Enzo Ferrari tinha apenas 27 anos quando fundou, na cidade italiana de Módena, a escuderia e a montadora Ferrari. Era 1925, época em que pouco se falava sobre a importância do marketing no mundo dos negócios. Mas, o ex-piloto de corridas e empresário soube cuidar de sua imagem pessoal, como poucos.

As aparições públicas eram raras e, quando aconteciam, minuciosamente planejadas. Tudo para realçar a imagem de um “grande homem”, reverenciado como criador de alguns dos automóveis mais admirados e cobiçados do planeta, dentro e fora das pistas de Fórmula 1 (F1).

“Não foi por acaso que esse homem simples de Módena alcançou uma estatura quase sobre-humana entre seus afeiçoados seguidores ao redor do mundo, o que, por sua vez, trouxe enormes benefícios para os negócios na região conduzidos por ele por quase 60 anos”, escreve o jornalista americano Brock Yates, em "Ferrari – O homem por trás das máquinas".

Considerada a melhor biografia do empresário, o livro ganha versão inédita no Brasil, pela editora BestSeller. O lançamento da obra coincide com a estreia, no dia 22 fevereiro, nos cinemas brasileiros, do filme Ferrari. Dirigido por Michael Mann e tendo o ator Adam Driver como protagonista, o longa foi inspirado no trabalho de Yates.

O autor reconhece: a figura que brota de sua pesquisa poderia ofender muitos dos seguidores do empresário, para quem ele era um semideus, um gênio capaz de criar carros incríveis, a partir de chapas de aço e alumínio.

“Infelizmente, este não era o caso e, ao dissecar esse mito, serei, sem dúvida, acusado de ser o pior tipo de denunciador de escândalos e revisionista”, defende o americano.

O "cavallino rampante" se torno símbolo de luxo, excelência e desempenho (Foto: Ferrari)
O "cavallino rampante": luxo, excelência e desempenho (Foto: Ferrari)

Afinal, como ele diz, “os admiradores dedicam uma devoção irracional a Enzo Ferrari, tão intensa quanto a que foi desfrutada por Elvis, morto há tanto tempo, e por ídolos do cinema como James Dean e Marilyn Monroe”.

Yates adverte: “Contudo, o leitor deve prestar atenção ao fato de que, após sua morte, Enzo Ferrari se tornou mais uma mini-indústria do que um simples mortal”.

Em resumo, uma grande estrutura financeira foi construída para sustentar a mística em torno de Ferrari e da Ferrari.

"Presença poderosa"

Como define o autor, a aura do homem por trás das máquinas se tornou uma commodity e mantê-la virou uma questão de especulação financeira – "em diversas ocasiões, donos de Ferrari preocupados me perguntaram se meu livro afetaria negativamente o valor de seus carros”, conta o biógrafo.

Irascível, Ferrari era uma “presença poderosa, absolutamente confiante em sua capacidade de dominar as multidões de clientes reverentes, fornecedores ansiosos, jornalistas ocasionalmente belicosos e admiradores curiosos”.

A morte de seu primogênito, em 1956, tornaria Ferrari um homem também amargo; ainda mais recluso. Aos 24 anos, o engenheiro automobilístico Alfredino sucumbiu a um quadro grave de distrofia muscular progressiva. Desde então, o pai nunca mais pisou em uma pista de corrida nem apareceu em público sem óculos escuros.

Impossível negar, entretanto, o fascínio despertado pela vida pessoal e o modo de fazer negócios de Ferrari.

Quando pequeno, ele queria ser tenor de ópera, mas, aos 10 anos, se apaixonou pelo automobilismo ao assistir, no circuito de Bolonha, à corrida de carros de 1908. A velocidade se tornou uma obsessão.

Ferrari participou de sua primeira corrida em 1919 (Foto: Ferrari)
Ferrari participou de sua primeira corrida em 1919 (Foto: Ferrari)

Ainda adolescente trabalhou como mecânico de carros e virou piloto de testes na Costruzioni Mecaniche National, uma fábrica de Milão que transformava a carroceria de caminhões usados em pequenos carros de passeio.

Aos 21 anos, tentou trabalhar na Fiat, mas foi recusado e, pouco mais tarde, entraria na Alfa Romeo também como piloto. Em 1925, Ferrari fundou a escuderia.

Nem a morte do empresário há 36 anos tirou o brilho e o encantamento despertados pelo cavallino rampante – o cavalo empinado da Ferrari é um dos símbolos corporativos mais reconhecidos do mundo, sinônimo de excelência, desempenho e luxo.

