Lançada em 2017, a Dengo Chocolates já nasceu como um negócio de impacto. Ao idealizá-la, Guilherme Leal, cofundador da Natura, e Estevan Sartoreli tinham um propósito claro: melhorar a renda dos pequenos e médios produtores de cacau e contribuir para a recuperação dos ecossistemas brasileiros.
Agora, a empresa acaba de dar mais um passo nessa direção, que pode ser um divisor de águas no redesenho da economia do cacau, ao qual os dois executivos se propuseram seis anos atrás.
Depois de um ano de negociações e ajustes, a Dengo anuncia sua parceria com a americana ReSeed. Fundada em 2022, com quase US$ 5 milhões levantados junto aos capitalistas de risco, a startup de Cheyenne, no Wyoming, faz a ponte entre os agricultores e o mercado de crédito de carbono.
Ao semear, cultivar e colher, pautados pelas práticas regenerativas, eles ganham um novo fluxo de receitas por seus serviços ambientais. Por produzir e, ao mesmo tempo, proteger e recuperar a natureza.
“O projeto tem um viés tanto ambiental quanto social vinculado”, diz Sartoreli, co-CEO da Dengo, em conversa com o NeoFeed. “E é aí que mora a beleza.”
Batizada “Créditos para a Terra”, a colaboração faz parte do programa “Farm Fresh Carbon Credit”, da ReSeed. Com a venda dos créditos de carbono, nas contas do executivo, os agricultores devem incrementar os ganhos com o equivalente a um e dois salários extras, por ano. Pode parecer pouco. Mas é um valor considerável para quem ganha, em média, R$ 1,6 mil mensais.
Mas há quem faça apenas R$ 937, por mês, aponta o estudo Panorama da Cacauicultura no Território Litoral Sul da Bahia, da ONG Instituto Viva Floresta. Os rendimentos dos que estão no topo da pirâmide não chegam a R$ 3 mil.
Responsáveis por 75% das cerca de 5 milhões de toneladas de cacau produzidas globalmente, os pequenos e médios produtores, em sua maioria, vivem no limiar da pobreza.
Para se ter ideia, no ano passado, a remuneração oferecida pela Dengo a seus parceiros ficou 92% acima do mercado, informa Sartoreli. O equivalente a um pagamento entre R$ 33 e R$ 34, por quilo de cacau.
“Mesmo assim, em 2022, apenas 38% atingiram o que chamamos de ‘renda digna’, algo em torno de R$ 2,6 mil, mensais. Como se vê, estamos no início de uma jornada: há muito ainda a ser feito”, afirma o co-CEO. “E a transformação virá de uma combinação plural: agregação de valor por meio de descomoditização ou por qualidade; ganho de produtividade e diversificação de receitas.”
Cabruca: sob a sombra da Mata Atlântica
Nas primeiras fases do projeto, 75 produtores participam do “Crédito para a Terra”. Eles representam quase 43% dos 142 parceiros da Dengo na Mata Atlântica, todos no sul da Bahia. No ano passado, a empresa começou a ampliar sua rede de fornecedores para a Amazônia. Por enquanto, são três produtores no Pará.
Todos os agricultores vinculados a Dengo operam, nos dois biomas, 20,34 mil hectares, 100% no modelo agroflorestal. Ou seja, em uma mesma área, eles associam culturas agrícolas com árvores nativas e, às vezes, também com animais.
Além de garantir a saúde do ecossistema, a diversidade dos sistemas agroflorestais (SAFs) traz benefícios econômicos para os produtores. Eles garantem renda ao longo de todo o ano. Podem comercializar as espécies agrícolas de crescimento rápido, enquanto esperam o retorno das plantas de médio prazo, como as frutíferas, e as de longo prazo, as madeireiras de alto valor agregado.
Na Mata Atlântica, o SAF é popularmente conhecido como cabruca, uma tradição entre os produtores da região. O termo surgiu de uma pequena confusão linguística. Para se desenvolver com vigor, o cacaueiro precisa de sombra. E os primeiros agricultores diziam: “Venham cá brocar a floresta”, um convite à abertura de clarões na floresta, por meio da poda da copa das árvores. “Cá brocar”; “cabrocar”; “cabruca”.
Um estudo recente realizado pelo World Resources Institute (WRI), Instituto Arapyaú e Dengo ilustra à perfeição o poder dos SAFs no combate ao aquecimento global: um hectare de cabruca remove quase duas vezes mais gás carbônico da atmosfera do que um hectare de cacau plantado sem a proteção da sombra da Mata Atlântica.
Assistência antes e depois da colheita
Os primeiros créditos de carbono associados aos produtores de cacau Dengo estarão disponíveis para venda no segundo semestre de 2024. Do dinheiro arrecadado com a preservação da mata, 20% vão para a manutenção da plataforma da solução. Os 80% restantes ficam com o agricultor. Metade em cash e 30% sob a forma de assistência técnica.
Desde o início de suas operações, a Dengo investe na formação de sua rede parceiros, sobre as boas práticas no manejo do cacau no pós-colheita. Em 2022, a empresa destinou cerca de R$ 700 mil para esse fim.
Agora, as orientações durante a semeadura e o cultivo, bem como a execução dos diagnósticos e levantamentos de campo estão a cargo da Ecam, empresa focada na integração entre o desenvolvimento socioeconômico e o equilíbrio ambiental. E a auditoria de todos os processos cabe à consultoria Foodchain, especializada em sustentabilidade, segurança e qualidade alimentar.
De Paris para o mundo
Com 36 lojas espalhadas entre São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraná, Distrito Federal, Bahia e Ceará, a Dengo deu início no ano passado ao processo de internacionalização da marca. Começou com dois pontos de venda em Paris; um em Montmartre e outro, recém-inaugurado, em Saint-Germain-des-Prés. Para 2024, a ideia é inaugurar mais duas unidades na capital francesa.
Além dos chocolates com ingredientes brasileiros, como cupuaçu, castanha de caju, manga, tapioca, banana e frutas tropicais (os “quebra-quebra” já são um clássico da Dengo), o compromisso da empresa com a ética socioambiental é, sem dúvida nenhuma, segundo Sartoreli, ferramenta imprescindível para a marca ganhar o mundo.
Sem pressa
O cacau está entre as dez culturas vilãs do aquecimento global. Do modo como o grão vem sendo cultivado ao longos dos séculos, leva ao desmatamento, ao empobrecimento e erosão do solo e ao uso intensivo de recursos naturais. Cem gramas de chocolate ao leite, por exemplo, consome cerca de 82 litros água.
A Dengo faz parte de um grupo de marcas de cacau de alta qualidade, reconhecidas como bean-to-bar (“do grão à barra”) e pautadas por uma fabricação mais artesanal. No Brasil, o segmento é inferior a 5% do market share –a indústria, como um todo, deve fechar 2023 em US$ 3,24 bilhões e está previsto chegar a quase US$ 4 bilhões, nos próximos cinco anos, crescendo a uma taxa anual comporta de 4,22%, informa a consultoria Mordor Intelligence.
Sartoreli, porém, não tem pressa. Como ele costuma dizer: “Mais do que ganho de mercado, queremos promover impacto positivo relevante. O mundo não precisa de mais marcas; o mundo precisa de negócios comprometidos com a transição socioambiental”.