“No futuro, todos terão seus 15 minutos de fama.” Se a frase é mesmo de Andy Warhol, há controvérsias. Mas pouco importa. O fato é que os “15 minutos” do artista americano duram até hoje, quase quatro décadas depois de sua morte, em 1987, aos 59 anos.
Exposições e sucessivas vendas no mercado secundário reforçam a atualidade e o crescente apelo comercial de um dos grandes nomes da pop art – o movimento que, a partir dos anos 1950, apropriou-se de referências e símbolos da cultura de massa e da sociedade de consumo.
Em cartaz na Halcyon Gallery, de Londres, a mostra Beyond the brand exibe criações emblemáticas de Warhol, ao lado de pinturas originais de sua série Ads, raramente expostas.
Nelas, o artista explorou a intersecção entre arte e comércio, em gravuras e em um conjunto de dez telas com releituras de anúncios famosos, a exemplo do perfume Chanel Nº 5, de um computador da Apple e de um Fusca.
Iniciada em 1985, Ads marca o ápice do interesse de longa data de Warhol pelo universo do consumo, em trabalhos situados em uma fronteira tênue entre as linguagens publicitária e artística, escreve o historiador da arte e curador Joachim Pissarro, em um ensaio para a mostra londrina.
“Esses anúncios irradiavam temas como cosmopolitismo, tecnologia, estrelato no cinema, poder político, elegância e luxo em um vocabulário visual que contrastava fortemente com a produção aparentemente simples, pitoresca, mas encantadora da carreira de grande sucesso de Warhol como ilustrador comercial, ocorrida 30 anos antes”, avalia Pissarro.
O dólar e a sopa
Galeria dedicada exclusivamente à produção de Warhol, a Revolver, de Los Angeles, realizou até a semana passada uma venda especial de 100 obras do artista, em parceria com a Artsy, plataforma online voltada ao colecionismo.
Com preços a partir de US$ 10 mil, a seleção incluiu trabalhos como a pintura Dollar Sign e The Soup Cans I.
A arte de Warhol é um espelho das mudanças culturais e sociais de seu tempo e seu trabalho não apenas captura a essência da cultura das celebridades e do consumismo, mas também reflete sobre temas sociopolíticos mais profundos”, destaca o galerista Ron Rivlin, da Revolver, em entrevista ao NeoFeed.
“A série Electric Chair, por exemplo, confronta a pena de morte e o sistema judicial nos EUA, ilustrando o envolvimento de Warhol com questões controversas da sua época”, diz ele. “Da mesma forma, suas gravuras de Marilyn Monroe mergulham no culto à celebridade e na tragédia subjacente à personalidade pública de Monroe.”
A propósito de Marilyn, em maio de 2022, a serigrafia Shot Sage Blue Marilyn, de 1964, tornou-se uma das obras de arte mais caras do século 20, ao ser arrematada por US$ 195 milhões pelo galerista Larry Gagosian em um leilão da Christie’s de Nova York.
Feita em 1964, dois anos depois da morte da atriz, a tela colocou Warhol entre os três artistas com mais obras no rol de recordistas em leilões, ao lado de Vincent van Gogh e Pablo Picasso.
De sua autoria, também estão na lista Eight Elvises e Triple Elvis, ambas de 1963, retratos do cantor Elvis Presley. Em comum, todas essas obras têm o imediato reconhecimento por parte do público. Mas o que as tornam tão especiais?
Zona de ambiguidade
Em conversa com o NeoFeed, Geraldo de Souza Dias, professor do departamento de artes visuais da ECA-USP, observa que Warhol sempre trabalhou com imagens populares, acrescentando uma aura sofisticada a elas. “Mas é um comportamento que a gente não sabe decifrar se é cinismo, se é endosso”, afirma. “Ele fica sempre numa zona de ambiguidade.”
Doutorando pelo mesmo departamento da ECA-USP, com um trabalho focado sobretudo na produção de Warhol da década de 1970 até a sua morte, Leonardo Nones também aponta um caráter ambíguo na produção do artista, mas de outra ordem.
“Ao mesmo tempo em que é o artista, Warhol se coloca ao lado do espectador, que assiste às mesmas estrelas de cinema, emociona-se e estimula-se com esses elementos da cultura”, afirma Nones, ao NeoFeed.
Warhol é um personagem constantemente retomado pela indústria do entretenimento que representou em suas obras.
Em 2022, a Netflix exibiu Diários de Andy Warhol, documentário cujo ponto de partida são as anotações pessoais, feitas a partir de 1968, quando o artista levou um tiro, disparado pela feminista radical Valerie Solanas.
Em pós-produção, o longa-metragem The Collaboration se debruça sobre a colaboração, nos anos 1980, entre Warhol e o também artista plástico Jean-Michel Basquiat (1960-1988). Eles serão interpretados, respectivamente, pelos atores Paul Bettany e Jeremy Pope. Os dois foram também protagonistas da peça homônima, encenada em Londres e em Nova York.
Até a semana passada, a Christie’s de Los Angeles abrigou uma mostra dos Screen Tests, uma seleção de oito filmes mudos, que reforça a atração de Warhol por ícones da cultura de massa, como os cantores Lou Reed e Bob Dylan e o ator Dennis Hopper.
A exposição era uma amostra do projeto de digitalização dos filmes do artista, tocado pelo Andy Warhol Museum, em parceria com a casa de leilões.
Para Sonya Roth, vice-presidente da Christie’s, a exibição representou uma convergência de cinema, arte e história, com as “imagens em movimento” criadas por Warhol na década de 1960.
Imagens que, segundo ela, “impactaram para sempre o panorama da arte contemporânea”.