Por vezes apelidado de Steve Jobs do vinho, por sua obsessão pela qualidade e enorme presença no mercado, hoje o premiado enólogo norte-americano Paul Hobbs faz piada com a comparação e assume a figura de um doutrinador mais que de workaholic.
“Admiro Steve Jobs e suas conquistas, mas a comparação hoje faz parecer que estou velho”, ironiza Hobbs falando ao NeoFeed. Hoje com sete vinícolas em cinco países, seu papel maior é o de transmitir a filosofia e visão sobre o vinho. E logo de cara brinca: “Não me pergunte sobre o pH do vinho ou dados de análises químicas, por favor”.
O norte-americano, que fez fama na Califórnia e em Mendoza, já foi eleito enólogo do ano por duas vezes por Robert Parker, além de melhor enólogo da Califórnia, pelo mesmo crítico, completa agora 44 anos de enologia e hoje concentra suas atenções nas vinícolas onde é sócio.
Pode parecer pouco para um profissional que já prestou consultoria técnica para mais de 35 vinícolas pelo mundo, do Chile à Hungria, mas seus domínios passam pela Califórnia (vinícola Cross Barn e Paul Hobbs Winery), Mendoza (Viña Cobos), Cahors (Crocus), Armênia (Yacoubian-Hobbs) e, mais recentemente, Galícia (Alvaredos-Hobbs) e Finger Lakes (Hillick & Hobbs).
Paul Hobbs cresceu em uma fazenda com dez irmãos no norte do estado de Nova York, próximo ao seu mais recente projeto em Finger Lakes, e o álcool era item proibido em sua casa. Aos 17 anos teve seu primeiro contato com vinho, apresentado pelo seu pai, e a impactante experiência o levou à enologia. Em tempo, tratava-se de um Château d'Yquem, um dos mais cultuados vinho de sobremesa do mundo (uma garrafa da safra 2006, por exemplo, tem o preço listado de R$ 9.709,00 na World Wine).
Ao terminar seu mestrado em enologia em Davis, na Califórnia, em 1978, foi logo contratado por Robert Mondavi para trabalhar na vinícola que era referência de qualidade na época. Três anos depois foi deslocado para trabalhar em um projeto inovador do grupo, Opus One, a primeira joint-venture entre um 1er. Cru Classé de Bordeaux (Mouton-Rothschild) e uma vinícola do Novo Mundo.
Desde a safra inaugural, Opus One recebeu os louros da crítica e em 1985 Hobbs foi contratado pela também californiana Simi. Em 1988, foi para a Argentina visitar a vinícola da família de seu colega de universidade Jorge Catena (irmão mais novo de Nicolás Catena).
Ali a página da Malbec se abriu na vida do enólogo. Com a consultoria para Catena, ganhou experiência com a variedade e contatos na região. Assim criou sua segunda vinícola em 1999, a Viña Cobos, praticamente ao lado de Catena. Na California, Hobbs já tinha criado Paul Hobbs Winery em 1991.
“Conhecia a Malbec pela literatura, por já ter sido a variedade dominante em Bordeaux antes da filoxera. E encontrar as matrizes que vieram da França antes do ataque da praga na Argentina foi algo fantástico”, recorda o enólogo ao falar das vinhas velhas e não enxertadas que encontrou em Mendoza.
Em Cobos conseguiu a mesma projeção que conquistara em sua vinícola californiana, onde coleciona 5 vinhos com 100 pontos de Robert Parker, todos Cabernet Sauvignon, dos vinhedos To Kalon e Dr. Crane. Cobos Malbec 2011 foi o primeiro vinho argentino a ganhar 100 pontos de um crítico internacional, James Suckling e repetiu o mesmo resultado com a safra de 2019.
Em 2021, o faturamento de Viña Cobos cresceu 28%, chegando a US$ 13,7 milhões (Brasil e Estados Unidos como os dois mercados mais importantes), crescimento semelhante ao visto no mercado interno (crescimento de 27%) com faturamento de US$ 6 milhões.
Para 2022 os planos são ainda mais agressivos e Paul Hobbs projeta o crescimento de 50% no volume de produção. Para tanto já foram feitos novos contratos com produtores de uvas e foram comprados 17 novos tanques de aço inox, além de 800 barricas de carvalho.
“Às vezes acho que eu acredito mais na Argentina que os próprios argentinos”, disse Hobbs ao falar do investimento pessoal para plantar um novo vinhedo ao lado de Chañares, principal vinhedo (qualitativamente) que fornece as uvas para Viña Cobos hoje.
Vinculum, de Cobos, é um exemplo de como as linhas também devem crescer para suportar o plano de expansão. Nesta linha serão produzidos apenas um Chardonnay e um Malbec (já disponíveis no Brasil ao preço de R$ 741,90, cada garrafa, na Grand Cru). E o design do rótulo foi inspiração para reformular a imagem da categoria superior, Cobos de Viña Cobos.
Em 2016, o grupo Molinos Río de la Plata investiu US$ 15 milhões para comprar 50% de Viña Cobos, sucedendo os antigos sócios de Hobbs. O grupo Molinos é o controlador das vinícolas Nieto Senetiner, Cadus e Ruca Malen.
Ao mesmo tempo, os olhos de Paul Hobbs brilham pelos seus dois novos projetos no hemisfério norte: a vinícola em Ribeira Sacra, no interior da Galícia, e a vinícolas nas margens do lago Seneca, nos Finger Lakes.
“Finger Lakes é um retorno às minhas origens, perto de onde cresci com minha família”, comenta Hobbs. No entanto, parte da recompensa por ter o primeiro vinho (ali tem plantado apenas a variedade Riesling) produzido na safra 2019, se deve à dura trajetória do projeto. A propriedade foi comprada em 2013 e o vinhedo foi plantado do zero.
“O solo é cheio de ardósia e bastante íngreme, como nas principais regiões vinícolas da Alemanha”. Em contrapartida o ritmo de crescimento das videiras é lento, em função do clima frio e baixo vigor do solo.
No começo, a vinícola era uma sociedade com Johannes Selbach, famoso produtor de vinhos da região do Mosel (Alemanha), mas o alemão desistiu do projeto no meio do caminho e o irmão mais novo de Paul, David Hobbs, assumiu a sociedade.
“Tenho certeza que além da qualidade dos vinhos, a região se tornará um grande polo para o turismo rural”, aponta o enólogo, que também deve inaugurar até o fim do ano uma estrutura de turismo em Cobos, na Argentina.
Em 2015, Hobbs se encantou com o potencial de Ribeira Sacra, na Galícia. Diferentemente do projeto de Nova York, ali já existiam os vinhedos. “É um lugar fascinante, com variedades locais com forte personalidade e escarpas que chegam a 60 graus de inclinação”.
Neste caso Hobbs tem como sócio Antonio López, que trabalhou por 20 anos na recuperação deste vinhedo de sua família que estava abandonado. Embora os vinhedos já sejam adultos, a primera safra comercial foi a de 2018. Estes vinhos inaugurais, um branco feito com a Godello e um tinto feito com a Mencía, saíram para o mercado no final de 2019.
“Ainda não conseguimos apresentar esses vinhos apropriadamente ao mercado por culpa da pandemia” comentou Hobbs, completando que gostaria de ver estes vinhos no mercado brasileiro, assim como as marcas argentinas e californianas já estão por aqui.