“Surreal!” Assim Luana Lopes Lara define a notícia de ser a bilionária mais jovem do mundo a enriquecer por conta própria - sem ter herdado o patrimônio. Na terça-feira, 2 de dezembro, a startup cofundada por ela em Nova York, a Kalshi, recebeu um aporte de US$ 1 bilhão, liderada gestora Paradigm e que contou com a participação de Sequoia Capital, Andreessen Horowitz, Meritech Capital, IVP, ARK Invest, Anthos Capital, CapitalG e Y Combinator.
Com isso, a Kalshi foi avaliada em US$ 11 bilhões, o que fez a brasileira Luana ingressar no clube no qual apenas 0,000038% da população global tem acesso. “Atribuo grande parte do sucesso da Kalshi à persistência diante de todas as adversidades e à resiliência que demonstramos ao longo de muitos anos, sem jamais desistir”, diz Luna, que criou a startup ao lado de Tarek Mansour, em entrevista ao NeoFeed.
Fundada em 2018, em Nova York, a Kalshi opera uma bolsa em que se negocia, literalmente, o futuro. Economia, política, finanças, cultura, esportes, ciência, clima. Não à toa kalshi, em árabe, significa "tudo". A startup lança perguntas específicas sobre um determinado assunto e cria um mercado: “Oscar de melhor ator? Timothée Chalamet? Leonardo DiCaprio? Wagner Moura?”, por exemplo.
Para cada questão só há duas respostas possíveis: “sim” ou “não” — os chamados contratos de eventos, a nova classe de ativos criada por Luana e Tarek. Toda posição é negociada entre US$ 0,01 e US$ 0,99. Quem acerta a previsão recebe US$ 1 por contrato. Quem erra, perde tudo.
O preço de “um futuro” indica, na prática, a chance de ele vir a se realizar. Um acontecimento transacionado a US$ 0,63 tem 63% de probabilidade de ocorrer. Assim, a plataforma criada pela dupla funciona como um termômetro coletivo, em que a cotação reflete a expectativa da maioria dos investidores.
Luana e Tarek estudaram juntos no MIT, nos Estados Unidos, onde se formaram em ciência da computação. Durante a graduação, aproveitavam as férias de verão e programas de estágio para trabalhar em algumas das maiores firmas de Wall Street — ela na Bridgewater Associates e na Citadel Securities, ele no Goldman Sachs.
“Como traders, víamos as pessoas fazendo operações com base no que achavam que aconteceria com o Brexit ou com a eleição de Trump, por exemplo”, conta Luana. “Nós nos perguntávamos: e se as pessoas pudessem operar com base nos resultados desses eventos, como se opera com ações nos mercados financeiros?” Da curiosidade, nasceu a Kalshi.
Entre a ideia inovadora e o início das operações, porém, foram quase dois anos — de muita tomada de riscos e tensão. Mas os sócios estavam decididos: o projeto só avançaria com a aprovação do governo federal. Em novembro de 2020, o aval finalmente saiu. E a Kalshi se tornou a primeira bolsa de valores a operar resultados de eventos futuros totalmente regulamentada nos Estados Unidos.
O cuidado valeu. A principal concorrente deles, a Polymarket, em 2022 — dois anos depois de sua fundação — foi multada em US$ 1,4 milhão por promover mercados não registrados.
Em setembro do ano passado, a Kalshi voltou a fazer história. Por iniciativa de Luana, a empresa entrou na Justiça contra o governo e conquistou, pela primeira vez em mais de um século, o direito de oferecer contratos de eventos eleitorais. O pedido havia sido negado em setembro de 2023.
“Muitos duvidaram da nossa decisão”, lembra. “Mas eu lutei por isso.” Fez bem. No pleito presidencial de novembro de 2024, os investidores da Kalshi movimentaram mais de US$ 500 milhões. E, o mais importante, previram a vitória de Donald Trump sobre Kamala Harris.
Desde então, a empresa só faz crescer. Em menos de dois meses, passou de um valuation de US$ 5 bilhões para o atual de US$ 11 bilhões. O ano 2025 foi definitivamente o da Kalshi. Apenas nos primeiros 18 dias de setembro, a startup movimentou US$ 1,3 bilhão, o que lhe dá mais de 60% do volume do mercado de previsão, informa o site The Block, especializado em ativos digitais.
E o que dizer dos novos parceiros? Só aliado graúdo — xAI, de Elon Musk; o marketplace StockX e a Liga Nacional de Hóquei, apenas para citar alguns. A empresa também foi integrada ao sistema do Google Finance e às plataformas de investimentos Robinhood e Webull.
Luana atribui muita de sua disciplina e foco aos tempos de bailarina clássica profissional. Ao terminar o ensino médio, ela se formou na Escola do Teatro Bolshoi do Brasil, a única fora da Rússia. E, por nove meses, integrou o corpo de baile do Salzburger Landestheater, na Áustria.
