Com a presença de milhares de representantes do varejo de todo o mundo, a 113ª edição da NRF, principal evento do setor, aconteceu entre 15 e 17 de janeiro em Nova York, com mais de 175 painéis e palestras para a discussão de temas e tendências relevantes.

O foco principal foi a retomada e o avanço do varejo em meio a um cenário repleto de desafios, novas tecnologias, novas dinâmicas de interação com o consumidor e acima de tudo, de entendimento sobre este novo consumidor que já nasceu olhando para as telas dos smartphones e computadores e que será o perfil dominante em pouco tempo.

Na edição anterior da NRF, muito se falou de metaverso. Agora, sem abandonar a inevitável evolução digital, a palavra de ordem parece ser “back to basics”. Essa volta ao básico é olhar para dentro da empresa, mas com um olhar de hoje, alinhado com as muitas mudanças no próprio negócio, nos consumidores, na relação com os colaboradores.

Ou seja: voltar a olhar para os dados, para a sua base, para os seus colaboradores e a partir disso, estabelecer uma nova forma de comunicação com todos; uma comunicação mais sensível, mais personalizada. O “back to basics” também envolve a última milha, a chamada “last mile”: uma revalorização do comércio de bairro, das lojas mais próximas do consumidor.

Uma revalorização que também tem a ver com as dificuldades do deslocamento nas grandes cidades, com a questão econômica, e com a necessidade de uma proximidade cada vez maior com o consumidor do século XXI.

A personalização e a experiência do cliente ganham importância ainda maior para o engajamento deste novo consumidor. A chamada Geração Z, aqueles nascidos entre o fim da década de 1990 e 2010, representa hoje 25% dos consumidores em escala mundial, enquanto a Geração Alfa, que são hoje ainda muito jovens, nascidos a partir de 2010, 17% dos consumidores.

“A personalização e a experiência do cliente ganham importância ainda maior para o engajamento deste novo consumidor”

Em apenas sete anos, essas duas gerações formarão, juntas, o grupo economicamente mais ativo da sociedade. Compreender o comportamento deste público é fundamental para o futuro próximo do varejo, fato que ficou ainda mais evidente na NRF.

Para isso é preciso ter pessoas dentro do negócio que entenda e converse com as gerações Y (os nascidos entre 1982 e 1994), Z e Alpha. Uma comunicação de duas mãos em que as pessoas corretas, dentro das empresas, falem com estes jovens e não apenas para estes jovens.

A Geração Z, por exemplo, tem como característica básica a fluidez. São fluídos na forma de trabalhar, na forma de buscar, constantemente, novas tecnologias, e na forma de consumir. E temos aqui a ocorrência inusitada da Covid-19: neste momento pós-pandemia, estes jovens estão descobrindo o mundo para além dos smartphones e computadores, depois de tanto tempo limitados às telas.

Estes novos consumidores são OMNI desde o nascimento: 97% deles dizem que as redes sociais são sua principal fonte de informação. Gastam o equivalente ao PIB da Islândia no TikTok, a cada ano. Cresceram com gratificação instantânea: acham que entrega em 15 minutos é o normal. E já usam o metaverso desde pequenos.

“Os jovens da geração Z cresceram com gratificação instantânea: acham que entrega em 15 minutos é o normal. E já usam o metaverso desde pequenos”

Estes jovens querem estar no controle da narrativa. E são caçadores de ofertas, estão em busca de preços Justos, gostam de praticar e assumir várias identidades, e gostam de parecer autênticos.

Pesquisa da AdWeek mostra que 50% dos jovens da Geração Z gostariam de fazer suas próprias roupas, tentam conciliar a autoexpressão com o repúdio ao descarte e ao altamente perecível. A indústria está atenta a isso.

O setor de embalagens, por exemplo, tem utilizado cada vez mais matérias-primas sustentáveis e incentivado o reuso de seus produtos. O tema do ESG é mesmo cada vez mais importante para as novas gerações, mais preocupadas com a própria pegada sustentável e que valorizam marcas que os ajudem a ser mais responsáveis.

Estima-se que esse tipo de comportamento estará consolidado na Geração Alfa, aquela que já nasceu em um mundo que tem bluetooth, PIX, e convivência com BOTs e IAs.

