Vergonha? Que nada. Constrangidos poderiam ficar seus pais e avós; eles, não. Aos quatro ventos nas redes sociais, ostentam a compra, por uma bagatela, de artigos “inspirados” em originais de grife.
É a bolsa “muito parecida” com aquela de luxo. O vestido “influenciado” pelo modelo desfilado na semana de moda de Paris. Ou ainda os perfumes, maquiagens e produtos de skincare “similares” aos das marcas estreladas.
Quanto mais semelhante e barato, melhor. Bem-vindos ao universo (duvidoso) do dupe.
Dupe, do inglês, “duplicate”, “duplicado”. “To dupe”, enganar. Dupe, em bom português: cópia, réplica, imitação. As reproduções de artigos sofisticados sempre existiram. Só que antes as "versões" eram, em geral, anônimas. Hoje, os usuários alardeiam positivamente as semelhanças no que está disponível no mercado.
Se, no passado, as pessoas eram discretas, faziam de tudo para esconder a origem incerta de suas peças, hoje é o oposto. Encontrar um produto “praticamente idêntico”, por uma fração do preço do original, é motivo de orgulho.
“Os dupes costumavam ser a maneira de se encaixar, de pertencer a um determinando grupo social, não a maneira de se destacar”, escreve a autora americana Maura Judkis, no artigo In Gen Z’s world of “dupes”, fake is fabulous –until you try it on, publicado no jornal The Washington Post.
À frente do movimento pró-cópia estão os primeiros representantes da geração Z, aquela nascida entre 1997 e 2010. Ao redor de seus 25 anos, a maioria está em início de carreira. Sem dinheiro, portanto, para gastar com produtos caros.
Não à toa, o alto custo de vida ocupa o primeiro lugar na lista de preocupações dos Zs, informa o relatório 2023 Gen Z and Millenial Survey, da consultoria Deloitte. Os dupes, para eles, são a democratização do acesso a artigos, antes restritos aos endinheirados.
Sob a égide das mídias sociais, tudo o que os jovens compram e usam vai parar no Instagram e no TikTok. E tudo o que vai parar no Instagram e no TikTok ganha escala estratosférica.
Na rede de vídeos curtos, a hashtag #dupe acumula 4,6 bilhões de visualizações. No Google Trends, a procura pelo termo cresceu quase 300%, entre janeiro de 2020 e maio de 2023.
Revistas de lifestyle, a maioria dedicada aos consumidores jovens, trazem dicas dos melhores dupes de perfumes, vestidos, skincare e por aí vai. Via TikTok, as pessoas se lançam em uma espécie de gincana em busca das melhores duplicatas. A #dupechallenge já foi acessada 73,1 milhões de vezes.
O negócio tomou uma proporção tão grande que há quem defina o fenômeno como “cultura”, “tendência”, ou o "espírito do tempo". Exageros à parte, o movimento é revelador dos hábitos de consumo contemporâneos. Os Zs compõem uma massa global de 2 bilhões de pessoas.
Primeiros nativos digitais, nada fiéis a marcas e abertos a novas experiências, eles compram muito e pensam muito antes de comprar. Quantos eles são, sem dúvida, é importante, mas a força deles vai além.
“As marcas avançam primeiro com a geração Z, depois chegam às gerações mais velhas”, avaliam os consultores da empresa americana de inteligência de mercado Morning Consult. “Portanto, capturar a atenção dos jovens adultos proporciona retornos no curto prazo, mas também no futuro, à medida que eles influenciam o zeitgeist.”
Uma prova da força do dupe? No primeiro trimestre de 2023, a empresa americana de cosméticos e.l.f. faturou o equivalente a um ano inteiro de vendas. Vários de seus produtos viralizaram no TikTok como alternativas baratas, mas “tão boas quanto”.
Um deles é o batom Ecstatic “inspirado” no Almost Lipstick Black Honey, um clássico da Clinique, marca americana de alta qualidade para cuidados da pele, com uma longa e consistente história no mercado – foi a primeira do gênero a ser fundada por um dermatologista.
Enquanto o batom da e.l.f. custa US$ 7; o outro, cerca de US$ 25. Por aqui, a diferença entre os dois é de cerca de R$ 150. Nas postagens, quem comparou garante: a tonalidade, textura e efeito são quase idênticos. No Brasil, o fenômeno começa a ganhar corpo.
O caso Lululemon: “Vamos nos divertir também”
Poucas postagens, porém, causaram tanto furor quanto a da americana Ariana Vitale, em janeiro. Vendedora da Lululemon por dois anos e meio, ela coleciona quase 9 milhões de visualizações no TikTok com sugestões de dupes da gigante canadense de roupas fitness. Em efeito cascata, a #lululemondupes ganhou impulso e, hoje, já foi vista cerca de 155 milhões de vezes.
