O mercado de luxo passou por diversas mudanças na última década. A maior delas, talvez, ainda esteja no caminho. Isso porque, o grupo seleto de ultrarricos, que representa cerca de 0,007% da população global, está mudando seus hábitos de consumo – o que pode impactar diretamente o setor.

Hoje, a compra de itens de marca como bolsas, vinhos colecionáveis ou até mesmo relógios exclusivos já não é mais a prioridade desse público. Agora, eles estão em busca de experiências únicas e transformadoras, como refeições em restaurantes com estrela Michelin, viagens excêntricas ou mesmo ingressos para torneios badalados de esportes, como Super Bowl ou Wimbledon - cujos ingressos duplicaram de preço nos últimos anos.

Isso é o que mostra o Ultra-Luxury Services Index, índice que acompanha o crescimento de gastos com experiências. Desde 2019, ele avançou 90%, na contramão dos itens de luxo, que, desde 2023, sentem as dores da estabilidade de vendas ou, em muitos casos, da queda no consumo.

Para Martin Gutierrez, especialista em luxo e sócio da MCF Consultoria, o contexto econômico, junto com um descompasso nos preços praticados pelas marcas de luxo, criou parte dessa mudança no mercado.

“Esse contexto tornou o consumo mais seletivo, menos guiado pela ostentação e mais ancorado em propósito, autenticidade e experiência”, afirma Gutierrez. “Os ultrarricos continuam consumindo, mas estão ressignificando o que entendem por luxo. Hoje, na era das experiências, tempo, privacidade e bem-estar possuem tanto valor quanto um logotipo.”

Outro fator que afastou o seleto grupo dos itens de luxo foi a perda da exclusividade. Apesar dos preços dos produtos avançarem a cada ano, a globalização, a conectividade e o crescimento das marcas internacionais fizeram com que produtos que antes eram “únicos” se transformassem em algo de massa.

Isso fez com que itens como obras de arte, diamantes ou até mesmo aviões privados perdessem a graça para aqueles que gostam de ter o inalcançável. Mas não há ilusão: os ultrarricos não vão parar de consumir roupas de grife, ter carros de alto luxo ou mesmo deixar de comprar aquele relógio suíço. Porém, isso deixou de ser uma prioridade.

“Vejo esse momento como uma espécie de maturidade do consumo. Para esse público, ter já não basta; é preciso fazer sentido. Por isso, experiências imersivas, viagens personalizadas, propriedades excepcionais, serviços de alto nível e rituais de bem-estar ganharam tanto espaço”, diz Gutierrez. “Depois de tantos anos de abundância e acesso irrestrito, o luxo tradicional perdeu parte do seu poder de distinção”.

No Brasil, os ultrarricos representam cerca de 0,01% da população, mas costumam seguir os padrões vistos no restante do mundo – o que não muda nesse momento.

Para Gutierrez, essa não é uma tendência de mercado, mas sim uma verdadeira mudança dos paradigmas praticados nos últimos anos. Em sua visão, o luxo sempre acompanhou as transformações sociais mais amplas, que hoje são representadas por superexposição, excesso de informação e pressão pela busca do bem-estar, fatores que moldam os comportamentos de forma duradoura.

“Vejo essas tendências como parte de um movimento estrutural, não como algo passageiro. Há ciclos naturais no consumo, mas o que estamos observando agora é uma mudança mais profunda na relação das pessoas”, afirma Gutierrez.

“É importante lembrarmos que hoje temos mais de cinco gerações consumindo simultaneamente e as mais jovens são incrivelmente orientadas a experiências. Elas funcionam como influenciadoras de estilo de vida, inclusive para os mais velhos”, complementa.

Pensando no futuro, o especialista acredita que, em 2026, se destacarão as marcas que souberem fazer os ajustes certos, repensar preços, reforçar narrativas, aprofundar experiência e serviço. As empresas que continuarem operando em um modelo focado apenas no produto devem encontrar barreiras maiores.

“Portanto, 2026 tende a ser um ano de retomada consciente: menos euforia, mais curadoria; menos expansão pela expansão, mais foco em valor real. É um momento em que o setor terá a chance de reafirmar essência, propósito e relevância”, afirma ele.