BARCELONA — No final do último verão europeu, no muro de uma escadaria, que desemboca no parque Güell, o mais visitado de Barcelona, lia-se, em letras garrafais: “Turistas, vão para casa”. Longe de ser um caso isolado, o “aviso” torna-se cada vez mais comum nas grandes cidades da Espanha. Não importa a estação do ano, tampouco o lugar — onde houver uma turba de estrangeiros, haverá uma multidão de locais revoltados com o turismo de massa.

A indignação dos moradores levou as autoridades a adotarem uma série de restrições, nem sempre populares, para limitar o chamado overtourism. A medida mais radical vem justamente de Barcelona, o principal destino na Espanha dos viajantes internacionais. A partir de 2028, as locações de curto prazo, no modelo das oferecidas por plataformas como o Airbnb, estão proibidas na cidade.

"O único vencedor na guerra de Barcelona contra o aluguel por temporada é a indústria hoteleira", escreve Sara Rodríguez, diretora de políticas públicas do Airbnb para Espanha e Portugal, em carta, enviada agora, em novembro, ao prefeito Jaume Collboni, segundo a agência de notícias Reuters.

A executiva não está de todo errada. A estratégia da municipalidade para organizar o vaivém ensandecido de visitantes , de um lado a outro da capital da Catalunha, não é acabar com o turismo, mas sofisticá-lo. Barcelona não quer competir no mercado global como um destino de baixo preço, mas, sim, como um destino de luxo, já disse Lope Alfonso, chefe de turismo local. E, nessa toada, ganha a alta hotelaria.

"Podemos fazer pouco em relação à demanda, mas podemos agir em relação à oferta", defendeu Collboni. A ideia é priorizar os visitantes com maior poder aquisitivo, interessados em cultura e gastronomia, ou em viagens de trabalho, para participar de conferências internacionais, por exemplo.

Embora Barcelona proíba, desde 2015, a construção de novos empreendimentos na região central, o governo está apoiando a abertura de 5 mil leitos na cidade.

E, vem fazendo isso ao estimular a conversão de antigos hotéis em negócios de alto padrão — um movimento, inclusive, cada vez mais frequente em todo o país.

Em 2024, a Espanha ultrapassou a Grã-Bretanha como o principal foco na Europa dos investimentos, particularmente no nicho de luxo, mostra pesquisa recente da consultoria imobiliária CBRE.

No ano passado, os aportes ultrapassaram os Є 4,1 bilhões — 30% a mais do que em 2023, contra os Є 2,2 bilhões injetados na rede britânica, no mesmo período. Entre julho de 2019 e  julho de 2023, os cinco estrelas espanhóis cresceram de 2,5% a 4,5%, por ano.

Investimento no luxo

Lançado recentemente, o Grand Hyatt Barcelona serve de paradigma para a conduta dos gestores públicos.

“A inauguração segue uma reforma personalizada desde que adquirimos a propriedade no ano passado”, disse, na ocasião da abertura, John O' Driscoll, head de real estate do grupo americano. “Durante esse tempo, remodelamos as especificações e comodidades da propriedade.”

Com 465 quartos, incluindo 49 suítes e uma penthouse, o Grand Hyatt Barcelona oferece tudo o que se espera encontrar em um hotel de luxo — da alta gastronomia ao spa, com uma piscina de 75 metros. Com 50 propriedades na Espanha, a companhia quer ir além e promete para breve mais duas propriedades de luxo ainda esse ano, uma em Maiorca e outra em Tenerife.

Em alguns casos, até mesmo hotéis de alto padrão estão se tornando ainda mais sofisticados. Afinal, se tem muito turista que chega à Espanha a bordo de companhias aéreas low-cost, há também quem aterrisse no país de jatinho.

O lendário O Majestic Hotel & Spa Barcelona investiu Є 2,5 milhões apenas na reforma da área bem-estar (Foto: majestichotelgroup.com)

De olho na valorização do turismo de luxo, o Grand Hyatt Barcelona foi reinaugurado recentemente, com todos os serviços de um hotel cinco estrelas (Foto: Divulgação/Hyatt)

O prefeito de Barcelona estuda aumentar o imposto de turistas de cruzeiros, que passam menos de 12 horas na cidade

No início do ano, o Majestic Hotel & Spa Barcelona, endereço centenário, frequentado pelo escritor Ernest Hemingway (1899-1961) e o pintor Pablo Picasso (1881-1973), entre outras personalidades, investiu Є 2,5 milhões (cerca de R$ 15,7 milhões, em valores atuais) apenas na reforma de sua área wellness.

Apresentado pela marca como um “oásis urbano”, o spa tem agora 340 metros quadrados, a área molhada ganhou piscinas de hidromassagem e os sistemas de iluminação e decoração foram completamente refeitos. Os novos acabamentos são em madeira e papéis de parede pintados à mão.

A gourmetização da hospitalidade espanhola se estende também a residências sofisticadas. O número de branded houses para superricos deve aumentar de 300 para 1,2 mil, ao longo dos próximos quatro anos, apontam os analistas da consultoria Colliers Spain.

Entre esses projetos, estão lançamentos de bandeiras como o Four Seasons Residences, em Madri, e Mandarin Oriental Residences, em Barcelona.

Funciona?

Há pelo menos dez anos, as autoridades espanholas vêm tentando limitar o turismo de massa. Um desafio enorme dado que o número de visitantes só faz crescer. Em 2023, os visitantes somaram 85,1 milhões. E, até o final do ano, eles devem chegar a 90 milhões.

Um estudo, conduzido pelo Google, em parceria com a Deloitte, indica: em 2040, a Espanha deve ultrapassar a França e se tornar o país mais visitado do mundo — 110 milhões de viajantes, ao ano, contra os 105 milhões previstos desembarcar em território francês.

Com a retomada das viagens internacionais, depois do fim do isolamento social imposto pela pandemia de covid-19, os turistas desembarcaram em peso na Espanha. Para conter tentar conter a algazarra, por exemplo, em  2022, Barcelona determinou que os grupos em excursão pelo centro da cidade não poderiam ter mais de 30 pessoas e que, em algumas ruas e praças, a multidão deveria andar em um único sentido, para não atrapalhar o fluxo de pedestres. A prefeitura aboliu ainda o uso de megafones pelos guias turísticos.

O prefeito Collboni planeja também  aumentar a taxa para os viajantes de cruzeiros que permaneçam na cidade por menos de 12 horas.

Muitos moradores argumentam que, sem controle, o turismo de massa compromete a qualidade da vida na cidade.

Reclamam do barulho, da sujeira, da congestão dos sistemas de transporte e, principalmente, do aumento no preço da moradia. Na última década, os aluguéis subiram 68% e os custos com a compra de um imóvel, 38%.

Para os proprietários, é mais negócio fazer o arrendamento por temporada, disse o prefeito Collboni.

Atualmente, são 10 mil apartamentos em operação segundo esse modelo de contrato — cujos, donos, naturalmente, agora esbravejam contra a decisão do governo de banir da cidade as plataformas de aluguel de curta duração. Para a associação de apartamentos turísticos de Barcelona, a proibição pode impulsionar as locações ilegais.

Não é de hoje o debate em torno do impacto das plataformas de locação por temporada no mercado imobiliário, em especial das cidades turísticas. Nova York e Berlim estão entre as que já restringiram a atuação do Airbnb. Se tais medidas funcionam, porém, ainda é cedo para dizer.