A Ralph Lauren está expandindo sua presença na Ásia com uma… cafeteria. Inaugurada recentemente, a unidade da Ralph's Coffee em Bangkok é a primeira da grife americana na Tailândia e vem se juntar a outros cafés da marca espalhados mundo afora — Hong Kong, China, Japão, Emirados Árabes, Singapura, Estados Unidos e Europa.
A abertura da Ralph's Coffee no primeiro andar do CentralWorld é apenas o lance mais recente de um movimento que ganha espaço entre as casas de moda. Louis Vuitton, Gucci, Prada, Armani, Tiffany & Co, Kate Spade, Fendi... querem conquistar os clientes também pelo estômago.
Ao se lançar no universo da gastronomia, as grifes abrem uma porta de entrada para novos consumidores, em especial as gerações Y e Z , muito mais afeitas a consumir experiências do que a possuir “coisas”. Isso não significa que os mais jovens não valorizem uma bela bolsa, um bom sapato ou uma roupa bem cortada. Muitos só não têm cacife para bancar as marcas de luxo — pelo menos não ainda.
Um "café grifado" a € 6 (o equivalente a quase R$ 40) é caro se comparado a uma cafezinho de padaria. Mas a ostentação de postar uma foto nas redes sociais com louças marcadas pelo ideograma de uma marca de luxo, essa não tem preço.
É o que o Ulysses Reis, mestre em marketing internacional e professor de MBAs na Fundação Getúlio Vargas (FGV), define como “luxo acessível”. Uma experiência capaz de criar vínculo entre as marcas e possíveis clientes no futuro.
“Com o tempo, essa aproximação inicial pode se converter em conexão emocional", afirma Reis, em entrevista ao NeoFeed.
E, em mundo cada vez mais digital, quando as propagandas tradicionais não dão conta de, sozinhas, impulsionar uma marca, o cenário deve ser “instagramável”. E isso, as grifes de luxo sabem fazer com maestria. Tudo é lindo e de bom gosto.
Em qualquer unidade da Ralph's Coffee a experiência é a mesma: decoração em verde escuro, com o urso símbolo da grife para tudo quanto é lado — da espuma do café ao formato dos biscoitos. Nas "lojinhas" das cafeterias, vendem-se pequenos mimos. Pode ser um chaveiro, um imã de geladeira, um conjunto de louças, uma camiseta, entre outras tantas lembranças. O boné, por exemplo, custa € 65 (cerca de R$ 420).
Nos café da Ralph Lauren, o uso de notebooks é proibido e a permanência, limitada a 45 minutos. As normas reforçam a sensação de escassez e, portanto, de exclusividade — preceitos essenciais na indústria de luxo. O tempo, então, tem que ser muito bem aproveitado, incluindo a escolha do pedido, a degustação dos quitutes e, claro, muitas selfies.
O estrategista de marketing Galileu Nogueira, fundador da Galileo Branding, diz que, no universo das mídias digitais, onde as informações se disseminam como rastilho de pólvora e em poucos minutos um post pode ganhar escala global, empreendimentos como uma cafeteria acabam se revelando uma estratégia de marketing de baixo custo.
Outra grife de luxo a se lançar na gastronomia é a Louis Vuitton. Em 2020, a maison do grupo LVMH abriu o Le Café V, dentro da loja em Osaka, no Japão. No ano seguinte, inaugurou uma unidade em Tóquio, em sua loja principal de sete andares em Ginza, uma dos bairros mais sofisticados da capital japonesa.
Depois, em 2022, a grife abriu um restaurante independente, não anexo a nenhuma de suas lojas, no terraço do White 1921 Hotel, em Paris. E convidou o chef Arnaud Donckele, dono de três estrelas Michelin, para comandar a cozinha.
Entre cafeterias e restaurantes, a Louis Vuitton tem cerca de 20 empreendimentos ao redor do mundo. Só em 2024, a grife lançou dois empreendimentos gastronômicos. Um deles fica em Bangkok. Outro, no aeroporto Heathrow, em Londres. Funcionando 24 horas, a casa tem menu criado pelo chef superstar Cyril Lignac. De rolinhos de lagosta a salada de caranguejo, os pratos custam, em média, € 30 (R$ 195, aproximadamente).
Para Felipe Marchioro, especialista em mercados internacionais da Ável Investimentos, a “gastronomia grifada” pode ser uma saída para ampliar o público-alvo, conquistando outros perfis de consumidores (leia-se, não apenas os ultrarricos), sem que as marcas percam seu prestígio original.
"Uma pessoa pode não ter acesso a roupas, mas pode consumir na cafeteria. Aumentando a base de clientes, a empresa vai se tornando mais resiliente", diz Marchioro. "A cafeteria cria um consumo recorrente. O cliente acostumado a consumir o café, provavelmente, será estimulado a querer comprar na marca."
A Dior, que já tem várias unidades do Cafe Dior nos Estados Unidos, na Europa e na Ásia, além de um restaurante mediterrâneo em Saint Tropez, na França, inaugurou agora em dezembro um novo café em Bangkok, na Tailândia.
O estabelecimento fica acoplado à Gold House, uma loja conceito temporária com 800 metros quadrados de área interna e tem o chef Mauro Colagreco, premiado com três estrelas Michelin, responsável pela criação dos pratos e sobremesas.
A grife também anunciou plano de abrir, em 2025, um novo restaurante no Japão, que seria liderado por Anne-Sophie Pic, chef francesa conhecida por receber o maior número de estrelas Michelin entre chefs mulheres.
Enquanto isso, a Gucci já acumula estrelas Michelin em seus estabelecimentos de Florença, Beverly Hills e Tóquio. A primeira unidade do Gucci Osteria, aberta na Itália, segue constantemente sendo classificada como um dos melhores restaurantes do mundo, com opções de almoço variando entre US$ 26 e US$ 120 (R$ 160 e R$ 740). Neste Natal, além de risotos, espaguetes e affogatos, a empresa vendeu panetones tradicionais de um quilo por US$ 140 (cerca de R$ 900).
Mas nem só de ultrassofisticação vive o binômio moda-gastronomia. A espanhola Zara inaugurou em setembro uma cafeteria “conceitual” em Lisboa. Batizada de Pastelaria, em homenagem a um dos símbolos culinários do país, a casa fica em um conjunto de prédios históricos no coração da capital portuguesa. O lugar prima pelo refinamento.
Em novembro, a empresa levou suas iguarias para Madri, com uma cafeteria acoplada a uma loja da marca. Por lá, o cafezinho sai por € 2,70 (quase R$ 18).
Gerson Brilhante, analista de mercado internacional da Levante Inside Corp, avalia que, nesse caso, o movimento é o inverso, com marcas do fast fashion usando a alimentação para agregar valor e oferecer um diferencial em relação às concorrentes. Como ele diz, "a empresa está tentando cunhar a visão de marca premium."