Deu no New York Times. Mais especificamente, na edição de 14 de junho de 2021: "Jill Biden modela amor e sustentabilidade no G7". A notícia é sobre o estilo da então primeira-dama dos Estados Unidos em sua primeira viagem internacional — um encontro na Inglaterra das sete nações democráticas mais ricas do mundo.

Depois de Jill usar o blazer preto Zadig & Voltaire com a palavra “LOVE”, estampada com strass nas costas, seu guarda-roupa foi minuciosamente analisado. Para o jantar do casal Biden com a família real britânica, a jornalista Vanessa Friedman anota a "bolsa Marina Larroudé". As imagens da primeira-dama com a rainha Elizabeth ganharam o planeta e alçaram a paulista de Araçatuba à fama global.

Desde a graduação em comunicação pela Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), em São Paulo, Marina trabalhou com moda, mas naquele momento seu dom para design era pouco conhecido. Ela e o marido Ricardo haviam fundado a Larroudé não havia nem dois anos — em 2020, em Nova York, onde o casal vive há mais de duas décadas.

O sucesso foi imediato e, de lá para cá, a marca de sapatos e bolsas só faz crescer. Os modelos criados por Marina vestem os pés de uma constelação de estrelas. Taylor Swift, Rihanna, Jennifer Lopez, Lady Gaga, Selena Gomez, Sydney Sweeney, Lupita Nyong’o, Salma Hayek, Emily Blunt, Kirsten DunstBlue Ivy, primogênita de Beyoncé e Jay-Z, usou a bota The Dolly no Emmy de 2024… ah, e Alicia Keys é cliente fiel.

“No dia em que elas aparecem usando nossas criações, é o máximo. Mas, no seguinte, já estou me desafiando novamente”, conta Marina, em conversa com o NeoFeed. É essa inquietação que pauta o modo como a designer e Ricardo tocam os negócios.

Não à toa, em 2024, a Larroudé foi eleita a marca do ano no Footwear News Achievement Awards, o “Oscar” dos calçados. Também no ano passado, a marca entrou na lista das empresas mais inovadoras da revista Fast Company.

Foi pensando em chacoalhar um mercado “dormente”, como define Marina, que o casal escolheu trabalhar com sapatos. “Nos Estados Unidos, as marcas de luxo estavam meio ultrapassadas e não conversavam com a mulher atual”, diz ela.

Os Larroudé viram ali um espaço a ser explorado: produtos de qualidade, com preços acessíveis (US$ 325, em média) e, como se diz no universo fashion, informação de moda — ou seja, que incorporam tendências de estilo.

São cerca de 500 modelos. Sapatilhas, botas, rasteiras, tênis, mules, scarpins, clogs, loafers, plataformas… de salto alto, médio, baixo e sem salto… em couro, ráfia ou tecido dos mais diversos tipos, lisos, estampados ou multicoloridos… alguns mais sérios, outros irreverentes, ousados e extravagantes.

Nos quase três anos como diretora de moda da Barneys, entre 2017 e 2019, Marina reparava: frequentemente, as clientes ficavam tentadas a levar os modelos mais divertidos das grifes de luxo. Mas, por causa dos preços, sempre escolhiam os mais clássicos — e na cor preta, que vai com tudo.

Sem desespero com o tarifaço

Toda a produção da Larroude acontece no Brasil. E, desde 2023, em fábrica própria, localizada na cidade gaúcha de Sapiranga, no Vale dos Sinos, um dos principais polos da indústria calçadista no país.

Em março, o espaço foi ampliado para 9 mil metros quadrados e capacidade de produção de cerca de mil pares por dia. Lá trabalham 550 pessoas — 60% delas, mulheres.

Com a verticalização do negócio, a marca ganha agilidade, transparência e sustentabilidade. É o que garante, por exemplo, a abordagem made to order.

Grande parte dos modelos só é fabricada sob demanda — uma das apostas do ecossistema de inovação fashion rumo à moda ética, ao evitar o desperdício de recursos naturais e o acúmulo de resíduos.

Os produtos ficam em pré-venda por um tempo, com 30% de desconto. Passado esse período, apenas um número limitado de peças é disponibilizado pelo preço integral.

Além disso, todos os curtumes com os quais a Larroudé trabalha são certificados pela Leather Working Group, organização global sem fins lucrativos de promoção das práticas de gestão ambiental na indústria do couro.

