A carga não precisa ser pesada para ser uma cilada. Nos Estados Unidos, o transporte de frete em caminhões sofria, por um lado, com a falta de tecnologia e transparência; e, por outro, com as longas jornadas e condições de trabalho impostas aos caminhoneiros.
Não por acaso, a rotatividade do setor, que movimenta US$ 800 bilhões no país, é de 97%. "Isso significa que as empresas do segmento, grandes ou pequenas, precisam repor toda sua força de trabalho uma vez ao ano", diz Lidia Yan, de 38 anos, cofundadora e CEO do NEXT Trucking, a startup que está revolucionando esse mercado.
Conhecido como o "Airbnb de cargas", o NEXT Trucking é uma espécie de marketplace para caminhoneiros e empresas. Na plataforma, fundada em outubro de 2015, os motoristas têm as regras nas mãos. Eles decidem as horas de trabalho, as rotas e os valores e o sistema trata de conectá-los às companhias que podem se beneficiar daquele itinerário. Tudo, claro, por um aplicativo.
Essa autonomia dos motoristas é um dos principais diferencias da companhia, que agora enfrenta concorrência de outras gigantes, como a Uber Freight, que dá ao contratante o "poder" de ditar as regras e os motoristas decidem se as aceitam ou não.
Para viabilizar seu negócio, a NEXT Trucking cobra uma comissão que varia entre 20% e 25%. Lembrando ainda que o app foca em dois tipos bastante específicos de frete – dos portos californianos a galpões e dos galpões aos centros de distribuições, de empresas como Amazon, Target, Walmart, entre outras.
Esse foco de atividade é outro ponto específico da companhia, o separando de Convoy, Doft e Transfix, outros importantes players no setor. "Também temos ferramentas que promovem a formação de uma comunidade. Nosso aplicativo tem uma função walkie-talkie, por exemplo, permitindo que os caminhoneiros se conversem e troquem experiências e informações", diz Yan.
Ainda de acordo com a startup, 70% de todo frete americano é feito por caminhões, mas a indústria é muito segmentada. "Cerca de 90% das pequenas empresas de transporte têm, geralmente, menos de seis caminhões. Enquanto isso, as 50 maiores companhias de frete têm apenas 16% de participação de mercado", afirma Yan.
No frigir dos ovos, a análise da executiva aponta que o mercado carece de, aproximadamente, 100 mil caminhoneiros.
Isso tudo engorda a conta da logística, que já responde por cerca de 10% da margem de um vendedor médio. E esse valor não significa que os motoristas são bem remunerados, até porque, a média salarial de um caminhoneiro é de US$ 45 mil ao ano.
Com o NEXT Trucking, os trabalhadores geralmente ganham mais de US$ 500 por dia. Não há mágica por trás desses números: além de suprimir o papel do agente de carga e as comissões atreladas, os caminhoneiros têm autonomia sobre o próprio trabalho. A digitalização do processo também extingue o tempo de negociação e encurta o prazo de pagamento.
As vantagens também são sentidas do outro lado: os contratantes conseguem acompanhar o trajeto dos caminhões em tempo real, pelo app, e aproveitam a maior eficiência dos contratados.
Tantos benefícios mantém os 16 mil caminhoneiros ligados na plataforma, que gerou US$ 46 milhões em vendas no ano passado, e aposta fechar 2019 com uma receita de US$ 120 milhões.
Tudo isso sem sair de casa. A NEXT Trucking tem sede em Los Angeles e, por enquanto, atende apenas o sul e o norte da Califórnia, Nevada, Texas e Arizona. "Mas temos planos para atuar em todos os portos do país", afirma Yan.
Começar a jornada por essa região da costa oeste não foi acidental. É por aqui que passam 50% de todos os bens importados da China. São 8,5 milhões de contêineres por ano, totalizando US$ 297 bilhões em produtos. "Isso significa que podemos ser uma empresa bilionária sem cruzar nenhuma fronteira", diz.
Esses números justificam o investimento de US$ 125 milhões que a empresa captou de investidores como Sequoia Capital, Brookfield e Mucker Capital. Na rodada C de investimento, a empresa levantou US$ 97 milhões, que pretende usar para melhorar a operação e trabalhar novos produtos.
Difícil acreditar que o mapeamento de um negócio tão complexo de logística tenha sido criado por uma chinesa que ensinava italiano nos Estados Unidos.
Nascida em Xangai, Yan veio aos EUA no começo dos anos 2000 como estudante. Ganhou bolsa de pós-graduação em italiano e, para retribuir o investimento universitário, na Universidade de Virgínia, ensinava a outros alunos a língua que aperfeiçoava.
Por fim, mudou de curso e de instituição e formou-se em comunicação pela University of Southern California (USC), mas nunca conseguiu emplacar a carreira de jornalista, como sonhava.
Com o diploma em mãos, conseguiu apenas uma oportunidade numa agência de publicidade. Foi o marido, Elton Chung, quem a transportou para esse outro mundo – o da logística.
Cofundador da NEXT, ele sempre atuou no setor. Foi em uma das visitas ao marido, no escritório, que Yan teve contato com um sistema analógico, que carecia de inovações. "Entendi, na hora, todas as queixas do meu marido", lembra. Para resolver os "problemas" matrimoniais, o casal acabou, consequentemente, solucionando o problema de uma indústria inteira.
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