“Nós não somos especializados em varejo de alto padrão”, avisa ao NeoFeed o arquiteto Aldo Urbinati. Ainda assim, o portfólio do Estudio Tupi, que ele dirige ao lado de Andrea Vosgueritchian, transborda lojas conceito para grifes do público classe A, como as recém-conquistadas Animale e Farm.
Em fase de rebranding, a primeira contratou a dupla para desenvolver a nova cara das mais de 70 lojas em todo o país. Já a Farm estuda atualmente como internacionalizar sua identidade visual.
De forma bem sucedida, desde 2017 o escritório vem trilhando esse mesmo caminho com a NK. Aliás, a NK do Shopping Iguatemi, em São Paulo, acaba de abrir as portas como parte do ambicioso projeto de expansão da marca, que já inclui unidades no Rio de Janeiro e em Recife também assinadas pelo casal.
Em 2022, Aldo e Andrea aceitaram o convite da empresária Natalie Klein para assumir o rollout de sua marca – termo do varejo que se refere ao desdobramento de um único conceito arquitetônico em vários pontos de venda. Isso não significa, porém, que passaram a adotar algum tipo de cartilha. Ao contrário: preferem surpreender o cliente com provocações e soluções inesperadas.
“A forma como respondemos o check-list das demandas não é nada pragmática. Queremos, sim, resolver os problemas de ordem prática, mas sem nos perder neles. O desafio, e a nossa força, estão em conseguir cuidar das questões ordinárias e manter a integridade da arquitetura”, avalia Andrea.
A atitude encontra aderência em trabalhos para outras grifes estreladas com inaugurações recentes, como a joalheria de Ara Vartanian em Miami, aberta em abril. Inspirada no casco de um iate do estaleiro italiano Riva, a concept store de Andrea Degreas, de beachwear, também no Shopping Iguatemi, é de 2022. Já a Sauer de Ipanema, concebida como galeria de arte, estreou em 2021.
Para o momento atual da NK, os arquitetos propuseram um grid de provadores que compõe uma espécie de xadrez labiríntico, efeito turbinado pelos espelhos.
“Qualquer formação nessa área desaconselharia isso, pregaria visibilidade, amplitude, luz natural. Sugerimos o contrário. Simplificando muito, criamos uma loja na qual o consumidor se perde”, explica Aldo, cuja tese de doutorado, defendida na prestigiada Architectural Association, em Londres, aborda os clichês da arquitetura.
“O Estudio Tupi tem uma essência inquieta, disruptiva e elegante. Está desenhando a nova arquitetura brasileira com um olhar modernista e uma curiosidade que escapa de fórmulas prontas, além de trazer a brasilidade como ponto central das suas obras”, endossa Natalie Klein.
Tudo começou com uma escada
A parceria com a empresária paulistana, marco temporal dessa fase do Tupi, teve início em 2017, quando o casal participou de um concurso organizado por ela assim que voltou de uma longa temporada de estudos e trabalho em Londres. O objetivo era escolher quem assumiria a reforma do imóvel destinado à flagship store da NK na rua Haddock Lobo.
“Quando visitamos o local, meu reflexo diante da confusão de micro-salas foi dizer: ‘esquece. Ou colocamos uma escada igual à do Itamaraty, ou não tem o que fazer.’ Era meio piada, meio ironia”, fala Aldo, sem ignorar a valorização da modernidade brasileira pedida no briefing ao citar a icônica obra de Oscar Niemeyer.
A irreverência acabou virando uma possibilidade que foi levada a cabo e se tornou o coração da casa de moda. Mas, para ficar de pé, enfrentou uma “aventura quixotesca” (palavras do arquiteto).
Isso porque não existiam mais os desenhos da escada original, para a qual, muito provavelmente, Niemeyer fez apenas um croqui e deixou as demais especificações a cargo de seu engenheiro calculista, como era de seu feitio. As medidas foram obtidas em uma prospecção in loco, mas, quando a réplica já estava finalizada, a Fundação Niemeyer negou a autorização para realizá-la.
“Sorte que a nossa versão aguentaria a demolição parcial, e, assim, não poderia mais ser considerada cópia”, relembra Aldo. Mais sorte ainda que, por outras vias, a dupla conseguiu arrancar da instituição não exatamente uma permissão, mas o reconhecimento de que se tratava “apenas” de uma referência – sendo assim, não haveria problemas na reprodução.
Inserida em um ambiente totalmente forrado com espelhos, a escada em espiral se quadruplica e faz a festa dos visitantes em busca de poses à la Coco Chanel em sua maison, um retrato clássico da iconografia de moda.
“Pensamos sempre no espaço que as pessoas vão usar, para que se sintam em um lugar diferente, atraente, inusitado, que permita uma experiência sensorial. E, dessa forma, elas vão se envolver com a marca”, afirma Andrea.
Seria essa leitura uma reação ao período pandêmico, de isolamento e confinamento? “Não necessariamente. Os mais novos já estavam muito digitais antes. Hoje, percebemos uma vontade de extrapolar os limites caseiros, aqueles que não dominamos nem controlamos e que nos transportam para outro universo cultural. Com outros códigos, referências, cores”, prossegue a arquiteta.
Coincidência ou não, o maior desafio na NK Iguatemi consistiu na presença das escadas rolantes. Situadas no meio da loja, elas não poderiam ficar interditadas durante a obra, pois dão acesso a um espaço de eventos do shopping no andar superior. “Pagamos nossos pecados”, brinca Aldo.
Degrau por degrau
A abordagem niemeyeresca da loja conceito chamou a atenção dos donos da fabricante de persianas Uniflex. Em 2018, eles convocaram o Tupi para atualizar o antigo prédio da Forma, projetado por Paulo Mendes da Rocha (1928-2021) no final dos anos 1980 na avenida Cidade Jardim, em São Paulo.
“Eles devem ter achado que a gente tinha coragem, loucura, irresponsabilidade ou a cara de pau necessárias para mexer em uma criação do maior arquiteto brasileiro vivo na época”, reflete Aldo. A inauguração, no ano seguinte, cercou-se de polêmica no meio arquitetônico justamente por isso.
E rendeu outro convite: a movelaria Clami, prestes a se instalar em um projeto do começo dos anos 2000 assinado por Aurélio Martinez Flores (1929-2015) na alameda Gabriel Monteiro da Silva. Desta vez, sem alarde, a loja no corredor paulistano de marcas de luxo do setor de design e decoração abriu em 2022.
“Minha intenção não é ser um enfant terrible, mas, sim, dar seguimento a essa inquietude intelectual”, diz Aldo. “O poderoso fenômeno do modernismo brasileiro não foi vivido por completo. Existe ainda espaço para preencher de forma mais profana, mais anárquica, menos reverente”, acredita.
O propósito encontrou ressonância com a Natura, outra empresa que aderiu à prática do concurso a fim de escolher os arquitetos de um novo projeto no Rio de Janeiro. Se essa empreitada resultar em mais um rollout, o Estudio Tupi de Aldo e Andrea vai ampliar Brasil adentro o alcance de suas provocações – com ou sem polêmica, sejam elas compreendidas ou não.