Saquê forte para caipirinha ou apenas decoração em restaurantes japoneses. Durante anos, essa foi a percepção limitada que os brasileiros tinham da bebida milenar feita à base da fermentação de arroz. Esse conceito, porém, mudou nos últimos anos e Fabio Ota, CEO e fundador da Mega Sake, é um dos responsáveis por essa transformação.

A virada de chave no Brasil foi o condicionamento da bebida que, até então, era trazida em contêineres de forma pouco cuidadosa, sem armazenamento correto. Isso fazia com que o saquê, que deve ser mantido à uma temperatura inferior a 8°C, cozinhasse no caminho para o Brasil e perdesse boa parte de suas notas, dando destaque apenas para o gosto de álcool.

"Até aquela época, eu conhecia o saquê como algo muito alcoólico, forte, até que, ao visitar o restaurante de um amigo, tomei uma dose de um rótulo muito relevante no Japão, que me fez ver a bebida de outra forma", afirma Ota, em entrevista ao NeoFeed.

"Foi aí que eu, até então amante de vinhos, comecei a estudar sobre o saquê e percebi que a diferença dele realmente estava no refrigeramento. Ou seja, a bebida que tomávamos aqui não era a mesma consumida no Japão", complementa.

Foi essa informação que fez o até então profissional da Faria Lima, com formação em direito e contabilidade e uma carreira de praticamente 20 anos em consultorias como Deloitte e EY, deixar a sua trajetória profissional de lado e abrir os olhos para esse novo mercado.

Desde 2019, quando Ota decidiu dar início à sua importadora de saquês, os embarques aumentaram em 59% em valor e 33% em volume, de acordo com dados da Associação de Produtores de Saquê do Japão (JSS), divulgados no início de 2024. Apenas no último ano, foram exportados cerca de R$ 3,3 milhões em saquê para o Brasil, o que coloca o País no posto de maior amante da bebida na América Latina e em 17º em tamanho de mercado no mundo.

Globalmente, o mercado de saquê está em expansão. Avaliado em US$ 8,62 bilhões em 2024, deve crescer a uma taxa anual de 4,9%, alcançando US$ 13,91 bilhões até 2034, segundo a Data Intelligence. As exportações de saquê em 2024 continuaram crescendo aproximadamente 6% ano a ano em valor e volume, atingindo ¥43,5 bilhões (cerca de US$ 283 milhões) e 3,45 milhões de caixas de nove litros.

O saquê, agora, alcança um recorde de 80 países e regiões em todo o mundo, sendo que nos últimos cinco anos, 19 novos mercados começaram a importar a bebida em volumes mensuráveis. A América do Norte e a Europa juntas representaram mais de 60% das exportações de saquê em 2024.

Para Ota, que sempre tratou com números e planos de negócios, existia um verdadeiro oceano azul no setor, já que nenhum dos importadores brasileiros fazia o transporte do saquê refrigerado. Pensando nisso, ele viajou para o Japão e começou a criar relações com os produtores locais, que seriam seus fornecedores.

Com esses primeiros laços criados, ele comprou um contêiner refrigerado com capacidade para sete mil garrafas, sem ao menos ter um pedido garantido. Porém, como a viagem demora no mínimo 40 dias de navio, além do tempo dos trâmites legais que podem levar até um mês e meio, ele teria espaço suficiente para conseguir clientes.

E foi isso que a Mega Sake fez. Na primeira semana, apenas um rótulo da bebida, comercializado em embalagem Tetra Pak de dois litros, vendeu 100 garrafas, das 960 que Ota havia comprado.

"No primeiro mês, eu já percebi que ia vender muito mais do que a quantidade que estávamos trazendo. Quando liguei para o meu exportador e falei que já queria fazer um novo pedido, até ele se assustou", conta ele.

"O segundo pedido já foi de 6 mil garrafas dessa de dois litros, em um container bem maior. E, a partir dali, nós começamos a ganhar força com os restaurantes, nossos maiores clientes até hoje", complementa.

Cerca de cinco anos depois, Ota possui uma lista de 550 clientes e mais de 20 rótulos, todos exclusivos da Mega Sake. Para não depender apenas do tempo do transporte, o empresário criou o seu próprio espaço de armazenamento, onde consegue guardar as garrafas e fazer a distribuição das mesmas de forma organizada.

Para atingir esses números, ele precisou estudar. E muito. Com essa dedicação, ele conquistou dez certificações internacionais e se tornou o único brasileiro com o título de Master Sake Sommelier, além de ter sido considerado Sake Samurai, no Japão, algo praticamente inatingível para estrangeiros.

Com esses créditos em mãos, Ota decidiu começar a dar aulas sobre saquês em restaurantes, com a premissa de que o produto só poderia ser mais consumido no País se houvesse educação sobre o que contém dentro daquelas garrafas. Até hoje, já foram mais de 12 mil pessoas impactadas pelas aulas do empresário. Atualmente, 85% das vendas de saquês da Mega Sake se direcionam a restaurantes.

Na visão de Ota, hoje a Mega Sake se encontra na melhor posição, onde os fornecedores os conhecem e querem fazer negócios, e os restaurantes, mesmo os que não são japoneses, também os procuram para comprar os produtos. O empresário contou que a maior parte dos estabelecimentos com estrela Michelin compra saquês na distribuidora.

"Eu preciso ser bastante cauteloso em relação à seleção dos rótulos, porque existem mais de 1.200 produtores no Japão e eu já visitei, no mínimo, 200 deles", explica. "O problema é que a minha capacidade de espaço aqui na loja é limitada, o que não me permite expandir tanto esse portfólio. Sem contar com a necessidade de estar sempre de olho nos preços dos produtos, para que sejam compatíveis com o que os brasileiros esperam pagar".

A "marca Japão"

Com todo o sucesso da Mega Sake, o empresário decidiu explorar a "marca Japão" de outras maneiras. Em 2023, ele abriu, junto a sua esposa, a confeiteira Aya Tamaki, a Amay Pâtisserie, especializada em doces sem glúten com estética japonesa. Em seis meses, o local ganhou seu primeiro prêmio da Veja, de melhor doceria de São Paulo. Esse feito se repetiu em 2024 e também em 2025.

Até o primeiro semestre deste ano, havia apenas uma unidade da Amay, localizada no Paraíso. Porém, com filas constantes, o casal decidiu abrir um novo local, desta vez em Pinheiros, além de embarcar na onda do delivery.

"Ter filas é bom, mas no Japão a busca pelo contentamento do cliente é essencial, então aquilo não estava nos agradando", conta Ota.

No mesmo espaço, o casal construiu seu primeiro restaurante, com uma estética totalmente japonesa, que promete te transportar para Tóquio. No Miyabi, a grande maioria dos trabalhadores são mulheres, outra premissa que o casal faz questão de seguir.

"Eu sempre achei que a 'marca Japão' é uma das mais valiosas do mundo, porque a gente pode se beneficiar dela, da sua estética e costume, sem pagar nenhum tipo de royalties, coisa que não acontece com outras marcas gigantes como McDonald's, Starbucks e afins", diz Ota. "Ainda tem muita coisa que podemos fazer pensando nessa 'marca'. Estamos só no começo".