Em meio à profusão de exposições imersivas repletas de recursos tecnológicos que lotam a agenda paulistana, o MAM-SP abre o calendário de 2023 com uma retrospectiva raiz de Arcangelo Ianelli (1922-2009), cuja prolífica produção, iniciada dos anos 1940, fez de forma consistente (e coerente) a passagem da arte moderna para a contemporânea.
Ianelli 100 Anos: o Artista Essencial propõe um passeio pelas diversas fases do pintor, gravurista e escultor, do início figurativo à abstração etérea do final de sua vida.
“Ele tinha muita clareza da própria trajetória e delimitava com precisão o período de cada ciclo. Ao analisar o conjunto, percebi que obras figurativas dos anos 1950 já carregavam elementos do que viria nas décadas seguintes. Fiquei com vontade de explicitar isso para o público, evidenciar esses diálogos”, explica ao NeoFeed a curadora, Denise Mattar.
Por isso, o percurso pelo universo de Ianelli não se dá de modo cronológico e busca aproximar fisicamente trabalhos que conversam. “Um exemplo é um mural de 1975, representado por uma maquete e fotos. Ali aparecem recursos empregados mais tarde, nas telas com relevos que vemos ao lado”, aponta a especialista.
Em tempo, o mural, encomendado pelo arquiteto João Kon para um edifício na Avenida Faria Lima, na capital paulista, se encontra no mesmo lugar até hoje, na fachada do número 1713, e em ótimo estado de conservação.
A exibição, que inaugura as comemorações dos 75 anos do MAM-SP, remete à história da instituição paulistana, primeira a organizar uma individual de Arcangelo Ianelli, em 1961, na gestão de Mário Pedrosa (1900-1981).
“Desde então, ele foi tema de uma premiada retrospectiva em 1978 e participou seis vezes do Panorama da Arte Brasileira”, lembra Cauê Alves, diretor do MAM-SP, referindo-se ao tradicional evento bienal do museu.
Apesar de tamanha assiduidade, “as novas gerações pouco conhecem de sua obra. Por isso, a exposição está montada de maneira sedutora, que rompe com o cubo branco”, comenta Alves.
Destaque da expografia são as três vitrines que reproduzem ambientes do ateliê do mestre. Localizado no bairro paulistano da Vila Mariana, o espaço era um complexo de 12 casas, conforme o dono explica em um vídeo exibido na mostra. Após sua morte, seus filhos venderam o imóvel, porém preservaram em seu endereço a exata ambientação de alguns cantos, agora instalados no museu.
O visitante verá, por exemplo, cavaletes, tintas e pincéis usados pelo artista, além de maquetes e estudos (Ianelli produzia em média cinco deles para cada obra. “Para não martirizar a tela”, segundo ele).

Extremamente dedicado às manualidades do fazer artístico – além da confecção de maquetes e estudos, ele gostava de preparar as tintas – Ianelli sofreu, no final dos anos 1960, uma intoxicação causada pela tinta a óleo. Foi quando adotou a têmpera, técnica com a qual diz ter aprendido a transparência das cores.
Décadas mais tarde, voltou ao óleo de um jeito bastante particular: deixava o excesso escorrer para dispor de uma tinta mais seca e aveludada, diluída em aguarrás nas primeiras demãos, e depois pura. Segundo ele, esse procedimento gerava “aquela luz que vem de dentro.
Para o quadro não ficar parecendo uma parede”, falava, sobre uma materialidade que, hoje, jamais faria sentido numa plataforma digital. “Ele é um mestre da luz, e a iluminação é parte importante da montagem”, acrescenta Alves.
Especialmente na última sala, com 12 telas em grande formato da série Vibrações, dos anos 2000, momento em que perseguia a essência da cor e eliminou totalmente a forma das composições.
Se este conjunto foi o mais difícil que realizou, como afirmou o autor em entrevista concedida naquela época, talvez seja o mais fácil de fisgar o espectador.
“O tipo de imersão que Ianelli oferece não é digital. Você não mergulha no vídeo, na projeção, que são de segunda mão, mas, sim, na pintura em primeira mão, que é a mão do artista. É uma experiência muito mais rica, porque solicita sua atenção”, provoca a curadora.
“Há uma vibração, uma liquidez cristalina nessas telas”, escreveu Pedrosa no já longínquo ano de 1961, na ocasião da estreia de Ianelli no MAM-SP.
Se essa observação faz sentido até hoje, é porque o evento de agora, em cartaz até 14/5, ficou ao gosto do homenageado. Para ele, exposições só devem acontecer “quando o artista tem algo para mostrar, e não só para ficar na ordem do dia.”