A geopolítica do mercado de moda de luxo mudou. Paris, Milão ou Nova York já não interessam mais aos chineses como costumava acontecer até pouco tempo atrás.
Principais consumidores das grifes de alto padrão tradicionais, com a desaceleração da economia local, os chineses esvaziaram as filas em frente às vitrines de lojas como Louis Vuitton, Chanel e Prada. Quando decidem gastar, agora, preferem fazê-lo em casa, movimentando anualmente US$ 49 bilhões.
“Indivíduos de alto patrimônio estão se tornando mais sofisticados, optando por um estilo mais discreto em vez de logotipos ostensivos”, lê-se no relatório What's next for the luxury market?, divulgado em outubro deste ano pelo J.P. Morgan. “Em um nível mais aspiracional, os consumidores estão priorizando experiências e itens de menor valor que carregam significado social e emocional.”
Nos últimos dois anos, cinco marcas chinesas de luxo nos segmentos de moda, perfumes, cosméticos e joias superaram sete rivais ocidentais em crescimento de vendas, revela a consultoria BigOne Lab. E o aumento acontece sobretudo no digital — um universo no qual as grifes convencionais sempre tiveram dificuldades para circular.
Na Tmall, a maior varejista online da China, as receitas de algumas marcas chinesas se equiparam ou até ultrapassam as de grifes estrangeiras.
Uma das novas queridinhas, a joalheria Laopu Gold, viu suas vendas online aumentarem cerca de 1.000% nos primeiros três trimestres de 2025. Em um ano, a empresa movimentou US$ 630 milhões, enquanto a sua concorrente Van Cleef & Arpels, pertencente ao grupo suíço Richemont, no mesmo período, fez US$ 57 milhões.
Dedicada a artigos de couro, a minimalista Songmont registrou um crescimento de 90% nos pedidos de bolsas nos três primeiros trimestres de 2025. A italiana Gucci, por sua vez, perdeu 50% de suas vendas online em comparação ao mesmo período do ano passado.
“Esse movimento impactou muito o mercado de luxo. Em 2019, os chineses consumiram 35% do volume de vendas total das marcas francesas, enquanto em 2025 esse número só chega a cerca de 15%", diz Malu Albertotti, fundadora e CEO do Instituto do Luxo, em entrevista ao NeoFeed. “Os efeitos nas vendas são nítidos porque é fato: o consumidor chinês mexe com todo o mercado de luxo.”
Há de considerar ainda: atualmente, os chineses economizam ao comprar produtos nacionais premium. Entre 2019 e 2023, as gigantes de luxo aumentaram drasticamente seus preços. Para se ter ideia, um casaco de cashmere da italiana Max Mara, uma das preferidas na China, hoje custa US$ 4,2 mil. Por um produto semelhante da grife ICICLE, paga-se US$ 2,8 mil.
“Pode parecer estranho associar produtos fabricados na China ao luxo, um país onde a produção de baixo custo ajudou a impulsionar sua economia ao segundo lugar no ranking mundial”, lê-se em artigo na plataforma Business of Fashion.
“Mas essas marcas premium nacionais estão desafiando essa percepção com um processo de fabricação mais lento e sofisticado, que é transmitido aos consumidores por meio de campanhas de marketing localizadas”, complementa o texto.
A verdade é que, com o avanço tecnológico do país, há pouco que a China não consiga fazer em casa, o que se tornou um problema para além do mercado de luxo. Marcas como Nike, Apple, Starbucks e Tesla também sentem o peso da concorrência com as empresas chinesas.
Uma pesquisa realizada pela Câmara Americana de Comércio em Xangai mostra que 63% dos entrevistados citaram a concorrência local como principal desafio.
“Diante da volatilidade contínua das tendências e da ausência, no momento, de uma aceleração relevante da demanda subjacente por luxo, varejistas e especialistas esperam que as vendas do setor permaneçam praticamente estáveis no próximo ano”, diz em comunicado Chiara Battistini, chefe de luxo e artigos esportivos na Europa do J.P. Morgan. “A China pode ter entrado em um novo normal, e as marcas precisarão se adaptar a um consumidor que agora evoluiu.”
Mas, como ela mesma aponta, “2026 será o ano de reinvenção de estratégias por parte das marcas de luxo, em busca do retorno da relevância para o mercado como um todo”.
Para tanto, segundo a analista do J.P. Morgan, as marcas devem rever sua estratégia de precificação, que causou problemas para as empresas ao longo dos últimos anos — e afastou os asiáticos. Além disso, a experiência deve ser o foco nessa nova fase. “As marcas trabalharam muito para chegar até aqui e precisam manter a sua perenidade. Seu maior ativo é sua tradição, não as suas vendas”, defende.
Os players tradicionais estão prestando atenção à escalada dos produtos de alta classe chineses — que começam, inclusive, a ganhar reconhecimento além de suas fronteiras.
Em setembro, segundo a Bloomberg, Bernard Arnault, presidente da LVMH, o poderoso grupo francês de luxo, esteve em Xangai.
Em vez de visitar as boutiques da Louis Vuitton, da Dior ou de qualquer outra marca de seu império, ele foi às compras em lojas de grifes chinesas — bolsas na Songmont e joias na Laopu Gold, por exemplo.
É como ensinava o estrategista e filósofo chinês Sun Tzu, cerca de 2,5 mil anos atrás: “Para vencer uma guerra, é preciso conhecer o inimigo”.