AUSTIN - A queda do muro de Berlim, há 35 anos, marcou o fim da guerra fria. Mas uma disputa do lado da informação tem marcado um novo período de tensão global, agora entre Estados Unidos e China. No centro dos debates estão os dados de bilhões de pessoas colhidos diariamente por empresas de tecnologia.

“A Alemanha Oriental teria adorado os dias atuais, pois não precisaria de tantos informantes”, diz Peter Keup, historiador alemão que atravessou a fronteira para o ocidente na tentativa de escapar do controle repressivo do lado leste do país.

Keup é uma das figuras centrais de The Spies Among Us (Os espiões entre nós, em tradução livre), documentário apresentado pela primeira vez nesta edição do South By Southwest (SXSW). O filme detalha como agentes da Stasi, polícia secreta da Alemanha Oriental, controlavam a população por meio da coleta de dados pessoais, transformando amigos, colegas e até familiares em informantes do regime.

“Era um Estado de vigilância total, que usava esses dados para pressionar as pessoas, forçá-las a fazer coisas que não queriam, fazer um irmão se voltar contra o outro, uma mãe denunciar seu próprio filho”, afirma Jamie Coughlin Silverman, jornalista e diretora do documentário ao lado de Gabriel Silverman.

Ainda que de um modo mais velado, os diretores enxergam paralelos com o controle de massa e a manipulação de informações nos dias atuais, especialmente por meio das redes sociais.

“Outros países não permitem nossas plataformas de mídia social em seus territórios por um bom motivo. Mas aqui nos Estados Unidos, onde valorizamos tanto a liberdade de expressão, estamos aceitando essas plataformas sem nem entender completamente o que está acontecendo nos bastidores”, diz Silverman.

A influência das plataformas digitais no debate global tem sido uma preocupação crescente. O diretor americano destaca a presença do TikTok como um ponto de atenção no debate sobre manipulação digital e controle narrativo global.

“Mesmo se você estiver procurando pela verdade, o que você encontra é apenas uma versão da verdade – e não a verdade objetiva”, afirmou durante o painel.

Nos Estados Unidos, a rede social da chinesa ByteDance se tornou um assunto de segurança nacional, com uma lei que obriga a venda das operações americanas até o dia 5 de abril. Para legisladores, a plataforma representa um risco de influência estrangeira, alimentando o temor de que dados de cidadãos americanos possam ser acessados por Pequim.

De acordo com o presidente Donald Trump, há pelo menos quatro grupos interessados na aquisição. A operação americana do TikTok foi estimada em US$ 50 bilhões pela CFRA Research.

*O jornalista viajou a convite do Itaú Unibanco