Organismos vivos, os micélios formam um emaranhado de microscópicos filamentos de células. Em constante crescimento, embaixo da terra, alimentam os fungos. E, agora, também os humanos, graças aos avanços da biotecnologia.
Como a estrutura dessa vasta rede radicular é semelhante ao tecido muscular de peixes e frutos do mar, os inovadores do ecossistema agrifoodtech têm se dedicado à criação de salmão, atum, bacalhau, robalo e vieiras à base da raiz, em especial a dos cogumelos.
Quase um terço de todos os estoques pesqueiros globais monitorados são super explorados e quase dois terços estão sendo pescados com o rendimento máximo sustentável. Até 2050, a procura por alimentos vindos do mar deve dobrar.
Mas, mantido o ritmo atual de exploração, os ecossistemas marinhos, em dez anos, podem colapsar, alertam os analistas da FAO, a agência da Organizações das Nações Unidas (ONU) para alimentação e agricultura.
Em tempos de urgência climática, aumento exponencial da população e demanda crescente por comida, os peixes e frutos do mar feitos de micélio acenam com a promessa de um futuro mais sustentável, resiliente e inclusivo.
Para alguns analistas, os novos produtos superam os produzidos a partir dos ingredientes tradicionais da indústria plant-based. Proporcionariam uma textura e suculência mais próximas de suas contrapartes animais do que as proteínas obtidas da ervilha ou da soja, por exemplo.
Fundada em 2022, em Berlim, a foodtech alemã Esencia Foods acaba de apresentar seus primeiros cortes peixe branco à base de micélio, na Anuga, uma das maiores feiras de gastronomia do mundo, encerrada em 11 de outubro, na cidade de Colônia.
Liderada pelo cientista da alimentação e chef Bruno Scocozza e pelo estrategista de negócios Hendrik Kaye, atual CEO, a startup desenvolveu uma tecnologia capaz de replicar os teores de proteínas, fibras e ômega 3 encontrados nos peixes de verdade.
Desde a fundação, a Esencia Foods levantou cerca de meio milhão de dólares, em uma rodada seed liderada pelos fundos de VC Big Idea, Entrepreneur First, Serpentine Ventures e Plug and Play.
Outra foodtech focada no micélio que também tem atraído a atenção dos capitalistas de risco é a americana Aqua Cultured Foods. Fundada em 2021, em Chicago, por Anne Palermo e Brittany Chibe, a foodtech arrecadou recentemente US$ 5,5 milhões, junto à empresa Stray Dog Capital, especializada em investimentos em proteínas alternativas.
Espécie de catadores seletivos de lixo, os micélios usam a fermentação para decompor a matéria orgânica, presente no solo, e, assim, alimentar os fungos. E é, nesse processo de circularidade, que as startups de tecnologia alimentar se inspiram para produzir novos ingredientes.
Com os progressos nos conhecimentos sobre microbiologia e genética, a ciência consegue hoje programar os fungos para que funcionem como miniusinas de proteínas, gorduras, óleos, enzimas, pigmentos, aromatizantes e texturizantes, entre outros.
A fórmula desenvolvida pela Aqua produz cortes similares aos do atum, peixe branco, lula e camarão. A semelhança com as proteínas de origem animal se dá não apenas no valor nutricional, mas também na aparência, textura, aroma e sabor.
Essa é uma condição sine qua non para atrair os flexitarianos, aquela turma que até topa aumentar o consumo de frutas, verduras e legumes, sem, no entanto, abrir mão, de vez em quando, das proteínas de origem animal.
Ultraconectados, mais conscientes sobre o impacto da produção de alimentos sobre o meio ambiente e, consequentemente, mais exigentes, os novos consumidores impulsionam a indústria plant-based.
Só o mercado global de peixes e frutos do mar feitos de plantas foi avaliando em US$ 42,1 milhões, em 2021. Até 2031, deve bater US$ 1,3 bilhão, a uma elevada taxa de crescimento anual composta de 42%.