E como ficam as lojas físicas? Um dos painéis da NRF trouxe a questão da OMNIcanalidade e as dificuldades de levar o consumidor para a loja física devido ao hábito consolidado na pandemia de não sair de casa. Para motivar o consumidor a usar o ambiente físico em vez do digital, a loja tem que ser mais do que um local onde se pode fazer uma compra.

É preciso aprimorar, junto com a tecnologia, a experiência em loja, mas é fundamental que esse fator esteja alinhado com o modelo de negócio, de forma a torná-la relevante para o público que se acostumou a consumir no digital.

Como disse Jason Beeches, da Whole Foods, na NRF, “Os clientes estão comprando de forma híbrida, então quero gerar a melhor experiência online e offline”

Nesse contexto, a loja é protagonista: ela relaciona além de vender; ela cria a experiência da marca; ela também vende serviços, é um ponto de retirada de produtos e uma central de devoluções; é ainda um local de educação de clientes, e de coleta de dados e informações. Para tudo isso, ela precisa ser também um local mais conveniente e acolhedor.

“A loja física deixa de ser apenas um ponto de venda e passa a ser um ponto de contato com a marca. Ela precisa falar e contar histórias para trazer experiência e assim atrair esses novos consumidores”, reforça Mateus Persin, fundador da Dezoito Arquitetura.

Na NRF, também se destacou que o mundo vive uma espécie de crise permanente, ocasionada por três Cs: covid, conflitos e clima

Na NRF, também se destacou que o mundo vive uma espécie de crise permanente, ocasionada por três Cs: covid, conflitos e clima. “O que antes no varejo era uma maratona, agora é uma corrida de 100 metros. Tudo precisa ser feito para ontem”, afirma Denis Santini, CEO do Grupo MD.

Como exemplo, temos os shopping centers, que têm cada vez mais assumido o papel de centros de entretenimento. Vivemos em um mundo com inflação alta e com poder de consumo reprimido, onde a tecnologia terá de ser uma aliada para construir relações mais autênticas e duradouras.

Já existem aplicações mais objetivas de tecnologia em experiências imersivas dentro das lojas, que utilizam ferramentas que foram a princípio desenvolvidas para o mundo digital, mas que oferecem a mesma experiência no mundo físico.

O desafio do varejista é integrar o consumidor em todas as plataformas de relacionamento, sem que a tecnologia se torne protagonista. A loja deve atuar como o hub que reúne todos os canais.

Uma estratégia que pode ajudar no enfrentamento deste desafio são as “collabs” (colaborações) entre as marcas. Juntar a força de uma marca tradicional com outra mais jovem, por exemplo. Esta colaboração é uma tendência que também foi bastante destacada na NRF.

Como diz Carlos Ferreirinha, fundador e presidente da MCF Consultoria, “Para estar alinhado a estes novos tempos, o varejo precisa passar do omnichannel para a omniexperiência, onde as palavras de ordem são hiper-personalização e colaboração entre marcas”.

As redes sociais, por sua vez, aproximaram o consumidor das marcas. É por meio delas que ele sabe o que quer comprar, anseia por fluidez na jornada, e o comportamento varia de forma acelerada. Para acompanhar esse ritmo frenético, as empresas precisam aprimorar a coleta e a interpretação dos dados. Mas não basta conhecer o consumidor.

“Precisamos conhecer melhor e valorizar mais os nossos fornecedores, os nossos colaboradores, a nossa gente”

Precisamos conhecer melhor e valorizar mais os nossos fornecedores, os nossos colaboradores, a nossa gente. Marcas são importantes, o negócio é importante, mas nada existiria se não fossem as pessoas. É tempo de cuidar melhor da gente que está ao nosso redor.

Por tudo isso, a NRF deixou claro que, para o varejo de hoje e do futuro próximo, a transformação é mais do que uma exigência; é uma corrida. Mudaram as expectativas do consumidor e precisamos correr atrás dele. Ou, melhor ainda: na frente.

* Pompeu Belusci e Rafael Parmigiano são cofundadores do Grupo Acelera Varejo, que reúne mais de 3.600 empresários varejistas de todo o Brasil