Yonas Alemu nasceu e foi criado em Jiga, uma pequena aldeia agrícola nas terras altas do vale do rio Rift, no norte da Etiópia. Uma de suas memórias mais vívidas da infância é a de levantar-se antes do amanhecer e ajudar os pais na plantação de teff.
Base da alimentação etíope, o grão minúsculo, de cores variadas, entre o branco e o marrom escuro, passando pelo vermelho, entrou para a categoria dos superalimentos e vem sendo considerada a “quinoa da década 2020”. Com um leve sabor de nozes, naturalmente sem glúten, é rico em fibras, minerais, vitaminas, proteínas e possui os nove aminoácidos essenciais ao bom funcionamento do organismo.
Graças ao cereal, a família Alemu prosperou. Ao terminar o ensino médio, o jovem ganhou uma bolsa para estudar gestão financeira em Londres. Trabalhou em importantes bancos de investimentos, como o JP Morgan, casou e teve filhos. Dezessete anos se passaram até que, em 2014, as lembranças das lavouras de Jiga voltaram fortes e o levaram a uma guinada radical de vida.
Em um mercado londrino de produtos naturais, o então executivo do Credit Suisse encontrou um pacote de farinha de teff. Qual não foi sua surpresa ao ler no rótulo a procedência do pacote: Estados Unidos. Como assim, se é a Etiópia que produz 95% do cereal do mundo?
“Desde aquele dia, passei a me preocupar com tudo o que havia abandonado”, conta Alemu à plataforma “How We Made It In Africa”. Ele pediu demissão e, em 2016, fundou a Lovegrass Ethiopia – uma empresa de exportação de grãos, farinha e massa de panqueca e waffle à base de teff, a partir da planta semeada, cultivada e colhida por pequenos agricultores etíopes, como os Alemu.
Em 2021, o empresário inaugurou a primeira fábrica da Lovegrass. Com isso, a linha de produção, antes terceirizada, foi transferida para a capital Addis Abeba. Hoje, as vendas estão concentradas no Reino Unido, Irlanda, França, Alemanha e Suécia.
O teff da Lovegrass ganhou as prateleiras de alguns varejistas importantes, como as britânicas Selfridges, Ocado e Planet Organic e a americana Whole Foods Market. No rótulo dos produtos, a inscrição “Made in Ethiopia”.
O sucesso da Lovegrass ilustra à perfeição o interesse crescente do Ocidente pelo teff. Estaria a supremacia da quinoa, natural dos Andes, ameaçada pelo cereal etíope?
Levadas em consideração as projeções mais recentes, sim. Até 2026, o mercado global de teff deve evoluir a uma taxa anual composta (CAGR) de 15,26%, chegando a US$ 1,54 bilhão, nas contas da consultoria global Technavio.
Já os negócios em torno da quinoa avançarão em ritmo mais lento, a um CAGR de 10,7% até 2032, quando estão previstos para movimentar US$ 1,41 bilhão, informa a Fact.MR.
Ameaça à segurança alimentar
Além de seu alto valor nutricional, o teff apresenta vantagens também em relação à sua resiliência. É resistente a climas quentes e secos, mas também se dá bem em solos alagados. De cultivo relativamente rápido, com a colheita entre dois e cinco meses depois da semeadura, o cereal tende a consumir menos água do que os grãos tradicionais.
Plantar teff, porém, não é tão simples. Seu tamanho diminuto dificulta o manuseio e o processamento, em relação aos grãos maiores. Não à toa, teff vem de “teffa”, “perdido” em amárico.
Os primeiros movimentos do teff para fora da Etiópia datam da metade dos anos 2000. A procura foi tão grande que, em 2006, o governo proibiu a exportação do grão in natura. O aumento do preço do grão no mercado doméstico ameaçou a segurança alimentar do país; um dos mais pobres do mundo. Dois terços da ingestão diária de proteínas dos etíopes vêm da planta.
Ficou liberado apenas o comércio de injera, um prato típico, espécie de panqueca, servida em como acompanhamento em todas as refeições. Nove anos depois, as autoridades suspenderam parcialmente a interdição, sob o argumento de que os investimentos para melhoria das técnicas agrícolas aumentaram a produtividade dos pequenos produtores em 40%.
Segundo o Centro de Promoção de Importações de Países em Desenvolvimento (CBI), do Ministério de Relações Exteriores, da Holanda, cerca de 6 milhões de agricultores estão envolvidos na produção anual de 4,5 milhões de toneladas do cereal.
“Apesar da produção muito grande e da demanda crescente na Europa e nos Estados Unidos, o país não está capitalizando o teff no mercado internacional”, lê-se no relatório do CBI. Conforme a análise holandesa, 48 fazendas estão autorizadas pelo governo a exportar. O volume? Mil toneladas apenas, por ano.
Os produtores etíopes enfrentam escassez de investimentos, burocracia excessiva, desafios logísticos e um cenário de instabilidade política. Por isso, Alemu fez questão de manter a produção na Etiópia.
O grão gaúcho
Enquanto isso, plantações de teff se espalham pelo mundo. Há as americanas, canadenses, sul-africanas, australianas e espanholas, por exemplo. No Brasil, a pioneira no cultivo do grão é a gaúcha Giroil, uma empresa familiar fundada em 2008.
“Nós trouxemos as primeiras mudas dos Estados Unidos e iniciamos um pequeno cultivo”, conta Evandro Perinazzo, diretor de marketing da Giroil, ao NeoFeed. No início, cinco anos atrás, a lavoura ocupava 2 hectares. Hoje, são 50. “Quando a gente começou, quase ninguém conhecia o grão”, diz o executivo. “Mas estamos construindo um mercado consumidor aqui no Brasil.”
O teff divide a propriedade em São Miguel das Missões, no noroeste do Rio Grande do Sul, com plantações de painço, linhaça dourada e sarraceno. A produção ainda é pequena; cerca de 50 toneladas anuais e faturamento de R$ 1 milhão.
Mas, o portifólio de clientes da companhia conta com representantes de peso, como a Wickbold, gigante brasileira de pães especiais. O cereal é usado também na composição dos arrozes da linha premium da Prato Fino e da Pilecco Nobre. Entre os revendedores da Giroil estão alguns supermercados de luxo, como o Santa Luzia e o Saint Marché.
O mais antigo produtor de teff fora da Etiópia é a empresa americana The Teff Company, da cidade de Boise, em Idaho. Com US$ 1 milhão, em vendas anuais, em 2022, a área de cultivo da empresa cresceu 25%. Ao que tudo indica, o pequeno notável entre os superalimentos conquistou o Ocidente.