Decisões do governo americano – do tarifaço à aplicação e consequências da Lei Magnitsky imposta ao ministro do STF Alexandre de Moraes que chacoalham os bancos na B3 – dominam preocupações e discussões dentro e fora do governo, politizam a pauta econômica e atropelam o debate sobre as contas públicas.
Mas a política fiscal voltará ao centro das atenções na última semana de agosto com o envio do Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2026 ao Congresso que deverá votar a proposta em dezembro. O instrumento que antecede e orienta a formulação do Orçamento, o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) chegou ao parlamento em abril e poderá ser votado em 3 de setembro.
O encaminhamento desses documentos e a previsibilidade para votação – que não deve disputar atenção com medidas de suporte às empresas contra efeitos do tarifaço – revelam cumprimento de prazos regulamentares. Excelente sinal. Nada comparável, portanto, ao trâmite e à aprovação do Orçamento de 2025 que ocorreu com três meses de atraso, em março, e não por acaso.
No ano passado, o Orçamento cedeu lugar ao pacote de “corte de gastos” anunciado em novembro, quando o governo orquestrou medidas para economizar R$ 70 bilhões em dois anos para conter uma onda de descrédito com a política fiscal. A iniciativa exigiu ajustes no Orçamento. Porém, o atraso melhorou as contas porque as despesas foram obrigatoriamente limitadas no início do ano.
Dessa vez, sem pressão de prêmios de risco sobre ativos, inclusive por maior confiança no cumprimento da meta fiscal, o Orçamento de 2026 deverá chegar ao Congresso até 31 de agosto e ancorado em superávit de 0,25% do PIB.
Meta que, se alcançada, será o primeiro saldo positivo da atual gestão e na “saideira” do terceiro mandato de Lula a turbinar expectativas com o quadro fiscal de 2027, quando o Planalto poderá estar sob novo comando ou com Lula marcando o quarto tento a depender do resultado da eleição daqui a um ano.
É fato que não há céu de brigadeiro para a política fiscal viciada em gastos contabilizados fora das metas, mas os maiores bancos comerciais privados do País – Itaú Unibanco, Bradesco e Santander – não preveem desastres à frente.
Em revisões de cenário macroeconômico, que neste agosto sofre ajustes cosméticos por desaceleração da atividade, da inflação e do câmbio e piora nas contas externas, projeções de déficit fiscal apontam para o intervalo de 0,40% a 0,90% do PIB em 2026. Sem desmontar projeções de arrecadação firme pela atividade em expansão, embora recuando, e medidas em análise parlamentar.
Entre elas, aumento da tributação sobre ativos virtuais e títulos incentivados para compensar perda parcial de receita com IOF; validação da alta desse mesmo imposto sobre transações amparada pelo STF; isenção de IR para quem ganha até R$ 5 mil que tem – em contrapartida para neutralidade no caixa – a incidência de um imposto mínimo sobre a alta renda; e limitação de isenções tributárias. Para fortalecer arrecadação, governo deve contar com recursos extraordinários que virão de concessões de petróleo.
Sem brecha para especulação sobre meta
O potencial ingresso de recursos no caixa do Tesouro reforça a determinação de Fernando Haddad e Simone Tebet que reiteraram publicamente, no início da semana, que o governo vai cumprir o que está pactuado. Ambos não dão brecha para especulações sobre ajustes no objetivo fiscal.
E os economistas do Itaú Unibanco estão com eles. Não esperam mudança na meta fiscal de 2026, graças às decisões que visam aumento de receita. O banco estima em cerca de R$ 20 bilhões a arrecadação com elevação de imposto sobre bets, fintechs, títulos incentivados, JCP e CSLL e menor compensação tributária.
O Itaú alerta, contudo, que “à frente o principal risco é a implementação de iniciativas que alterem, contornem, ou desfigurem explicitamente ou implicitamente as regras fiscais, executando ritmos mais elevados de crescimento das despesas e/ou maiores renúncias de receita”.
Para o banco, medidas de caráter estrutural para enfrentamento da rigidez e do crescimento elevado de despesas obrigatórias trariam maior credibilidade ao ajuste fiscal necessário para sustentabilidade da dívida pública e redução do endividamento.
Entretanto, sobre medidas desse quilate não há notícia para além de intenções. E sob o risco de apenas ilustrarem plataformas nos próximos meses com a largada da corrida eleitoral. Até por essa suspeita, os grandes bancos reforçam a preocupação nada nova, porém mais aguçada, com a trajetória da dívida bruta que deverá ultrapassar 80% do PIB este ano e alcançar 85% ao final de 2026 – um salto olímpico, ante 73,5% do PIB do início de Lula 3.0.
O Bradesco avalia que a premissa de cumprimento do arcabouço fiscal segue válida para este e o próximo ano, ainda que as discussões mais estruturais para ajustes de gastos avancem apenas para o Orçamento de 2027.
Na revisão de cenário, o Bradesco destaca a validação da cobrança de IOF a partir de 2026 que sustenta a previsão de aumento de receitas, permitindo que o déficit primário recue de 0,5% do PIB em 2025 para 0,4% em 2026. A dívida bruta, estima o banco, passará de 80,2% do PIB para 85,3%, de um ano para outro, ainda carente de estratégia de ajuste de médio prazo para estabilização.
Em linha semelhante, o Santander Brasil projeta déficit primário de 0,6% do PIB este ano e 0,9% em 2026, avalia que o desempenho fiscal no curto prazo segue positivo e destaca que a arrecadação fechou o primeiro semestre em alta de 4,4% acima da inflação – “resultado bastante robusto, impulsionado pela atividade robusta”, atesta o cenário macro recém-divulgado.
Para 2026, há desafios relevantes para a receita ante a desaceleração nominal do PIB, embora a aprovação de medidas ajude a reduzir a conta, afirma o Santander que prevê que a dívida bruta poderá chegar a 80,7% do PIB em 2025, mirando 97% no início da próxima década. O banco alerta que que a política fiscal segue como principal risco altista para inflação e juros.