A segurança alimentar global é a meta; a tecnologia 4.0, a ferramenta; e que tudo aconteça dentro dos limites do planeta, a condição. Eis os três pilares da quarta revolução que avança sobre o campo. Agora digital, promete ser a mais transformadora de todas.
Inteligência artificial, internet das coisas, conectividade 5G, ciência de dados, análise preditiva, computação em nuvem, visão computacional, robótica, biologia sintética, georreferenciamento, sensores... As inovações emergentes permitem hoje ao produtor gerir a fazenda de uma forma inimaginável até pouco tempo atrás. E, o melhor, ele dispõe dos instrumentos necessários para agir, em tempo real. O futuro é o da precisão e dos dados.
“Principal driver de mudança, a tecnologia responde por 60% do valor bruto da produção agropecuária”, diz o engenheiro agrônomo Vitor Mondo, chefe adjunto de Transferência de Tecnologia, da Embrapa Agricultura Digital, em conversa com o NeoFeed. Em números absolutos, é muita coisa. Estimada em US$ 13,39 trilhões, a agropecuária global deve chegar a quase US$ 19 trilhões, em 2027, conforme a consultoria The Business Research Company.
Da fazenda à mesa, o impacto se dá ao longo de toda a cadeia. A transformação digital do agronegócio será a mais disruptiva entre todas as indústrias, apostam os analistas da FAO, a agência para alimentação e agricultura da Organização das Nações Unidas (ONU). Com as novas ferramentas, os sistemas agroalimentares têm tudo para se tornar mais produtivos, sustentáveis e resilientes às mudanças climáticas. E, tudo isso, com economia de recursos financeiros e ambientais.
O movimento rumo à transformação ganhou vulto alguns anos atrás, quando as inovações 4.0, adotadas em outros setores econômicos, passaram a ser usadas também pelo agronegócio. Movimentando atualmente US$ 18 bilhões, o mercado global de agricultura digital, em 2032, está previsto para bater os US$ 49,5 bilhões, informa levantamento da Precedence Research.
Os drones, por exemplo, foram desenvolvidos no final dos anos 1970, para fins militares. Em meados da década de 2000, porém, começaram a voar em direção aos campos agrícolas. Hoje, ao monitorar minuciosamente as lavouras, em comparação às técnicas tradicionais, reduzem em 85%, em média, os custos de uma plantação.
Um celeiro de oportunidades
Como única potência agrícola tropical do mundo, o Brasil é; com o perdão do trocadilho; um celeiro de grandes oportunidades – apesar dos muitos entraves a vencer. “Com uma curva de produtividade única ao longo dos anos, nosso país tem potencial para ser parte da solução dos dois maiores desafios do planeta: alimentar a todos e frear o aquecimento global”, diz Liège Correia, diretora de Sustentabilidade da JBS Brasil, em entrevista ao NeoFeed. “Ao longo dos anos, o Brasil vem demonstrando que conhece os caminhos para produzir mais com menos, preservando a biodiversidade.”
E o caminho para aumentar a produtividade, reduzindo, ao mesmo tempo, o impacto ambiental, passa pela melhoria da eficiência dos processos ao longo de toda a cadeia produtiva, explica a executiva. Nesse trabalho, a tecnologia é imprescindível.
Uma das maiores empresas de alimentos do mundo, a JBS lançou em 2021, a Plataforma Pecuária Transparente. “O objetivo é auxiliar nossos fornecedores a monitorar as práticas socioambientais de seus fornecedores”, explica Liège. Desenvolvida com tecnologia blockchain, imagens de satélite e dados georreferenciados, a ferramenta permite aos parceiros da companhia que incluam seus próprios fornecedores, no crivo das exigências socioambientais estabelecidos pela JBS.
Algumas das condições: a empresa não compra matérias-primas de fazendas envolvidas com o desmatamento ilegal, embargos ambientais e trabalho análogo à escravidão. A companhia não faz negócio com fornecedores localizados em áreas protegidas, como as indígenas e as unidades de conservação ambiental. “A plataforma garante a segurança e a privacidade dos dados, uma vez que somente os próprios fornecedores cadastrados podem visualizar e acessar as informações geradas”, conclui a diretora.
