LOCARNO (Suíça) - Enquanto “Barbie” bate recorde atrás de recorde nas bilheterias do mundo, um pequeno filme ganha força no mercado independente. Guardadas as proporções, “Theater Camp” também representa um modelo de negócio lucrativo, mesmo sendo o oposto da primeira produção live-action da boneca.
Realizado com menos de US$ 2 milhões (contra os estimados US$ 130 milhões consumidos pelo filme do brinquedo da Mattel), “Theater Camp” não tem atores de peso, como Margot Robbie e Ryan Gosling, ou cineasta queridinha de Hollywood, como Greta Gerwig. E muito menos representa uma marca conhecida ao redor do globo.
Com poucos recursos e rodado em apenas 19 dias, o longa-metragem segue as peripécias de professores e alunos de um acampamento de teatro no verão americano. Até aí nada de tão especial, o que poderia fazer dele mais um filme de baixo orçamento que, com sorte, entraria na programação de alguma plataforma de streaming.
Mas Theater Camp” é um sucesso, tanto de público quanto de crítica,“ graças à sua originalidade e irreverência. Desde a sua première mundial no festival de Sundance, nos EUA, o filme faz barulho por onde passa. Mais recentemente, em Locarno, na "Suíça italiana", onde empolgou a plateia de 8 mil pessoas que lotou a Piazza Grande, a praça rodeada de edifícios históricos com uma das maiores telas ao ar livre do mundo (com 26 x 14 metros).
Enquanto tantos filmes pequenos ficam à espera de distribuição por meses e até anos, “Theater Camp” foi comprado logo após a sua primeira projeção em Sundance, em janeiro, onde levou um Prêmio Especial do Júri. A Searchlight Pictures, que pertence à Disney, pagou estimados US$ 8 milhões pelos direitos de lançá-lo mundialmente, nas salas de cinemas.
“Inicialmente, nosso sonho era apenas ser selecionado para Sundance. Foi uma loucura garantir distribuição durante o festival, ainda mais para os cinemas, nesse momento em que tudo gira em torno das superproduções na tela grande”, contou ao NeoFeed o diretor do filme Nick Lieberman, em Locarno.
Ainda sem data de estreia no Brasil, por enquanto, “Theater Camp” só chegou ao mercado americano. E ele ainda teve a audácia de estrear uma semana antes de “Barbie’’ e “Oppenheimer”, em um circuito limitado, de apenas seis cinemas entre Los Angeles e Nova York, mais para criar um buzz.
Ao arrecadar US$ 266 mil no primeiro final de semana, com tão poucas salas, essa foi a segunda estreia mais importante da Searchlight Pictures nesse segmento. Sua performance só ficou atrás da alcançada por “Jojo Rabbit” (2019), com Scarlett Johansson no elenco, que somou US$ 349 mil de renda de abertura em cinco salas e, mais tarde, arrecadou um total de US$ 90 milhões e recebeu cinco indicações ao Oscar.
Até o momento, “Theater Camp” acumula só nos EUA cerca de US$ 3,5 milhões de renda. É aparentemente pouco, mas, levando em consideração as circunstâncias, é o começo de uma carreira promissora – até porque o faturamento já bateu o seu custo total, incluindo gastos com marketing.
E, a partir do final de agosto, a comédia passa a estrear de fato, chegando a cerca de 800 cinemas na América do Norte, além de entrar em cartaz no mercado internacional, desembarcando no Reino Unido, na Alemanha, na Espanha, na Nova Zelândia e no Japão, entre outros territórios.
“Essa trajetória é a validação do esforço de quatro amigos”, comentou Lieberman, referindo-se a Molly Gordon, Noah Galvin e Ben Platt. Os quatro escreveram juntos o roteiro, que foi codirigido por Lieberman e por Gordon. Exceto por Lieberman, que fica só atrás das câmeras, os três outros interpretam os personagens principais de “Theater Camp”.
“É uma comédia para todo mundo, incluindo crianças, o que reflete o espírito convidativo do teatro”, afirmou Lieberman, tentando explicar o sucesso do filme. Atualmente ele figura praticamente em todas as listas de recomendação, com os “must-see” filmes do verão do hemisfério norte.
Parte da graça vem do formato escolhido, o “mockumentary”, um gênero humorístico que simula um documentário. Mesmo que o público nunca veja quem está supostamente rodando o filme, a câmera segue os passos de um acampamento de teatro decadente no norte do estado de Nova York, o AdirondACTS, registrando tudo o que há de mais pitoresco e absurdo pelo caminho.
A ação tem início assim que a amada fundadora do acampamento, vivida por (Amy Sedaris), entra em coma – o que não impedirá o grupo de fazê-la acompanhar a estreia da peça (colocando uma TV com em seu quarto de hospital, na esperança de que ela acorde).
Até a chegada do grande dia, os professores de teatro interpretados por Gordon e Platt vão conduzir os trabalhos, com a ajuda de gerente de palco sobrecarregado, vivido por Galvin. O ritmo tresloucado da preparação dos atores, da confecção dos figurinos e dos ensaios funciona muito bem, imprimindo energia na tela.
Tudo é orquestrado com muito senso de humor, sem medo de satirizar a frustração dos professores (atores que não conseguiram vencer lá fora) ou mesmo a nerdice e a presunção dos alunos. Os adolescentes e também as crianças se comportam como se fossem predestinados à Broadway.
Talvez o segredo esteja em o quarteto conhecer tão bem o universo que retrata. Os amigos cresceram nesses acampamentos de verão e workshops de musicais, o que lhes permitiu criar momentos hilários. “Fazemos piadas de nós mesmos, o que acontece de um jeito orgânico e improvisado”, disse Lieberman, lembrando que o senso de humor foi o que conquistou um padrinho de peso, Will Ferrell, um dos produtores da comédia.
“Tivemos acesso a Ferrell porque Molly e Noah atuaram em ‘Booksmart’ (2019), filme dirigido por Olivia Wilde e produzido por sua companhia, a Gloria Sanchez Productions”, comentou o cineasta.
E qual o conselho de Lieberman para quem sonha em fazer um hit no cinema gastando tão pouco? “No nosso caso, pesou o fato de sermos amigos de verdade. A ponto de sermos francos, tanto na hora de validar as ideias boas quanto para descartar as ideias ruins”, contou, rindo.