Repercussões dessa magnitude impõem às marcas desafios sem precedentes. O que fazer? A Lululemon adotou uma estratégia tida como “brilhante”, por analistas de mercado. Em vez de fechar os olhos ou ir contra o movimento, a empresa decidiu surfar a onda, com a campanha “Get Into It” (algo como “entre nessa”, em tradução livre).
Em um fim de semana de abril, a loja do Century City Mall, em Los Angeles, virou um posto de troca de dupes por originais. A aposta: apresentar os produtos da Lululemon e conquistar novos clientes.
“Os dupes estão aí e vão acontecer, então não queremos brigar, nem fazer queda de braço”, diz Nikki Neuburger, chief brand officer, da Lululemon, em entrevista à revista Fast Company. “Vamos nos divertir um pouco com isso também, para entender profundamente nossos consumidores e criar uma conexão com eles.”
Nos cálculos da companhia, metade dos que compareceram ao “Dupe Swap” nunca havia comprado uma peça Lululemon. E, de cada dois, um tinha menos de 30 anos. Ainda é cedo para avaliar se a marca conseguiu ganhar novos clientes, mas a empresa pretende levar “o dia da troca” para outras praças.
Collabs high-low
E o que acontece quando uma grife de luxo lança seus próprios dupes? Apresentada em abril, em Nova York, a coleção da francesa Thierry Mugler para a rede sueca de fast-fashion H&M levou o debate sobre as reproduções de artigos de luxo a outro patamar.
As collabs high-low não são novidades na moda. As primeiras parcerias são do início dos anos 2000. As cópias diretas, porém, eram evitadas. Não foi isso o que se viu no desfile no Park Avenue Armory.
Reforçando a potência dupe, Casey Cadwallader, diretor criativo da Mugler, levou para a passarela réplicas literais de modelos desenvolvidos no passado pela casa de alta costura. Um deles é o icônico “vampire dress”, de 1981. Na H&M, a peça custava US$ 499. Na plataforma de luxo 1stdibs, o vestido original é vendido por US$ 18 mil.
Há também o casaco de couro azul petróleo, da coleção de outono de 2022, da Mugler. A veste não saía por menos de “alguns milhares de euros”, como diz Cadwallader, à plataforma Business of Fashion. Depois de vender menos de dez unidades, foi cancelada. Agora voltou na H&M por US$ 749, o item mais caro da parceria.
Tão logo as roupas foram colocadas à venda, esgotaram. O catsuit usado pela compositora e cantora inglesa Dua Lipa, na turnê “Future Nostalgia”, também foi levado para a H&M, mas sem os brilhos. “Na colaboração com a H&M, usamos muitos dos materiais que usamos em nossas coleções”, afirma Cadwallader. Reparem, “muitos dos mesmos”, e não, os mesmos.
Alguns dias depois, muitas já estavam nas plataformas de comércio de roupas usadas, hipervalorizados. O tal casaco de couro era oferecido na Vinted por US$ 1,3 mil.
Orgulho? É sério?
Como se vê, mercado para os semelhantes existe. A maioria das “inspirações” tem marca própria. Mas, sob os olhos da lei, um produto “quase igual” ou uma falsificação literal, tudo se caracteriza como contrafação, uma violação às leis autorias e à propriedade industrial, com ecos na concorrência desleal, e no aproveitamento parasitário, quando uma empresa se aproveita do sucesso de outra.
“Movimentos, como essa ‘tendência dupe’, causam arrepios nos operadores do direito, em quem sempre defendeu a propriedade intelectual”, diz, ao NeoFeed, o advogado André Mendes, do escritório LO Baptista Advogados, especialista em negócios e direito da moda.
Como ele argumenta, quando uma marca produz um artigo que gera desejo nas pessoas, nesse processo, estão embutidos investimentos em pesquisa e desenvolvimento. E esse valor deve ser protegido. Apenas em 2020, a indústria global da moda perdeu cerca de US$ 50 bilhões, por causa de produtos fake, informa a consultoria Certilogo.
Tem mais. “Achar que é bacana consumir algo que é falso sob o argumento de acessibilidade é um pouco paradoxal”, afirma Mendes. Não é a geração Z a mais preocupada com a crise climática e a sustentabilidade?
O problema é que nem sempre essas duas forças se encontram. Ao contrário, em geral, são antagônicas, sobretudo na indústria de vestuário. A moda ética ainda é muito cara, no Brasil e no mundo. “Mas o que vale mais a pena? Ser acessível ou sustentável?” provoca o advogado.
Muitas fabricantes de fast-fashion estão frequentemente envolvidas com a degradação ambiental e até com o trabalho análogo à escravidão. Como diz Mendes, “é para ter orgulho disso?”