No ano de criação da plataforma, 14% dos produtores foram cadastrados. Em 2022, o índice pulou para 36%. “Neste ano, o desafio é alcançar 56%, para 79%, em 2024, e chegar a 100% no final de 2025”, diz Liège.
Para uma companhia do porte da JBS navegar pela agropecuária digital, na velocidade e precisão exigidas pelos tempos atuais, há parcerias com empresas inovadoras do ecossistema agrifoodtech. Uma das colaborações mais exitosas foi com a Silvateam, fabricante de extratos vegetais para alimentação animal. Em estudo conduzido pelo Instituto de Zootecnia de São Paulo (IZ), foi comprovado que o uso do aditivo alimentar SilvaFeed BX, à base de taninos e saponinas, reduz em 17% as emissões entéricas do gás metano.
Entre as startups, nenhuma ilustra tão bem a criatividade do ecossistema brasileiro quanto a Solinftec. Fundada em 2007, na cidade de Araçatuba, no interior paulista, a agtech está entre as mais celebradas do setor – aqui e no exterior.
Precisão no combate às pragas e daninhas
Com foco na agricultura de precisão e automação, a empresa lançou recentemente o robô Solix. Considerado um dos produtos tecnológicos mais promissores para o controle de pragas e ervas daninhas em todo o mundo, o sistema usa a plataforma de inteligência artificial Alice, desenvolvida pela própria Solinftec, é autônomo e funciona à base de energia solar e bateria.
“A intenção é que o robô more no campo. Que traga todas as informações, em tempo real, para as tomadas de decisão”, conta Leonardo Carvalho, diretor de Estratégia Global da Solinftec, ao NeoFeed. O grande diferencial do Solix, segundo o executivo, é traçar para o fazendeiro um retrato ao vivo das lavouras.
Enquanto o Solix circula pela plantação, a uma velocidade de dois quilômetros por hora, a IA Alice capta uma série de dados, como plantabilidade e germinação das sementes. Quando um agressor é identificado, o algoritmo faz o cálculo da quantidade necessária de herbicida para aquele pé da lavoura e imediatamente aplica o defensivo.
“A gente consegue identificar as doenças e as ervas daninhas em estágios bastante precoces”, diz Carvalho. “Ou seja, com uma pequena quantidade de produto químico, conseguimos eliminar o problema.” O Solix reduz em 95% a necessidade de pesticida, em relação aos cultivos tradicionais.
O Solix vem equipado ainda com uma luz ultravioleta, programada em uma frequência tal, de modo atrair os insetos e matá-los eletrocutados. A eficiência, nesse caso, conforme o executivo é de 100%. Ainda que as pesquisas sobre o impacto do robô na produtividade não estejam concluídas, Carvalho estima um aumento de cerca de 5%.
Os ganhos não são apenas financeiros, mas também ambientais. Pelos métodos tradicionais, uma plantação recebe, no mínimo, duas aplicações de defensivos. O problema é que, em excesso, o produto acaba por prejudicar o desenvolvimento da própria planta e pode levar à contaminação da água e da terra, comprometendo a biodiversidade dos ecossistemas aquáticos e terrestres.
Com dois metros de altura e uma barra de 12 metros de largura, o Solix é, em média, 90% mais leve do que os pulverizadores tradicionais. E essa leveza faz uma tremenda diferença. Quando a máquina é muito pesada, compacta o solo. Nessas condições, explica Carvalho, além do empobrecimento nutricional do solo, a semente tem dificuldades para crescer. Em um terreno, digamos, mais fofo, a planta pode canalizar essa energia para dar mais frutos.
Depois de quatro anos de estudos e R$ 10 milhões em investimentos, o Solix está em uso nos Estados Unidos, Canadá e Brasil, em lavouras de soja, milho, trigo, algodão e cana-de-açúcar. Ao preço de US$ 50 mil, a unidade, só entre os agricultores americanos, a fila de espera pelo robô já chega a 200 fazendeiros. E esse é apenas o começo.