Naquela época, ela chegava a dançar sete, oito horas por dia. Frequentemente, os professores mantinham um cigarro aceso rente à sua coxa para ver quanto tempo ela conseguia manter a perna levantada na altura da orelha sem se queimar, relata à revista Forbes.
Em 2013, porém, ela trocou as sapatilhas pela matemática. Os Lara têm vocação para as ciências exatas — a mãe é professora de matemática, o pai, engenheiro, e a irmã mais velha, PhD em engenharia industrial. Luana, mesmo quando menina, sagrou-se campeã das olimpíadas de matemática e de astronomia e astronáutica.
Ao aplicar para universidades americanas, foi aceita em Harvard, Stanford e Yale, mas escolheu o MIT — mais do que as outras, Massachusetts a tiraria da zona de conforto, justificou na época. Graças a uma bolsa da Fundação Educar, criada por Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira, formou-se em ciência da computação.
A jovem pode até estar bilionária, mas, como diz, “na Kalshi, o trabalho continua como sempre — ainda temos muito a realizar”. Ela acorda às seis da manhã e vai para a empresa, onde fica até o fim da tarde. No tempo livre, a fã de documentários históricos adora viajar e conhecer novos restaurantes em companhia da noiva e dos amigos.
Acompanhe, a seguir, os principais trechos da entrevista por e-mail de Luana para o NeoFeed.
Ah… antes, vale deixar registrado. Na manhã deste domingo, 7 de dezembro, a probabilidade de o mercado “Oscar de melhor ator” fechar em “sim” para Wagner Moura era de apenas 10% — terceira posição depois de Chalamet e DiCaprio.
O que difere a Kalshi de uma casa de apostas?
As pessoas costumam colocar mercados de previsão e cassinos no mesmo saco. Mas não são a mesma coisa. No Kalshi, você negocia com outras pessoas, não contra a casa. Isso significa que, se você perder, a casa ganha. Na Kalshi, somos mais transparentes e mais justos — menos exploradores.
Onde vocês ganham?
Ganhamos dinheiro da mesma forma que a maioria das corretoras: cobramos taxas de transação em todas as negociações.
Se hoje os mercados de previsão são ainda pouco conhecidos, imagino sete anos atrás. De onde veio a ideia de trabalhar nessa área?
Como traders, víamos as pessoas fazendo operações com base no que achavam que aconteceria com o Brexit e com a eleição de Trump, por exemplo. Muitas negociações eram baseadas em opiniões sobre eventos futuros. Pacotes financeiros complexos a um preço alto. Mas esses pacotes eram apenas indicadores: basicamente, um conjunto de curvas de risco combinadas para aproximar a exposição binária ao evento.
Qual é a diferença para o que a Kalshi faz?
Não era possível negociar o evento diretamente em si, embora isso fosse mais simples e mais barato. Certa noite, durante um estágio em Wall Street, enquanto voltávamos para casa a pé, finalmente a ideia surgiu: “E se as pessoas pudessem operar com base nos resultados desses eventos, como se opera com ações nos mercados financeiros?”
A Kalshi foi fundada em 2018, mas só começou a operar em 2020. Por que a demora?
Enfrentamos grandes desafios ao longo do caminho, mas isso só nos tornou mais determinados a ir atrás do sucesso. Obter a aprovação regulatória foi um objetivo fundamental para a Kalshi desde o início. Levou tempo até conseguirmos legalizar os mercados de previsão para eventos do mundo real. Foi um feito inédito. Depois, processamos o governo para permitir a entrada de mercados relacionados a eleições na Kalshi.
O que aconteceu?
Solicitamos permissão da CFTC [Comissão de Negociação de Futuros de Commodities] para oferecer contratos de eventos eleitorais. A CFTC, porém, expressou preocupações sobre a potencial manipulação e os impactos na integridade das eleições, o que levou à rejeição da proposta da Kalshi. Muitos duvidaram da nossa decisão de processar o governo, mas eu lutei por isso. E, em 2024, pouco antes da eleição presidencial dos Estados Unidos, vencemos.
É verdade que os anos como bailarina foram os mais intensos de sua vida?
O balé exigiu muito sacrifício e disciplina. A rotina era exaustiva. Eu dançava por horas. Além disso, tive de mudar para o sul do Brasil [a escola do Bolshoi fica em Joinville] e ficar longe de minha família. Mas eu estava fazendo algo que amava.
Qual foi a influência de seus pais em sua escolha pela matemática?
Eles criaram a mim e à minha irmã com a convicção de que poderíamos fazer tudo o que quiséssemos. Minha família me ensinou a acreditar em mim mesma. E isso me deu a confiança necessária para trilhar meu próprio caminho desde cedo. Foi o que me fez tornar bailarina e, mais tarde, fundar a Kalshi. Nada é “loucura demais”. Você não quer olhar para trás e descobrir que desperdiçou todo o seu potencial.