“O que vou vestir hoje?” Essa dúvida Mark Zuckerberg não tem. Camiseta de malha cinza, calça jeans de um azul médio e tênis; o figurino é sempre o mesmo. O cofundador do Facebook, agora Meta, não quer perder tempo com questões tão comezinhas.
Desapegado, não? Nem tanto. A simplicidade do bilionário é puro luxo. A camiseta “básica” leva a assinatura da grife italiana Brunello Cucinelli. É feita à mão, sob medida para ele. O preço? US$ 300, no mínimo.
Fundada em 1976, a marca de moda masculina e feminina é uma das mais exclusivas do mundo. Todas as peças são como a T-shirt de Zuckerberg, sem nenhum sinal aparente de sua origem sofisticada.
O que realmente importa é invisível aos olhos. A qualidade da matéria-prima, o corte perfeito, os acabamentos impecáveis... quem conhece Brunello Cucinelli reconhece –e isso basta. Bem-vindos, ao universo do quiet luxury!
O retrato mais midiático desse fenômeno é a série Sucession, da HBO. Mais do que uma tendência, a riqueza furtiva é um estilo de vida. Sofisticado, porém discreto. Elegante, sem ostentação.
Como lembrou ao NeoFeed Martin Gutierrez, sócio da MCF Consultoria, "o estilista americano Ralph Lauren dizia que alguém que paga 3 mil euros por um suéter de cashmere não quer o reconhecimento de ninguém. No máximo, de seus pares."
As etiquetas das gravatas da italiana Loro Piana, grife do grupo LVMH, ilustram à perfeição a discrição das marcas “silenciosas”. A etiqueta da grife não está na parte de trás das peças, como normalmente se faz. É costurada entre as dobras de pano, no verso da gravata. Mais low profile impossível. "Para estas grifes o luxo se manifesta nos atributos de qualidade e é isso que está sendo resgatado pela moda", diz Gutierrez.
No gosto popular
Em essência, o luxo silencioso é acessível apenas aos ultrarricos. Ser simples envergando um suéter de cashmere, feito com o subpelo das cabras brancas do Tibet ou uma calça de linho, produzido por artesãos belgas custa muito. É a preciosidade da matéria-prima como o couro, o algodão, a seda, os botões, as linhas, os zíperes.
Ao longo do último ano, porém, a estética de "quiet luxury" entrou na moda. Dominou as passarelas das coleções de inverno 2023/2024, invadiu as redes sociais e foi parar até nas araras fast-fashion de marcas como a espanhola Zara e a chinesa Shein.
Nesse caso, que fique bem entendido, é só quiet, mas não luxury. Ou seja, peças de tons discretos, em geral terrosos, alfaiataria e blusas peludinhas que imitam cashmere.
A disparada das vendas
As marcas de luxo (silenciosas, desde sempre) comemoram. No grupo italiano Emenegildo Zegna, dono da Zegna e da Thom Browne, o clima é de festa. Apesar das interrupções no mercado chinês, em 2022, por causa da covid-19 e da desaceleração da economia global, a receita aumentou 16%, chegando a € 1,5 bilhão, no ano passado.
E os lucros bateram a casa dos € 65 milhões, contra a perda de € 128 milhões, registrada no período anterior. Para 2023, ao que tudo indica, o crescimento seguirá acelerado. Nos cálculos de suas lideranças, a companhia está a caminho de superar a meta de receita de € 2 bilhões, prevista para 2025.
Em entrevista à plataforma Business of Fashion, Gildo Zegna, presidente do grupo, confirma: a discreta Zegna, principal marca do grupo, está muito bem posicionada, nesse momento de celebração à opulência discreta.
As polos de cashmere, a € 1 mil, e as camisetas, de € 2 mil, miram os clientes bilionários, cujas fortunas os protegem do estresse econômico. “Temos a sorte de ser uma das poucas marcas que fazem quiet luxury”, comemora o executivo da marca, fundada em 1910, em Trivero.
A Brunello Cucinelli segue na mesma toada. Na semana passada, redefiniu a projeção de crescimento de vendas em 2023 para 15% --anteriormente, era de 12%. Isso por causa a “um forte início de ano e pedidos para as próximas temporadas”.
Em comparação a 2022, as vendas do grupo italiano aumentaram 33% no primeiro trimestre, recém-terminado, movimentando € 265,3 milhões. O avanço foi impulsionado por “um forte” crescimento nas Américas, especialmente Estados Unidos, e a recuperação na Ásia.
Entre as grifes mais jovens, a grande representante do luxo silencioso é a americana The Row., com estilo minimalista, alfaiataria refinada, tecidos de qualidade. Fundada em 2006, pelas irmãs empresárias, estilistas e atrizes americanas Mary-Kate e Ashley Olsen, a grife movimenta cerca de US$ 150 milhões anuais em vendas, segundo analistas do mercado.
Presente em 200 lojas, em oito países, nos últimos três meses, o estoque em varejistas online da marca cresceu 9%. Festejada nas semanas de moda de Nova York, a The Row segue um modelo de negócios muito parecido com as grifes tradicionais de quiet luxury, como Brunello Cucinelli, Loro Piana e Zegna.
Calças e camisas clássicas, bolsas sem logotipo e suéteres de cashmere (desde sempre um must entre os silenciosos). E preços, digamos, "compatíveis".
Succession X Sex and City
Com peças atemporais, de linhas limpas, silhuetas arejadas e cores neutras, o luxo silencioso se contrapõe à logomania e ao maximalismo, com monogramas estampados em bolsas e gravados nas fivelas dos cintos.
Sai o culto exagerado às marcas da era aspiracional retratado fielmente por e Carrie Bradshaw e suas amigas, no seriado Sex and the City, do final dos anos 1990. Entra a elegância aristocrática da família Roy, da série Succession, o sucesso do momento. Aliás, o ator Kieran Culkin, intérprete de Roman Roy, é a estrela da campanha primavera-verão 2023, da Zegna.
O programa de tevê tem, claro, impacto no aumento da procura pelo luxo silencioso. Mas é preciso considerar outros fatores. No mundo pós-pandêmico, em tempos de instabilidade econômica, concentração de renda, crise climática, antigos conceitos e processos estão sendo revistos.
Sustentabilidade chic
A indústria da moda é a segunda mais nociva ao planeta, atrás apenas da petrolífera. Hoje em dia compra-se 60% mais roupas do que, no início dos anos 2000, e descarta-se com mais rapidez. Cerca de 60% dos guarda-roupas é deixado de lado com menos de um ano de uso -- um desperdício anual de US$ 500 bilhões.
Há de se considerar ainda a mudança no perfil do consumidor de moda. Os millenials e geração Z dão menos importância a marcas e logos do que seus pais. O que lhes interessa é saber como a roupa produzida, seu impacto ambiental e social.
Por isso, quando o luxo silencioso propõe modelos atemporais, feitos com matérias-primas de qualidade e, portanto, mais duradouras, a princípio, parece uma boa ideia. O problema é o tamanho deste cluster de consumidores. Aquela parcela da população global inferior a 1%, incrivelmente rica.