O gingado dos ingredientes brasileiros somado às técnicas apuradas da culinária francesa renderam ao chef carioca Raphael Rego a única estrela Michelin de uma cozinha brasileira fora do Brasil.

Aos 40 anos, 24 deles vivendo no exterior, ele construiu sua carreira trabalhando em diversas cozinhas estreladas até abrir o seu próprio restaurante em 2014. Batizada OKA, a casa franco-brasileira acaba de ganhar um “irmão” caçula, o bistrô Fogo.

Em janeiro, o chef se mudou com sua equipe de 25 pessoas de um imóvel de 90 metros quadrados (m²), no 5º arrondissement de Paris, para um espaço de 350 m² próximo ao Arco do Triunfo.

O novo endereço comporta o clássico OKA, que funciona com menu-degustação, e o Fogo, cujo foco são alimentos preparados na brasa, servidos à la carte.

“Idealizei o OKA, que em tupi-Guarani significa casa, como um restaurante francês com um capitão brasileiro”, diz Raphael, em conversa com o NeoFeed. “Minha cozinha é uma mistura de tudo o que eu sou. E é isso o que eu quero oferecer aos meus clientes.”

Assinado pelo arquiteto francês Arnauld Behzadi, responsável por projetos em hotéis cinco estrelas, como o Les Jardins du Faubourg de Paris, o centro do novo ateliê gastronômico do chef carioca é uma cozinha aberta para os dois restaurantes --onde os clientes do OKA e do Fogo podem observar a “mágica” acontecer.

Na brasa

No Fogo, bistrô para 36 comensais, com almoço e jantar, os ingredientes franceses e brasileiros se combinam na brasa.

Picanha de wagyu farofa de mandioca e legumes, com rapadura é um dos pratos do Fogo (Foto: Joann Pai)
Picanha de wagyu farofa de mandioca e legumes, com rapadura é um dos pratos do Fogo (Foto: Joann Pai)

O menu traz pratos como peixe grelhado com manteiga de maracujá e pimenta de cheiro; e picanha de wagyu maturada por 60 dias com farofa de mandioca e legumes na brasa com rapadura.

Outra novidade é que, pela primeira vez, os restaurantes de Raphael contam com produtos produzidos em uma horta orgânica própria, localizada nos arredores de Paris.

A plantação foi apoiada pelo grupo Inter Invest & Elevation Capital Partners, dos sócios Benoit Petit e Guillaume Donnedieu. A proposta é produzir localmente os legumes, temperos e hortaliças usadas nos menus.

“Dentro da minha visão de cozinha, trabalhar de forma indireta com os produtos que utilizo para cozinhar não é mais suficiente”, explica Raphael, que já plantou sementes de maracujá do mato e chuchu na nova horta.

No entanto, os pequenos produtores locais, que trabalham com o chef há anos, continuarão sendo os principais fornecedores dos ingredientes brasileiros que desenvolvem características únicas em solo francês. Caso do feijão preto, que ficou mais tenro do que o original; e do jambu, que adquiriu um sabor menos pungente sob as influências do clima europeu.

A ida para Paris

Com uma história inusitada, Raphael gosta de brincar que virou chef por acaso. O primeiro contato dele com a gastronomia foi na cozinha do Relais & Chateaux, na Austrália, uma rede de hotéis de luxo na qual ele trabalhou para bancar seus estudos na área de marketing.

Daquele primeiro emprego, aos 17 anos, em diante, a cozinha arrematou o coração do chef. “Entrei pela porta da frente e tive acesso a grandes chefs do mundo todo”, lembra Raphael. Em 2008, ele decidiu se mudar para Paris para ficar mais perto do “berço da gastronomia”, como define.

Na capital francesa, ele passou por conceituados restaurantes, como o L’Atelier de Joël Robuchon, o Le Taillevent e o Maison Rostang, do chef Michel Rostang.

“Os sabores do Brasil são minhas referências, mas tento fazer algo diferente”, diz o chef (Foto: Joann Pai)
“Os sabores do Brasil são minhas referências, mas tento fazer algo diferente”, diz o chef (Foto: Joann Pai)

Em 2014, abriu a primeira versão do OKA, em um espaço de 45 m². No início, ele penou para superar as barreiras iniciais junto ao público acostumado com reproduções literais da cozinha brasileira. “Os sabores do Brasil são minhas referências, mas tento fazer algo diferente”, diz o chef.

Em 2018, Raphael inaugurou, no Quartier Latin, a segunda versão do OKA e consolidou seu estilo com pratos autorais, como o lagostim defumado com ervas aromáticas e limão caviar, e o robalo servido com aipo, castanha do Brasil, amêijoas, navajas e creme sabayon.

Um ano depois, foi reconhecido com uma estrela Michelin.

Mais descontraído e eclético

Agora, o chef diz que está abrindo “a terceira fase do OKA”, e que se sente muito mais maduro para criar e servir na nova casa.

O restaurante trabalha exclusivamente com dois menus - o Paraná, de cinco tempos (€ 195, cerca de R$ 1.050), e o Amazônia, de nove tempos (€ 245, cerca de R$ 1.420). Ambos disponíveis somente no jantar, de terça-feira a sexta-feira e somente para 14 clientes.

O Fogo é mais descontraído e eclético do que o sofisticado OKA (Foto: Claire Israel)
O Fogo é mais descontraído e eclético do que o sofisticado OKA (Foto: Claire Israel)

Enquanto isso, o Fogo desempenhará um papel mais descontraído e eclético. Além de bistrô, o local abriga também uma pequena padaria, um sonho antigo do chef.

“Finalmente tenho espaço para produzir pães com a nossa identidade, fazer um laboratório de fermentação e câmaras de maturação para as proteínas”, diz ele.

E a brasilidade que trouxe Raphael até aqui, claro, estará cada vez mais presente em todos os aspectos dos novos restaurantes.

“O OKA acaba sendo uma porta de entrada para muitos ingredientes e produtos brasileiros na França”, afirma o chef. “Apresentá-los em alto nível ajuda o cliente a entender seu potencial para então valorizá-lo no mercado.”