Eventos de relevância internacional, fiscal e monetária embalam a terceira semana de um setembro em que política e economia se atropelam e cujo ápice, por ora, é a condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro e mais sete réus pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por tentativa de golpe de Estado e suas consequências. Entre elas, a proposta de anistia que chacoalha o Congresso.
As decisões da Corte poderão, contudo, ser ofuscadas pelo pronunciamento do presidente Lula na abertura da Assembleia Geral da ONU em Nova York, na terça-feira, 23 de setembro, ante a expectativa de que o presidente fará enfática defesa da democracia, da soberania nacional, do multilateralismo e da criação do estado palestino num momento em que Israel, em incursão terrestre, fecha o cerco sobre Gaza.
Caros ao governo brasileiro, esses temas têm fôlego para escancarar o antagonismo de Lula ao presidente Donald Trump, que discursará na sequência, confirmando o tradicional cronograma de exposição dos governantes no púlpito da ONU que completa 80 anos. Historicamente, a abertura da Assembleia Geral é feita pelo Brasil, seguida pelos EUA – sede do organismo multilateral.
Em meio à possibilidade de os EUA lançarem novas medidas contra o País nos próximos dias, como adiantou o secretário de Estado de Trump, Marco Rubio, recheiam a agenda externa uma série de indicadores de atividade da Europa e EUA, nova estimativa do PIB americano no segundo trimestre, inflação e discursos de cinco dirigentes do Federal Reserve, que cortou o juro na quarta-feira, 17, pela primeira vez no ano.
No Brasil, além da expectativa com a votação na Câmara e possível avanço concomitante no Senado de proposta alternativa à isenção do IR para quem ganha até R$ 5 mil – a mais importante promessa eleitoral de Lula e variável crítica para o pleito em 2026 –, a agenda prevê a divulgação do Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas na segunda-feira, 22 de setembro; da Ata do Copom na terça, 23; e a apresentação do Relatório de Política Monetária (RPM) na quinta, 25 – quando o Conselho Monetário Nacional se reúne.
Os documentos avançam em projeções tendo, de um lado, a política monetária contracionista e, de outro, a política fiscal expansionista. Embora apregoada pelo ministro Fernando Haddad e pelo presidente do BC Gabriel Galípolo, a harmonia entre essas políticas inexiste. Resultado? Um “cabo de guerra”, em que juro real estimado em 9,5% 12 meses à frente expande a dívida pública e se consolida como o segundo mais alto entre 40 países, atrás da Turquia que paga mais de 12% ao ano, aponta a MoneYou e Lev Intelligence.
Com a manutenção da Selic em 15% pelo Copom, a política monetária segue em prolongada restrição com efeitos já evidentes sobre o câmbio que aprecia e atrai capital externo e sobre o crescimento que desacelera como registraram o IBC-Br e Monitor do PIB que recuaram em julho. E na contramão de um resistente mercado de trabalho propulsor de renda turbinado por uma política fiscal e parafiscal ativa – um desafio de alto custo para o BC defender a inflação de 3%.
Bloqueio do Orçamento
Na segunda-feira, 22, os ministérios do Planejamento e Fazenda apresentam o Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias do quarto bimestre. No documento anterior, por arrecadação acima do esperado, o governo liberou R$ 20,6 bilhões em despesas que estavam restritas e reduziu o total de gastos sob contenção de R$ 31,3 bilhões para R$ 10,7 bilhões.
Naquele momento, o governo projetou déficit primário para o ano de R$ 26,3 bilhões, equivalente a 0,2% do PIB, indicando cumprimento da meta fiscal zero neste ano, a ser alcançada ainda que as contas apresentem déficit de 0,25% do PIB, equivalente a R$ 31 bilhões este ano, como prevê o arcabouço fiscal.
Para o Relatório do quarto bimestre, o especialista em política fiscal da XP Investimentos, Tiago Sbardelotto, estima bloqueio adicional de R$ 4,3 bilhões para o cumprimento do limite de despesas. O bloqueio é necessário devido ao aumento de gastos correntes, inclusive, pela redução gradual das filas de pedidos e consequente normalização do fluxo de pagamentos de benefícios previdenciários e assistenciais, o que pressionará tais despesas nos próximos meses, informou o economista ao NeoFeed.
Sbardelotto prevê o cumprimento da meta de déficit zero no limite inferior (déficit de 0,25% do PIB), lembrando que a receita mantém crescimento sólido, ainda que com sinais de desaceleração. Ele reconhece que as despesas obrigatórias continuam pressionando as contas. Entretanto, a execução mais fraca de despesas não obrigatórias garante algum alívio e pode levar a resultados fiscais favoráveis nos próximos meses.
Apesar de cumprir metas, observa o especialista, a dívida atingirá 79% do PIB ao final de 2025 e 83,4% em 2026. Sbardelotto entende que reformas fiscais são a chave para a reversão da tendência, mas com esforço significativo. “Mesmo supondo um cenário com juros reais mais baixos do que os atuais, 5% como exemplo, e PIB maior, 2,5%, o governo ainda precisaria realizar um superávit primário de 1,4% do PIB. Entretanto, desde o início do atual governo, o País vem contabilizando déficits”, lembra.
Apesar da perspectiva de cumprimento da meta, a Ata e o RPM poderão reiterar o bem-vindo alerta constante do BC de que “a política fiscal tem um impacto de curto prazo, majoritariamente por meio de estímulo à demanda agregada, e uma dimensão mais estrutural, que tem potencial de afetar a percepção sobre a sustentabilidade da dívida e impactar o prêmio a termo da curva de juros”.
De quebra, o RPM, poderá atualizar projeções para o PIB e para expansão do crédito que a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) prevê expandir 10,3% puxado por empréstimos às empresas, impulsionado por programas governamentais e recursos via BNDES. Política fiscal e parafiscal na veia.