "A mudança de regra no meio do jogo assusta. É um fantasma do passado que volta", afirma Cortese.

Ricardo Maito, sócio do TozziniFreire Advogados, lembra que a Argentina fez mudanças similares e luta há anos para reaver credibilidade no mercado. "Mesmo que o custo de transação seja pequeno, o que afasta o investidor é a percepção de que o governo quer interferir no fluxo de capital", destaca.

Batalha jurídica

O mercado financeiro analisa os possíveis desfechos no STF. Entre quatro bancas de advocacia consultadas pelo NeoFeed, é unânime a tese de que o Supremo terá que se pronunciar, mas não necessariamente de forma rápida.

"O pior cenário é o STF demorar para decidir, pois a incerteza é a pior coisa. Há o agravante de o judiciário estar em férias, e não acreditamos que haverá uma decisão monocrática", afirma Mateus Campos, coordenador da área tributária do BVA Advogados, que estima decisão em cerca de um mês.

O governo defende que o IOF é um imposto extrafiscal, usado como instrumento de política econômica e cambial. Por isso, pode ter alíquotas alteradas por decreto sem necessidade de lei.

O Congresso contra-argumenta que o governo mostrou intenção de usar o imposto como forma arrecadatória, o que não está previsto na lei que regulamenta o IOF. Todo aumento de imposto com fins arrecadatórios deve passar pelo parlamento.

"Na minha visão, o argumento do Congresso é muito mais robusto. O governo deixou claro que o uso do IOF não é extrafiscal e tem caráter expressamente arrecadatório", afirma Filipe Carra Richter, sócio da área tributária do Veirano Advogados.

Para Michel Siqueira, sócio de Planejamento Patrimonial e Sucessório do Vieira Rezende, o governo já depôs contra si ao expor que o IOF é necessário para o ajuste fiscal. "Em termos acadêmicos seria analisado se há intenção de arrecadação ou não. E o governo não pode mais dizer que a intenção não é arrecadar depois de deixar isso claro. Complicou a sua defesa."

O governo estaria fazendo mudanças legislativas com este decreto. Um exemplo seria o caso do risco sacado -- operação comum no varejo para financiamento de fornecedores -- que foi equiparada a operação de crédito por decreto, gerando IOF. Constitucionalmente, essa equiparação só pode ser feita por lei.

Impasse institucional

Para especialistas jurídicos e o mercado, a judicialização criou um impasse difícil de resolver. Se o STF decidir a favor do governo, abre-se espaço para que o Executivo utilize decretos com fins arrecadatórios sem diálogo com o Congresso.

Mas, se decidir a favor do Congresso, o governo enfrentará dificuldade em aprovar medidas tributárias futuras sem articulação política. "A judicialização se torna uma faca de dois gumes: resolve a questão imediata, mas pode criar um precedente institucional perigoso", avalia Maito.

"O mais adequado seria chamar Executivo e Legislativo para a mesa e construir uma saída negociada, como já ocorreu em disputas fiscais no passado", complementa.

Enquanto isso, o mercado financeiro se prepara para uma batalha jurídica prolongada, com empresas organizando defesas por meio de advogados e associações setoriais. O consenso é que, caso o imposto volte a vigorar, haverá intensa judicialização dos casos.