Antes que o inglês Ian Fleming (1908-1964) escrevesse a primeira aventura de James Bond, “Casino Royale”, em 1953, os franceses já tinham um agente secreto sedutor, autoconfiante e com licença para matar.

Embora pouco famoso no cenário internacional, Hubert Bonisseur de La Bath, conhecido apenas como OSS 117, foi o precursor de 007. O personagem foi criado em 1949, pelo escritor francês Jean Bruce (1921-1963), que foi piloto durante a Segunda Guerra Mundial.

Ofuscado por James Bond, sobretudo nas telas, OSS 117 ganhou muitas adaptações na França. O espião inspirou histórias em quadrinhos, peças de teatro e até uma novela de rádio, além de versões para televisão e cinema.

A mais recente delas é a franquia “Agente 117’’, que acaba de ganhar uma terceira aventura. “OSS 117: Alerte Rouge en Afrique Noire” (“OSS 117: Alerta Vermelho na África Negra, em tradução livre) teve premiére mundial na recém-concluída 74ª edição do Festival de Cannes, na França.

Ainda sem data de estreia no Brasil, o longa-metragem dirigido por Nicolas Bedos foi escolhido para encerrar o evento, um dos primeiros grandes festivais de cinema presenciais em tempos de Covid-19.

“O que fazemos aqui é um pastiche dos livros de Jean Bruce e uma paródia do cinema de espionagem”, disse o ator Jean Dujardin, em Cannes, antes da sessão de gala do filme no Grand Théâtre Lumière. O francês é quem se encarrega de interpretar OSS 117, nitidamente uma sátira de 007 nas telas.

Isso aconteceu porque OSS 17 nunca teve o mesmo alcance de James Bond, embora tenha sido o protótipo do espião, por exibir algumas das mesmas características, como a inteligência, a autoconfiança, a sedução e a pose de herói.

OSS 117 rendeu uma série literária de mais de 80 romances policiais assinados por Bruce na França. A obra foi uma das primeiras do gênero a surgir na Europa, impulsionada pelo apetite por esse tipo de leitura que aumentava no contexto da Guerra Fria.

Mas o personagem francês não cruzou fronteiras tão bem quanto 007. Os números literários impressionam. Até porque a viúva e os filhos de Bruce deram continuidade à saga, fazendo a série atingir mais de 260 volumes no total – com 75 milhões de cópias vendidas, de 1949 a 1992.

Ainda assim, OSS 117 foi um fenômeno mais francês, sobretudo se comparado à visibilidade das aventuras de James Bond. Só os 14 livros publicados por Ian Fleming sobre 007 venderam mais de 100 milhões de cópias ao redor do mundo, no período de 1953 a 1966.

E também não adiantou OSS 117 ter saído na frente no cinema, com “OSS 117 N’Est Pas Mort”, uma produção francesa dirigida por Jean Sacha e estrelada por Ivan Desny, em 1957.

Quem imortalizou a figura do agente secreto britânico nas telas foi Sean Connery, com a primeira adaptação de James Bond, “007 Contra o Satânico Dr. No”, em 1962. Desde então, a franquia de filmes se tornou uma das mais duradouras e mais rentáveis da história do cinema.

Mas nada disso impediu a série de filmes “Agente 117’’ de resgatar a criação francesa, apresentando-a a uma nova geração. “Agente 117: Uma Aventura no Cairo” arrecadou uma bilheteria de quase US$ 38 milhões em 2006. A sequência, “OSS 117: Rio Não Responde Mais”, rodada no Rio de Janeiro em 2009, obteve uma renda de cerca de US$ 21 milhões.

Ambientada na África, nos anos 1980, a terceira aventura estreia nos cinemas franceses em 4 de agosto. Na trama, o agente secreto tem como missão ajudar um ditador a conter uma rebelião que ameaça o seu governo e vai contra os interesses franceses.

O que mudou na franquia, na comparação com a obra literária original, foi a caracterização do protagonista, que foi concebido por Bruce como um francês americanizado. Isso porque o escritor se baseou em um americano que ele conheceu na Força Aérea para criar OSS 117.

A inspiração foi William L. Langer, que tinha o número de registro 117 enquanto trabalhava no OSS, sigla para Office of Strategic Services. Este foi o escritório de serviços de inteligência dos EUA durante a Segunda Guerra Mundial (possivelmente o órgão precursor da CIA).

Na franquia “Agente 117’’, OSS 117 é 100% francês. “E com todas as suas fraquezas colocadas sob uma lente de aumento”, conta Dujardin, lembrando que o personagem aqui é um pouco “racista, machista e xenófobo”.

“Ele é politicamente incorreto de propósito, simbolizando o que há de idiota na França hoje. Assim, nós podemos rir de nós mesmos”, completa o ator. A atitude, no entanto, ainda é espelhada na caracterização de Sean Connery, principalmente no que diz respeito à malícia, à pinta de bonitão e ao jeito mulherengo.

“Mas à medida que eu me aproximo dos 50 anos, estou mais para Connery em ‘007 - Nunca Mais Outra Vez’”, brinca Dujardin. O ator de 49 anos se refere aqui ao último filme do ator escocês no papel, rodado em 1983, com o agente secreto já envelhecido.