Era por volta do meio-dia da sexta-feira, 17 de novembro de 2023, quando Sam Altman, CEO da OpenAI, entrou em uma reunião pelo Google Meet com cinco integrantes do conselho da empresa. Quatro olhavam para ele apreensivos. Ilya Sutskever, cofundador e então cientista-chefe da companhia, foi direto: Altman estava sendo demitido. E o anúncio se tornaria público em breve, avisou.
O CEO estava em um quarto de hotel de luxo em Las Vegas para assistir à primeira corrida de Fórmula 1 na cidade; um evento badalado, repleto de convidados estrelados como a cantora Rihanna e o ex-jogador de futebol inglês David Beckham. A viagem era uma pausa em sua agenda — que andava muito atribulada desde o lançamento do ChatGPT, cerca de um ano antes.
Por um momento, Altman ficou tão surpreso que perdeu a fala. Olhou para os lados enquanto tentava recuperar a compostura. À medida que a conversa avançava, ele tentou amenizar a situação. Não funcionou. A decisão estava tomada.
O conselho da OpenAI alegou que ele não havia sido "consistentemente sincero" em suas comunicações internas e externas sobre a segurança da inteligência artificial e o ritmo de comercialização da ferramenta.
A demissão de Altman caiu feito uma bomba dentro da OpenAI e no Vale do Silício. Mas durou pouco. Por pressão de parceiros poderosos, como a Microsoft, de investidores e dos 745 funcionários da empresa, Altman voltou ao cargo logo depois.
Os detalhes até então inéditos dos cinco dias que abalaram o mundo das big techs estão no livro Empire of AI: Dreams and Nightmares in Sam Altman's OpenAI (“Império da IA: Sonhos e Pesadelos na OpenAI de Sam Altman”, em tradução livre). Ainda inédita no Brasil, a obra é assinada por Karen Hao, jornalista especialista em IA.
A autora escancara os bastidores da companhia responsável por acelerar a corrida da inteligência artificial e nos lançar rumo a uma nova ordem mundial. E ela faz isso com o rigor típico dos grandes repórteres investigativos.
Hao reuniu calhamaços de documentos e correspondências internas e realizou cerca de 300 entrevistas com 150 fontes — entre elas, 90 executivos e ex-executivos da OpenAI, além de pessoas próximas a Altman. A autora falou também com lideranças de empresas como Microsoft, Anthropic, Meta, Google, DeepMind e Scale.
Não à toa, rapidamente Empire of AI virou best-seller. "A reportagem de Hao sobre a OpenAI é excepcional, e ela é persuasiva em seu argumento de que o público deve se concentrar menos na suposta 'senciência' da IA e mais em suas implicações para o trabalho e o meio ambiente", defendeu o escritor Benjamin Wallace-Wells, em artigo na revista The New Yorker.
Ao longo de seis meses, a jornalista insistiu por uma conversa com o CEO, mas ele nunca aceitou. “Sam Altman não quer que você leia o meu livro”, provocou Hao, em uma postagem no LinkedIn.
A autora começou a cobrir a OpenAI em 2019 durante a apuração de uma reportagem publicada na revista MIT Technology Review. Naquela época, três anos antes do lançamento do ChatGPT, Hao acreditava que a empresa era formada pelos “bons caras” da tecnologia.

Fundada em dezembro de 2015 como uma organização sem fins lucrativos, a companhia tinha a segurança como sua principal missão. Como a autora conta, a OpenAI, segundo Altman, serviria de contrapeso às empresas puramente mercantis. Com o tempo, no entanto, Hao começou a questionar mais profundamente essa premissa.
O sucesso da empresa dependeria do consumo de uma quantidade quase sem precedentes de recursos: poder computacional de chips de ponta e a capacidade de processamento para criar modelos de linguagem massivos, o enorme volume de dados, o uso alarmante de energia e de água e a mão de obra barata, convocada em todo o Sul Global, elenca Hao.
Vivemos, como ela diz, “em uma nova e sombria era de impérios: apenas um pequeno grupo de empresas globais pode realmente entrar nesse jogo”. A OpenAI se tornou então uma corporação com fins lucrativos e, graças aos bilhões de dólares injetados na empresa pela Microsoft, estabeleceu um ritmo frenético na liderança pela IA, seguida por outras companhias de tecnologia. As escolhas corporativas agora privilegiam escala, lucro e poder.
Um sistema assim pode, portanto, aumentar as desigualdades, minar a democracia, reduzir a autonomia das pessoas sobre seus próprios dados e contribuir para o colapso climático.
Visionário e inquietante
"Muito da filosofia e da cultura da OpenAI tem a ver com o que pensa Altman, que ficou conhecido no meio tanto por sua visão transformadora quanto por seu estilo de liderança, que às vezes é descrito como excêntrico ou até 'misterioso”, conta Hao. "Algumas dessas histórias têm ajudado a moldar a imagem de Altman como uma figura única no mundo da tecnologia."
Em Empire of AI, o CEO surge como alguém profundamente interessado em “mudar a sociedade por meio da tecnologia”, mas com uma abordagem de longo prazo que, na avaliação da autora, parece, por vezes, bastante visionária e até inquietante.
Sua meta pessoal, conforme as entrevistas feitas para o livro, é criar uma inteligência artificial geral (AGI, na sigla em inglês) que não apenas seja “superinteligente”, mas também alinhada com os valores da humanidade.
E é aí que a cultura da OpenAI aparece impregnada por "conotações messiânicas". A ideologia da empresa, segundo a autora, vai além da mera construção de uma IA. Muitos de seus líderes acreditam ter em mãos o poder de ditar o destino da humanidade. Ela cita uma passagem ocorrida em 2022, em um retiro promovido pela companhia.
Em um determinado momento, Sutskever apresentou à equipe uma efígie de madeira que, segundo ele, representava uma AGI, o sistema de IA hipotético capaz de pensar, aprender e entender o mundo de forma tão ampla e flexível quanto os seres humanos.
O então cientista-chefe, porém, ateou fogo ao objeto. Aquela IA, apesar de parecer confiável, era traiçoeira e mentirosa, explicou. “E é nosso dever destruir isso”, disse o executivo, conforme apuração de Hao.
Em última instância, Empire of AI não é apenas sobre a companhia comandada por Altman. "Embora conte a trajetória interna da OpenAI, essa história tem o objetivo de ser um prisma por meio do qual se pode ver muito além dessa única empresa", escreve Hao. O livro é também sobre poder. "Governar a IA", ela diz, "é governar o futuro da humanidade."