E é essa trajetória que o livro de Yates resgata. Dos dramas pessoais às estratégias que fizeram da Ferrari o que a marca é até hoje.

"Um homem deve ter duas mulheres"

Estão lá, por exemplo, as dificuldades de relacionamento com o filho Piero, nascido de um caso extraconjugal de Ferrari com Lina Lardi, em 1945. Vice-presidente da empresa desde 1989, Piero desempenhou um papel fundamental no legado e na preservação dos valores da empresa.

Como relatado no livro, Ferrari defendia que “um homem deve ter sempre duas mulheres”. “Ferrari era obcecado por sexo. Em jantares, longas conversas com colaboradores próximos se concentravam em mulheres. Ferrari se orgulhava de suas conquistas. ‘As mulheres eram apenas objetos’, lembra alguém que trabalhou próximo a ele durante anos”, lê-se na obra.

Yates aborda ainda a história das corridas de carros esportivos das décadas de 1920 e 1930, basicamente uma Formula Libre ou aquilo que os pilotos de stock-car do sul dos Estados Unidos definiam como “corra com o que você trouxer”.

No filme Ferrari, o ator Adam Driver interpreta Enzo Ferrari (Foto: Diamond Films)
No filme Ferrari, o ator Adam Driver interpreta Enzo Ferrari (Foto: Diamond Films)

O autor detalha a construção dos primeiros carros da Ferrari, o que não foi fácil de apurar porque os arquivos são inacessíveis até para os historiadores automobilísticos mais respeitados. Até o número exato de carros produzidos pela empresa nos primeiros anos é difícil de determinar.

Em "Ferrari – O homem por trás das máquinas", Yates esmiúça a chegada da primeira Ferrari ao mercado americano - o modelo 166SC (Spyder Corsa), chassis número 016-1. O automóvel foi vendido pelo esportista italiano, radicado nos Estados Unidos, Luigi Chinetti para o empreendedor e também corredor de carros Briggs Cunningham, no outono de 1948, por US$ 9 mil.

A equipe de F1 mais valiosa

Há um capítulo dedicado à guerra entre Ferrari e Ford – aliás, tema de um outro filme, de 2019, dirigido por James Mangold. Na virada dos anos 1950 para 1960, a batalha entre as montadoras italiana e americana foi comparada à briga entre Davi e o gigante Golias.

Para o autor, embora a Ford Motor Company investisse mais dinheiro para construir um carro de corrida que derrubasse a hegemonia da Ferrari, a italiana tinha mais experiência nas pistas e o modelo de gestão da empresa era mais enxuto e flexível, o que tornava as tomadas de decisão e as inovações mais ágeis e assertivas.

Como "atmosfera política na fábrica se tornou insuportável", Niki Lauda se afastou da Ferrari. Na imagem, o piloto vence Mônaco, em 1975 (Foto: Ferrari)
Como a "atmosfera política na fábrica se tornou insuportável", Niki Lauda se afastou da Ferrari. Na imagem, o piloto vence o GP de Mônaco, em 1975 (Foto: Ferrari)

O último capítulo é sobre a F1. E as histórias são saborosas, com feitos incríveis. Nos quatro anos em que o austríaco Niki Lauda (1949-2019) pilotou para a Ferrari, por exemplo, ele venceu 15 vezes, ficou 12 vezes em segundo lugar e teve nada menos que 23 pole positions. Levou dois campeonatos mundiais.

Mas nem tudo eram louros. “Como muitos pilotos, [Lauda] percebeu que a atmosfera política na fábrica se tornou insuportável e isso por si só levou ao seu afastamento”, informa o livro.

Avaliada em US$ 3,9 bilhões, a Ferrari é a equipe de F1 mais valiosa do mundo, conforme ranking elaborado em 2023, pela revista americana Forbes.

Tendo competido na categoria desde o primeiro Grande Prêmio oficial, em 1950, é líder indiscutível em número de vitórias. Foram 16, no total - sete a mais do que qualquer outra escuderia.

Capa do livro <em>Ferrari -- O homem por trás das máquinas</em> (Foto: Divulgação)
Capa do livro Ferrari - O homem por trás das máquinas (Foto: Divulgação)

Serviço:
Ferrari – O homem por trás das máquinas
Autor: Brock Yates
Editora: BestSeller
552 páginas
Preço: R$ 69,90