Entre as celebridades que já calçaram Laurroudé estão Sydney Sweeney, Selena Gomez, Jennifer Lopez, Kirsten Dunst, Rihanna e Taylor Swift

Blue Ivy, a "it-filha" de Beyoncé, apareceu na cerimônia do Emmy de 2024 com botas da Larroudé, Alicia Keys é cliente da marca e Lupita Nyong’otambém já usou a marca

A bolsa usada por Jill Biden, ex-primeira-dama dos Estados Unidos, em encontro com a rainha Elizabeth, em 2021, projetou a Larroudé internacionalmente

Os scarpins em couro (Foto: larroude.com)

Em vários materiais e estampas, a sapatilha Verona é um dos sucessos da Larroudé (Foto: larroude.com)

Os modelos criados por Marina Larroudé vão do clássico ao irreverente e ousado (Foto: larroude.com)

Os tênis também estão os mais pedidos (Foto: larroude.com)

A fábrica em Sapiranga, no Rio Grande do Sul, tem 9 mil metros quadrados e emprega 550 pessoas

Graças ao modelo de operação adotado pela Larroudé, Marina e Ricardo não estão tão assustados com o tarifaço de Donald Trump. Ao reduzir os custos com intermediários e diminuir a dependência de fornecedores externos, a integração vertical tende a dar mais liberdade para o controle sobre as margens de lucro.

“Naturalmente, teremos de aumentar o preço um pouco”, diz a designer. “Mas não será nada que, de repente, vá de US$ 300 para US$ 500.” Como já estimado por Ricardo, o acréscimo deve ficar em torno de 2%.

O foco, a partir de agora, no mercado brasileiro deve também aliviar a pressão sobre a marca nos Estados Unidos. Os sapatos da Larroudé só ganharam um e-commerce aqui em outubro de 2024. E, apesar do pouco tempo, o país já responde por 10% das vendas globais.

Outro fator determinante para a evolução meteórica da Larroudé são as collabs. Ao expor a marca a uma base alternativa de clientes, Marina e Ricardo alcançam novos públicos — uma estratégia adotada por eles desde o início.

Do encontro com a Melissa criaram-se os chinelos slide floridos e o “sapato da Cinderela” e, do trabalho com a artista cubano-americana Gabriele Noelle, as mules decoradas com flores de acrílico.

Da associação com o estilista Joseph Altuzarra, nasceram os elegantes scarpins de couro espelhado; e da união com a Libertine, queridinha entre os fashionistas, uma seleção de modelos provocantes como a bota de cano altíssimo e couro pintado com o skyline de Los Angeles.

Nas nuvens

E pensar que tudo começou na sala de estar do apartamento dos Larroudé em Manhattan, onde Marina e Ricardo vivem com o casal de filhos adolescentes.

Marina chegou à Barneys em 2017, onde ficou quase três anos. Antes, por mais de uma década, ela se dedicou ao mercado editorial de moda, com passagens pela Vogue Brasil, em São Paulo, e, já em Nova York, pelo extinto Style.com, o portal da Condé Nast.

Formado pela FGV, Ricardo vinha do mercado financeiro, tendo trabalhado como investidor sênior no Apollo Global Management e head de finanças globais da AB InBev.

Pois bem, em 2020, os dois estavam desempregados. E, no auge da crise sanitária imposta pela Covid-19, eles resolveram empreender.

Juntaram US$ 100 mil e lá foram eles criar sapatos. Não foi fácil. Como descobririam logo, calçado (bem feito) é complicadíssimo de desenvolver. Os tamanhos são precisos e cada modelo exige uma forma, entre outras muitas dificuldades.

Mas eles não esmoreceram. Hoje, pode-se dizer, são experts. Até inventam moda. Como o QR Code na sola de cada sapato que funciona como uma espécie de “carteira digital”. A cada compra, a cliente ganha US$ 20 a serem resgatados na próxima visita ao site.

Se ela compartilhar o token com uma amiga, por exemplo, a presenteada dispõe de um crédito de U$ 20 na primeira aquisição.

Outra inovação da marca é a “Larroudé cloud”, uma espuma capaz de se moldar ao pé e absorver o impacto das pisadas. Tudo para que as clientes se sintam caminhando sobre as nuvens.

Nas nuvens estão Marina e Ricardo à frente de um negócio de receita anual, segundo a Forbes Women, prestes a atingir os nove dígitos.