O empresário Leo Montesanto, fundador da Coffee ++, decidiu botar a boca no trombone. No perfil da empresa no Instagram, com 241 mil seguidores, ele postou um vídeo contando que está sendo processado pela Nestlé em função de uma disputa pela marca. E avisou que partiria para a briga.
Fundada em outubro de 2020, a Coffee ++ nasceu como um e-commerce especializado em cafés especiais de alta pontuação. Quase cinco anos depois, os 30 itens do portfólio chegam a redes de varejo de 20 estados, além de 4 mil pontos físicos de venda, como cafeterias e empórios.
Por mês, segundo Montesanto, são comercializadas 150 toneladas de café. Pacotes com 250 gramas de grãos torrados custam R$ 39,99 na loja online.
O imbróglio com a Nestlé começou há três meses, quando Montesanto foi surpreendido pela mensagem de um amigo, que dava os parabéns pela “collab da Coffee ++ com a Nespresso”, que pertence à Nestlé. A parceria, porém, nunca existiu.
“Ele entrou em uma loja Nespresso, nos Estados Unidos, viu um produto chamado Coffee + e me mandou a foto”, conta Montesanto ao NeoFeed. “Em vez de dois sinais de mais, havia um só. Era a única diferença.”
Intrigado com a informação, o empresário correu a uma loja Nespresso de Belo Horizonte, em Minas Gerais, onde mora, e constatou que o produto também estava à venda no mercado nacional.
Coube ao escritório Totall Marcas e Propriedade Intelectual, que registrou a marca no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), em 2020, enviar uma notificação extrajudicial à Nestlé, avisando que a marca já existia no Brasil e também havia sido registrada nos Estados Unidos, União Europeia, Japão, China e Canadá.
Rafael Terra, sócio de Montesanto na Coffee ++ e advogado de formação, relata ao NeoFeed que a primeira reação da Nestlé parecia amistosa.
“Em reunião online com nossos advogados, o escritório Dannemann Siemsen, que representa a Nestlé, alegou que o cliente não estava violando nosso registro, já que considerava a marca muito genérica, mas se comprometeu a mudar o posicionamento no Brasil", lembra ele. "De fato, eles removeram o produto do site brasileiro e alteraram a indexação no Google. Se você pesquisasse, não encontrava nenhuma menção. Mas os produtos continuaram à venda, o que nos motivou a mandar uma tréplica.”
Nessa segunda notificação extrajudicial, a Coffee ++ estabeleceu um prazo de 120 dias para que a Nestlé deixasse de comercializar a marca, ao menos no Brasil. Em contrapartida, a empresa mineira se comprometia a conviver pacificamente com a concorrente em território estrangeiro. Foi aí que o caldo entornou.
A reação dos advogados da Nestlé veio sob a forma de uma ação judicial, na qual a Coffee ++ e o INPI aparecem como réus. Agora, a multinacional pede a anulação do registro da marca da empresa mineira.
Segundo Vinicius Oliveira, fundador do Totall Marcas e Propriedade Intelectual, ações de nulidade de registro de marca são possíveis dentro do prazo de cinco anos — e a Nestlé aproveitou que ele estava a dias de expirar.
A versão da Nestlé
Há uma chance razoável de vitória para a Nestlé. Segundo o advogado Jacques Labrunie, professor de Direito Comercial e de Direito da Propriedade Intelectual na PUC/SP, cerca de 50% das decisões judiciais dão ganho de causa para o INPI – o que significa que o órgão perde metade das ações.
Se a Nestlé vencer a contenda, a Coffee ++ não será obrigada a trocar de nome, mas perderá o registro. Na prática, qualquer outra empresa poderá usar marca igual ou parecida. Mas a decisão não deve sair tão cedo, já que o Judiciário entra em recesso em 20 de dezembro e só retorna ao expediente em 6 de janeiro.
O NeoFeed pediu à Nestlé que contasse sua versão dos fatos. A multinacional se pronunciou através da seguinte nota:
“Nestlé e Nespresso esclarecem que, em nenhum momento, buscaram a Justiça para impedir a comercialização ou veiculação de qualquer produto. As empresas, respondendo a uma notificação da brasileira Coffee++, entendem que os termos “coffee” e o símbolo “+” são descritivos e não devem ter seu uso restringido para a identificação de produtos no mercado de cafés.
A nova linha Nespresso Coffee+ foi lançada no Brasil em maio de 2025 e tem como principal diferencial a adição de vitaminas aos cafés, atrelando funcionalidade à qualidade mundialmente reconhecida dos produtos da marca.
As empresas reforçam seu compromisso de valorização e colaboração estreita com a cadeia do café no país, do campo ao pós-consumo, para garantir o avanço da qualidade e da sustentabilidade na cafeicultura brasileira.”
Em busca de apoio
O nome da Coffee ++ não foi escolhido por acaso. Leo Montesanto é neto de Aprígio Tavares, comerciante que adquiriu a Três Corações, nos anos 1980.
Seu pai é Ricardo Tavares, que transformou a marca em uma das mais importantes do setor e, depois de vendê-la, criou a Sucos Mais, posteriormente repassada à Coca-Cola.
Quando lançou o e-commerce, a família quis usar outra vez a palavra “mais”, conforme Oliveira conta ao NeoFeed: “Para garantir o caráter distintivo da marca, trocamos a palavra pelo duplo sinal de mais”.
Ricardo Tavares vendeu a Três Corações, mas segue no ramo à frente do grupo Montesanto Tavares, uma das maiores exportadoras de café do país, atualmente em processo de recuperação judicial. O filho desligou-se oficialmente da empresa do pai para empreender. Costuma dizer que sua missão é permitir que o brasileiro tome os melhores cafés especiais — e se apresenta como “cafequizador”.
Através da campanha que tem feito nas redes sociais, em defesa da sua marca, Montesanto tem esperança de conquistar a simpatia de outros empresários do setor e transformar a disputa em uma espécie de guerra de estrangeiros contra o café brasileiro.
Diz que está buscando apoio oficial entre associações – por enquanto, a única nota de solidariedade foi assinada pela Academia Latino-Americana do Agronegócio (Alagro).
Curiosamente, o empresário também repostou no Instagram da Coffee ++ um vídeo negativo para a empresa. Luciana Araujo, que se apresenta como Madame TM e agente da propriedade industrial habilitada pelo INPI, oferece serviço de assessoria para registro de marcas e avaliou que a Montesanto “deu um tiro no pé” ao entrar na disputa com a Nestlé.
Na opinião dela, a marca Coffee ++ não tem distintividade, ou seja, usa palavra e sinais gráficos genéricos demais para a categoria e nem deveria ter sido registrada pelo INPI.